Processo Familiar

As substituições testamentárias

Autor

  • Mário Luiz Delgado

    é advogado professor da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (Fadisp) e da Escola Paulista de Direito (EPD) doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP) mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e membro da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC) e do Instituto de Direito Comparado Luso Brasileiro (IDCLB).

8 de novembro de 2020, 8h10

Na sucessão testamentária, um testador prevenido, ao instituir herdeiros ou legatários facultativos[1], no exercício da sua liberdade testamentária, deve sempre se atentar para a escolha dos respectivos substitutos, que receberão a liberalidade no lugar daqueles, quando uns ou outros não quiserem, ou não puderem, aceitar a herança ou o legado. Isso, claro, na hipótese de o disponente não preferir que os bens integrantes da herança ou do legado prejudicados, sejam destinados aos herdeiros legítimos, seguindo a ordem da vocação hereditária. Não havendo designação de substitutos aos beneficiários do ato de última vontade, é de se presumir que o testador “nomeou” substitutos os seus herdeiros legítimos, seguindo a previsão do artigo 1.788 do Código Civil.

Substituição, portanto, é a disposição ou verba testamentária, por meio da qual o testador chama, em lugar do herdeiro ou legatário, um substituto, para que assuma, no todo ou em parte, as mesmas vantagens e ônus que caberiam à pessoa cuja vocação cessou. Trata-se de uma manifestação de autonomia privada, em concretização ao princípio da prevalência da vontade do testador. Já apontava Felício dos Santos, nos comentários ao seu célebre projeto de código civil, não haver “quem não queira que seus bens depois da sua morte sejam distribuídos conforme suas afeições, sentimentos filantrópicos ou religiosos. Pode acontecer que depois da morte do testador não possam ou não queiram receber seus benefícios as pessoas lembradas no testamento, e nada mais conforme à razão que lhe permitir substituí-las por outras”[2]. Pode a substituição ser feita em qualquer espécie de testamento, público, particular ou cerrado e não exige o uso de fórmulas sacramentais.

O substituto é um personagem secundário, que somente sobe ao palco da sucessão quando o protagonista (herdeiro ou legatário) não deseja (renunciante) ou não pode (indignidade ou impedimento) suceder. Ele não é sucessor e se, nesta situação, se lhe verifica a morte, nada transmitirá aos seus próprios herdeiros, como bem destaca, novamente, Orosimbo Nonato: “Nestas circunstâncias enquanto pende a condição, isto é, enquanto não chegue para o instituído a possibilidade de aceitar a herança, ou porque lhe é deferida puramente ou porque aconteceu a condição de que dependia pronunciar-se, não se abre para o substituto a sucessão. Mas, o direito de substituir transmite-se aos herdeiros do substituto se o testador falece antes dele e antes de recolher o instituído a liberalidade, ou melhor, antes de declarar sua aceitação”[3].

Ao assumir o lugar vago, o substituto recolherá a herança ou o legado na qualidade de sucessor do de cujus, e não do substituído.

Existem várias modalidades de substituição: a substituição vulgar, as substituições pupilar e quase pupilar e a substituição fideicomissária.

Na substituição vulgar, comum, ordinária ou direta, o testador elege outra pessoa para tomar o lugar do herdeiro ou do legatário nomeado, “para o caso de um ou outro não querer ou não poder aceitar a herança ou o legado, presumindo-se que a substituição foi determinada para as duas alternativas, ainda que o testador só a uma se refira” (Código Civil, artigo 1.947). O substituto é chamado a suceder em caráter alternativo no lugar do primeiro nomeado que não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado. Consiste, assim, na designação pura e simples da pessoa que sucederá no lugar do primeiro instituído, sendo denominada direta porque a liberalidade vai direto do instituído ao seu substituto, não se interpondo ninguém entre o testador e o substituto[4].

A substituição direta se subdivide em singular, coletiva e recíproca, podendo testador substituir muitas pessoas a uma só, ou vice-versa, isto é, dar um substituto a vários instituídos, com ou sem reciprocidade.Singular quando houver um só substituto e coletiva quando forem vários os substitutos, a serem chamados de maneira simultânea ou sucessiva.

Chamados simultaneamente, os substitutos dividirão a herança ou legado em partes iguais. Se os substitutos foram nomeados em ordem sucessiva, serão chamados na ordem prevista na verba, perdendo eficácia a nomeação sequencial assim que o primeiro substituto aceitar a herança ou o legado. Nesse caso não existe limitação ao número de substitutos, admitindo-se a substituição numa infinidade de graus. Pode o testador nomear Tício seu herdeiro ou legatário; na falta de Tício a Mévio; na falta de Mévio ao filho deste e assim sucessivamente.

A substituição será recíproca quando os herdeiros ou legatários são nomeados substitutos uns dos outros. Se foram instituídos em partes iguais, entender-se-á que os substitutos recebem partes iguais do quinhão vago. Se forem desiguais os quinhões dos co-herdeiros ou co-legatários, em caso de substituição, os substitutos exercerão seus direitos na mesma proporção estabelecida na nomeação.

A proporção entre as quotas fixadas na primeira instituição se presume também repetida na substituição. Ou seja, tomando agora por empréstimo as lições de Arthur Vasco Itabaiana de Oliveira, “se os herdeiros ou legatários forem instituídos em partes desiguais, a proporção dos quinhões, fixada na primeira disposição, entender-se-á mantida na segunda. Exemplo: instituo meus herdeiros a Pedro, por um sexto da herança; a Paulo, por dois sextos, e a Sancho por três sextos, e substituo todos três entre si. No caso que faleça Pedro, ou não queira aceitar a herança, o seu quinhão será dividido da seguinte maneira: Paulo terá duas partes e Sancho três partes; porque a mesma proporção fixada na primeira disposição se guardará na segunda. Se, porém, com os herdeiros ou legatários instituídos em partes desiguais, fôr incluída mais alguma pessoa na substituição, o quinhão vago pertencerá em partes iguais aos substitutos.Exemplo – instituo meus herdeiros a Pedro, por um sexto da herança; a Paulo, por dois sextos e a Sancho por três sextos; e, se um dêstes três herdeiros não puder, ou não quiser aceitar a herança, instituo também meu herdeiro a Martinho, juntamente com os outros. Nesta hipótese, se Pedro falece, ou não quiser aceitar a herança, o seu quinhão será dividido em partes iguais por todos os outros herdeiros inclusive Martinho, que é um substituto vulgar e concorre com os substitutos recíprocos”[5].

A substituição pupilar e a quase-pupilar foram desacolhidas pelo ordenamento jurídico brasileiro atual.Na substituição pupilar, o ascendente por testamento, designa quem será o herdeiro do filho, para a hipótese deste falecer antes de atingir a capacidade testamentária ativa (16 anos). Na substituição quase-pupilar, o ascendente nomeia herdeiro para o descendente que não disponha de pleno discernimento para o ato de testar e venha a morrer nesse estado. Caducará a substituição do filho se este adquirir a capacidade etária ou recuperar o discernimento.

Finalmente, na substituição fideicomissária ou fideicomisso, temos duas liberalidades sucessivas. A primeira em benefício do primeiro instituído, chamado de fiduciário ou substituído; e a segunda em proveito do substituto, chamado do fideicomissário. O próprio enquadramento do fideicomisso no rol das substituições não é pacífico. Segundo Justino Adriano Farias da Silva, o “fideicomissário não sucede ao fiduciário, nem o substitui; vem, depois, só no tempo; herdeiro ou legatário do testador, e não do fiduciário; em virtude de instituição igual à do fiduciário, e não de substituição. Vem após o fiduciário o fideicomissário; e não esse em um lugar daquele. No fideicomisso, há dupla disposição testamentária, e não disposição testamentária a favor de alguém para o caso de outrem não querer ou não poder suceder”[6].

Inobstante a discussão, o fato é que o legislador optou por incluir o tratamento legislativo do fideicomisso entre as modalidades de substituição testamentária, razão pela qual acompanho esse enquadramento, sem vedação a que o intérprete venha a ressignificar a natureza jurídica do instituto.

[1] Por força do princípio da intangibilidade da legítima, não é possível a nomeação de substituto para herdeiro legitimário. Como bem explica Orosimbo Nonato, “se o herdeiro é meramente legítimo, nenhuma dúvida poderá haver porque o testador poderá livremente instituí-lo ou excluí-lo da herança; e nomeando-lhe substituto, entende-se que o instituiu em primeiro grau. Se, porém, o herdeiro é necessário, já não terá o testador direito de nomear-lhe substituto para a legitima, porque sobre esta sua vontade não se exerce, não lhe cabe direito de disposição” (NONATO, Orosimbo. Estudos Sôbre Sucessão Testamentária. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1957, p.141).

[2] Apud NONATO, Orosimbo. Estudos Sôbre Sucessão Testamentária. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1957, p.139.

[3] Op. cit., p. 145.

[4] O oposto da substituição direta é justamente a fideicomissária ou oblíqua.

[5] OLIVEIRA, Arthur Vasco Itabaiana de. Tratado de Direito Das Sucessões, 4°ed. Max Limonad: São Paulo, 1952,p.587.

[6] Do fideicomisso. In: Direito Civil e registro de imóveis / coordenador Leonardo Brandelli. São Paulo: Método, 2007, pp. 133-134. Esse autor assim define o instituto: “O fideicomisso é uma relação fiduciária que se cria por um ato jurídico expresso, que não requer a existência de uma causa legal, através do qual o fideicomitente transfere a titularidade de uma coisa ou de um direito a uma instituição fiduciária, com o propósito de que esta exerça os direitos e obrigações derivados dessa titularidade em benefício de uma ou de várias pessoas denominadas fideicomissários, ou para a realização de um fim lícito.

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    é advogado, professor da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (Fadisp) e da Escola Paulista de Direito (EPD), doutor em Direito Civil pela USP, mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e membro da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC).

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