Opinião

Juízo digital marca nova era de celeridade para o Poder Judiciário

Autores

  • Larissa Pinho de Alencar Lima

    é professora de Direito Constitucional coordenadora do Nupemed/Jipa da Escola da Magistratura do Estado de Rondônia mestre em Educação e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

  • Orlando Faccini Neto

    é doutor em Ciências Jurídico Criminais pela Universidade de Lisboa; professor de Direito Penal na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e no curso de mestrado do IDP/Brasília; juiz de Direito no Rio Grande do Sul.

7 de novembro de 2020, 11h16

Ao buscar a frase "novo normal" no sistema de pesquisa do Google, aparecem em menos de 0,44 segundo cerca de 723 milhões de resultados. Isso significa que, com as diversas mudanças ocasionadas pela pandemia, foram necessárias inúmeras outras adaptações e inovações, que, de modo indubitável, aconteceriam efetivamente, mas não de forma tão veloz como de fato ocorreu.

O futuro chegou e temos apenas duas opções: aceitar a realidade social e seus avanços tecnológicos, que não permitem retrocesso ou simplesmente ficar inerte e paralisar no tempo.

Quaisquer das escolhas serão altamente impactantes não somente na gestão judiciária, mas na rotina dos jurisdicionados e, sobretudo, na prestação jurisdicional mais adequada, com duração razoável do processo a ponto de torná-lo mais efetivo e acessível.

Nesse ponto devemos reverenciar a ação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que aprovou, em outubro de 2020, a Resolução nº 345. A resolução autoriza os tribunais brasileiros a adotarem o "juízo 100% digital".

O "juízo 100% digital" foi mais uma inovação da gestão do magistrado de carreira e ministro Luiz Fux, presidente do Supremo. A inovação consiste na possibilidade de o cidadão valer-se da tecnologia para ter acesso à Justiça sem precisar comparecer fisicamente aos fóruns. Tal projeto permite que todos os atos processuais sejam praticados exclusivamente por meio eletrônico e remoto — ou seja, pela internet.

A bem-vinda inovação atende perfeitamente à implementação de mecanismos que, de fato, concretizam o princípio constitucional de amplo acesso à Justiça, segundo o disposto do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, além de obedecer as diretrizes da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial e outras providências.

Percebe-se que a questão não é apenas principiológica, ou seja, não responde apenas às garantias fundamentais previstas constitucionalmente. Ela encontra esteio na legislação brasileira, que prevê no artigo 18 da referida lei acima a autorização aos órgãos do Poder Judiciário para regulamentar a informatização do processo judicial, levando em consideração a tramitação de processos em meio eletrônico, e promove o aumento da celeridade e da eficiência da prestação jurisdicional, como argumentado.

Há uma preocupação efetiva da Constituição, por meio da previsão dos princípios fundamentais e dos instrumentos e mecanismos de garantias processuais, mas especialmente a atenção do Conselho Nacional de Justiça no que concerne à necessidade de racionalização da utilização de recursos orçamentários pelos órgãos do Poder Judiciário.

Registre-se que o CNJ detém atribuição para regulamentar a prática de atos processuais por meio eletrônico, nos termos do artigo 196, do Código de Processo Civil, e é por excelência o órgão fiscalizador da melhor prestação jurisdicional possível, devendo, portanto, zelar com todo cuidado adequado com os resultados e a efetiva entrega da jurisdição.

Esse papel do CNJ advém diretamente do comando constitucional, cuja previsão se encontra no disposto do artigo 103-B, §4º, da Constituição da República, especialmente no que concerne ao controle da atuação administrativa e financeira e à coordenação do planejamento estratégico do Poder Judiciário, inclusive na área de tecnologia da informação.

Isso em razão, inclusive, da responsabilidade econômico-financeira dos Tribunais de Justiça, tribunais do Trabalho, além dos tribunais superiores em melhor investir na gestão qualificada que observa de forma séria e comprometida com os avanços tecnológicos sem permitir que retrocessos ocorram principalmente por ineficiência ou não utilização dos meios mais modernos de tecnologia e gestão.

Não há como o Poder Judiciário regredir no avanço que até o momento tem sido não somente implantado, mas também esperado por toda sociedade que anseia com a prestação jurisdicional com duração razoável do processo, respeitando a obediência às leis e principalmente aos princípios constitucionais.

A Resolução nº 345 do CNJ contempla, de todo modo, as mudanças introduzidas nas relações e nos processos de trabalho em razão do fenômeno da transformação digital.

A referida resolução autoriza a adoção, pelos tribunais, das medidas necessárias à implementação do "juízo 100% digital" no Poder Judiciário. No âmbito do "juízo 100% digital", todos os atos processuais serão exclusivamente praticados por meio eletrônico e remoto por intermédio da rede mundial de computadores. 

Prevê, ainda, que as unidades jurisdicionais não terão a sua competência alterada em razão da adoção do "juízo 100% digital", resguardando, assim, a atribuição dos colaboradores, da unidade jurisdicional e da competência jurisdicional do magistrado titular.

A resolução traz um regramento protocolar fundamental para o funcionamento do "juízo 100% digital", abrindo margem às adaptações necessárias e relevantes para que o avanço tecnológico e, em conjunto, as garantias e princípios constitucionais sejam, de fato, efetivos.

No ato do ajuizamento do feito, a parte e seu advogado deverão fornecer endereço eletrônico e linha telefônica móvel celular, sendo admitida a citação, notificação e intimação por qualquer meio eletrônico, nos termos dos artigos 193 e 246, V, do Código de Processo Civil.

Importante previsão é que a escolha pelo "juízo 100% digital" é facultativa e será exercida pela parte demandante no momento da distribuição da ação. Pode a parte demandada opor-se a essa opção até o momento da contestação. 

Tal comando mais parece um cuidado para que os tribunais e, especialmente, os advogados, serventuários e jurisdicionados, possam se adaptar à nova realidade que inadmite retrocesso, oferecendo um lapso de adaptabilidade apenas para que então o progresso tecnológico possa acontecer.

Registra-se que, após a contestação e até a prolação da sentença, as partes poderão retratar-se, por uma única vez, da escolha pelo "juízo 100% digital". Mas, em nenhuma hipótese, a retração poderá ensejar a mudança do juízo natural do feito, devendo o "juízo 100% digital" abranger todas as unidades jurisdicionais de uma mesma competência territorial e material. 

Dessa sorte, os ventos que trazem o CNJ em relação à tecnologia são desafiadores. No entanto, a regra traz esperança de uma Justiça com duração razoável do processo, observando de forma mais ampla uma maior acessibilidade e, com isso, mais justa.

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