Opinião

Regularidade fiscal é requisito para concessão de recuperação judicial

Autor

  • Domingos Fernando Refinetti

    é advogado sócio do escritório WZ Advogados e membro da OAB da International Bar Association da Turnaround Management Association do Brasil e do IBR (Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas).

8 de novembro de 2020, 11h16

No julgamento, em quatro de setembro de 2020, da medida cautelar na Reclamação 43.169 São Paulo, o ministro Luiz Fux asseverou que, para que se conceda a recuperação judicial de um devedor (artigo 58 da Lei 11.101/05), será necessária a apresentação, por esse devedor, de uma Certidão de Regularidade Fiscal (ou uma Certidão Positiva com Efeitos de Negativa ou, ainda, eventualmente, certidão derivada de uma transação tributária com o Fisco, com base na Lei 13.988/2020).

Há certo inconformismo com essa decisão. O argumento é o de que essa exigência poderia acarretar uma onda de falências, uma vez que exigir tal certidão, "num estágio tão inicial" do processo de recuperação, tornaria esse processo inviável porque esses devedores, em recuperação judicial, seguramente não a obteriam.

Essa é uma questão recorrente no seio do Direito da insolvência, a começar pelo fato de que os créditos tributários não se sujeitam à recuperação judicial. É certo que o Fisco permanece com o direito de buscá-los ao largo do procedimento recuperatório, entretanto, mesmo que o Fisco venha a atuar por meio de execuções fiscais, a superveniência de recuperação judicial do devedor seguramente significará empecilho para a excussão da dívida ou de bens que a garantam, em razão de conceitos sobre a sua "essencialidade" para a efetiva recuperação do devedor.

Afora outras implicações importantes decorrentes de tal enquadramento, os devedores, concentram, efetivamente, sua atenção na elaboração de seus planos de recuperação nos créditos sujeitos à recuperação judicial, porque serão os seus respectivos credores que o aprovarão ou não.

Entretanto, tais planos deveriam ser concebidos para representar mais do que o simples endereçamento de uma moratória: deveriam propor projetos concretos de reestruturação da empresa, dos pontos de vista organizacional, operacional, mercadológico e econômico-financeiro, e, nesse contexto, não poderiam desconsiderar a existência de débitos fiscais e sua forma de pagamento.

Para isso, legislação específica — Lei nº 13.043/14 — autoriza, bem ou mal, o parcelamento de débitos fiscais em até 84 meses, o que permitiria às empresas devedoras, ao requererem a aprovação judicial de seu plano de recuperação, atestar a obtenção de tal benefício.

Mais do que isso, teria permitido às empresas devedoras considerar o respectivo pagamento em seu fluxo de caixa e em seu plano de negócios (sem embargo da adesão a outras eventuais normas, com prazos e condições até mais condizentes), tanto quanto fazem com os demais débitos a ele sujeitos.

É bem verdade que as condições previstas nessa lei para a concessão do parcelamento são consideradas "draconianas" pelas empresas em "crise econômico-financeira", as quais, ao pleitearem a recuperação judicial, acumulam, no mais das vezes, débitos fiscais praticamente impagáveis (situação que conta com a lenta, tardia e, muitas vezes, desabusada atuação do Fisco na salvaguarda de seus interesses).

Chega-se a esse impasse, portanto, por uma soma de fatores, que, aliás, deveriam ser seriamente enfrentados pelos legisladores preocupados em atualizar, neste exato momento, a Lei 11.101/05 (e há propostas para tanto).

De outro lado, parece sensato imaginar que uma recuperação judicial deva ser concedida a uma empresa desde que todos os seus passivos — sujeitos ou não ao procedimento — tenham sido, senão equacionados, pelo menos seriamente endereçados.

Aprovar um plano de recuperação judicial em que os débitos fiscais foram ignorados (de um modo ou de outro) — pairando sobre a empresa reais (ou eventuais) excussões que poderiam inviabilizar o cumprimento desse plano de recuperação judicial e, portanto, a sobrevivência da empresa — tampouco parece efetivo. Seguramente estar-se-á tapando o sol com peneira (vale consulta a recente decisão de 15 de setembro, da lavra do des. Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto, no agravo de instrumento nº 0046087-14.2020.8.19.0000).

Entre a data do protocolo do pedido de recuperação e a decisão do juiz que concede a recuperação judicial do devedor — cujo plano não tenha sofrido objeção de credor ou tenha sido aprovado pela assembleia geral de credores — medeiam, no mínimo, seis meses.

Esse é o tempo que a lei concede, genericamente, para que o devedor formate e formalize o seu business plan e retome seu negócio (não havendo impedimento para que o devedor se debruçasse — como seria de se esperar — sobre um projeto de reestruturação de seu negócio mesmo antes de seu acesso à Justiça, o que lhe daria ainda mais tempo).

De todo o modo, dados os limites legais, é o prazo de que dispõe o devedor tardio (late turnaround) para poder submeter aos credores um plano crível e consistente de recuperação de sua atividade empresarial, aí incluídos os débitos fiscais.

Não se trata, portanto, de um evento-surpresa ou de algo inesperado para o devedor.

Tampouco é algo que ele deva apresentar ao protocolar o seu pedido de recuperação judicial (ou seja, desde logo) e, menos ainda, algo que torne, em seu confronto, os princípios da preservação da empresa e de sua função social, tanto quanto o "postulado da proporcionalidade", cobertos pelo artigo 47 da Lei nº 11.101/05, desbalanceados ou desequilibrados.

Aliás, com a devida vênia, mais parece que a elevação desse artigo 47 à categoria de "remédio para todos os males" é que transformou essa exigência ("ressuscitada" pelo ministro Fux e constante de lei — artigos 57, da Lei 11.101/05, e 191-A, do Código Tributário Nacional) em letra morta ou em algo com que nenhum agente de um procedimento de recuperação judicial precisava se preocupar (ressalvados alguns obstinados estudiosos do assunto).

Ao contrário, tivessem se preocupado, desde os primórdios da Lei 11.101/05, talvez essa questão fiscal já tivesse sido enfrentada e resolvida. Infelizmente, não é assim que o Brasil funciona, seja em questões pontuais como essa, seja em questões estruturais.

Autores

  • é advogado, sócio do escritório WZ Advogados e membro da OAB, da International Bar Association, da Turnaround Management Association do Brasil e do IBR (Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas).

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