Opinião

Sobre a qualidade da lista de tratamentos do artigo 5º, inciso X, da LGPD

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9 de novembro de 2020, 10h34

Neste breve texto, discutirei uma possível resposta para a questão sobre a qualidade taxativa ou não taxativa da lista de tratamentos encontrável na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

"Artigo 5º — Para os fins desta Lei, considera-se:
X – tratamento: toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração".

Para facilitar a exposição do argumento, proponho que os enunciados do caput do artigo 5º e do inciso X sejam unificados e reescritos do seguinte modo:

"Para os fins desta Lei, considera-se tratamento | toda operação realizada com dados pessoais, | como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração."

O período formado com a unificação dos enunciados do caput do artigo 5º e de seu inciso X é composto por subordinação, e as orações que o compõem foram destacadas com a colocação de traves. A primeira oração é principal em relação à segunda oração, a segunda oração é subordinada substantiva predicativa em relação à primeira oração, e a terceira oração é subordinada substantiva apositiva em relação à segunda oração.

O substantivo tratamento integra o predicado da oração principal, e realiza função de objeto direto. Embora não seja núcleo do predicado, é o fundamento da existência da oração subordinada predicativa, que realiza função de predicativo do objeto direto da oração principal. Um predicativo é termo, locução ou oração que modifica o sujeito, o objeto direto ou o objeto indireto. A modificação realizada pelo predicativo, quando "ser" é o verbo de ligação, tem natureza de definição (diz algo sobre o definido). No caso, o predicativo do objeto direto tratamento, a oração subordinada predicativa, atribui-lhe a definição: "toda operação realizada com dados pessoais". Há nessa definição, nessa oração subordinada predicativa, um sujeito (toda operação), cujo núcleo é o substantivo "operação", e um predicado (realizada com dados pessoais), cujo núcleo é o verbo "realizar" conjugado no particípio passado. O núcleo do sujeito, o substantivo "operação", é modificado pelo adjunto adnominal "toda", um adjetivo. O núcleo do predicado, o verbo "realizar", é modificado pelo adjunto adverbial "com dados pessoais", uma locução adverbial de matéria. Portanto, há na definição de tratamento um interessante paradoxo: entre a ideia de especificação, porque tratamento é operação, mas não qualquer operação, apenas as que possuem como matéria (como objeto) os dados pessoais; e a ideia de totalidade, porque tratamento é toda operação realizada com dados pessoais, todas as que possuírem como matéria dados pessoais. Logo, na definição de tratamento, há a conjugação de três características, a conjugação de três coisas ditas sobre o definido: a característica de ser operação, a característica de ter como matéria dados pessoais e a característica da totalidade, aplicada sobre as duas características anteriores. Pensemos melhor sobre essas características no parágrafo subsequente.

O conceito de dados pessoais, que são a matéria do tratamento, é definido por os enunciados do artigo 5º, incisos I e II, da LGPD. O adjetivo "toda", que conferiu ao tratamento a característica da totalidade, ou o seu masculino "todo", é definido pelo dicionário da língua portuguesa — por exemplo, o Houaiss [1]: "1. a que não falta nenhuma parte; inteiro, completo, total". E a explicação do conceito de operação, tarefa que foi delegada para a oração subordinada substantiva apositiva acima destacada. Apositiva, porque realiza a função de aposto, porque se refere ao núcleo do sujeito da oração subordinada substantiva predicativa: exatamente, o substantivo "operação". O aposto, segundo o Houaiss é "substantivo ou locução substantiva que, colocados ao lado de outro ou de um pronome e sem auxílio de preposição, explicam, precisam ou qualificam o antecedente". A função do aposto pode ser realizada de diversas formas; duas delas, as que interessam neste momento, são a definição por extensão e a exemplificação. O significado de extensão a que faço referência é assim definido pelo Houaiss: "9. LING enumeração explícita de todos os elementos que, restritivamente, pertencem a um conjunto <definição por e.>". E o significado de exemplificação, por Houaiss: "1. Ato ou efeito de exemplificar; 2. porção de palavras ou frases que se mencionam para demonstrar alguma coisa; elucidação por meio de exemplos < expôs sua tese com rica e.>". Enfim, para realizar sua tarefa de explicação do sentido do substantivo "operação", a oração subordinada substantiva apositiva apresentou uma imensa lista de operações. Tal lista é uma extensão ou uma exemplificação?

A questão que encerrou o parágrafo anterior está diretamente relacionada à anunciada pelo título: a lista de operações e, consequentemente, de tratamento oferecida pelo inciso X do artigo 5º da LGPD é taxativa? Para esclarecê-la, a questão, vejamos a definição do Houaiss para "taxativo": "1. que taxa, limita ou regulamenta, com base em lei ou decreto; limitativo, restritivo", e foquemos no adjetivo "restritivo". Por sinonímia, afirmar que a lista de operações do inciso X é taxativa, equivale a afirmar que é restritiva. Taxativa ou restritiva, se o for, será a totalidade que, por conseguinte, restringe o que pode ser compreendido como operação e, consequentemente, como tratamento por o intérprete que apreende a LGPD como objeto. Se o for, taxativa ou restritiva, nada haverá, fora da lista de operações, que seja operação, que seja tratamento de dados pessoais. Essa tese, a da taxatividade, é um tanto estimulada pela estética do inciso X, cujo impressionante comprimento instaura no intérprete a vontade quase inevitável de afirmar, espontaneamente, a taxatividade — como se pensássemos: "Há tantas operações listadas, 20 (!), que a lista só pode ser taxativa, porque só pode ser exaustiva" [2] —, além de projetar a ilusão de que a característica da totalidade, que foi predicada pela oração subordinada substantiva predicativa, estaria realizada por extensão.

Outro ponto de vista, outra tese.

Menos por a estrutura interna da oração subordinada substantiva apositiva [3], mais por a análise sintática da relação de subordinação entre a segunda oração e a terceira oração, e por o sentido provocado pela conjunção subordinativa "como", é possível descobrir elemento que favorece a tese da exemplificação. Um dos sentidos provocados pelo uso da conjunção subordinativa "como" no interior do discurso é o de exemplificação, conforme destaque do Houaiss, "c) como tb. pode ser empr. em lugar da loc. por exemplo (as ciências modernas, c. a informática, muito facilitam o dia a dia)" (grifos do original). De fato, na oração subordinada substantiva apositiva, a preposição "como" poderia ser substituída, sem prejuízo de significado, pela locução "por exemplo" (… por exemplo, as que se referem a coleta, produção, recepção…); ao passo que o acréscimo da locução "por exemplo" sem a supressão da conjunção "como" tornaria pleonástico o enunciado do inciso X (… como, por exemplo, as que se referem a coleta, produção, recepção…).

São duas, portanto, as disposições que o intérprete pode assumir perante a lista de operações do inciso X: ou deixar-se cativar por a impressionante estética do enunciado, para então interpretá-la como taxativa, como a realização de uma definição por extensão; ou deixar-se provocar pela conjunção subordinativa "como", para então descobrir o sentido de exemplificação e interpretá-la como não-taxativa.

Perante o inciso X, disponho-me a superar a impressão estética de seu enunciado, para deixar-me provocar pela conjunção subordinativa "como". Disponho-me desse modo, talvez, porque sob influência da estima que tenho pelas categorias gramaticais; mas, certamente, porque acredito que a tese da não taxatividade é a que assegura à LGPD a maior eficácia possível. Por essa disposição, ao interpretar a lista de tratamentos do inciso X como não taxativa, ou meramente exemplificativa, em vez de excluí-las, incluo no conceito de tratamento também outras operações realizadas com dados pessoais que não foram listadas. Para exemplificar, e também concluir este breve texto: dentro mesmo da LGPD, o artigo 18 fala sobre a operação de correção, um dos direitos do titular de dados pessoais, e o artigo 19 fala sobre as operações de impressão e de fornecimento. Portanto, três tipos de tratamento que não aparecem na lista do inciso X.

 


[1] HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1. ed. — Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

[2] Ainda que o taxativo não seja necessariamente exaustivo, e que o exaustivo acabe por ser taxativo. Definição de exaustivo, por Houaiss: "1 que esgota ou se destina a esgotar; que abrange até os mínimos pormenores <um tratado e.> <uma investigação e.>".

[3] Dividida em sujeito oculto, cujo núcleo é o substantivo "orações", e em predicado, cujo núcleo é o verbo pronominal "referir-se" conjugado no presente do indicativo, cujo complemento é o objeto indireto representado por toda a lista de exemplos de operação (desde "coleta" até "extração").

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