Opinião

Os limites da delação premiada

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6 de novembro de 2020, 16h11

A recente colaboração premiada do ex-presidente da Fecomércio-RJ Orlando Diniz trouxe à tona as lacunas presentes nesse benefício legal concedido a um réu em ação penal. A delação de Diniz, que responde por suspeita de lavagem de dinheiro, corrupção e por integrar organização criminosa, embasou a operação E$quema S, que culminou na investigação de diversos advogados, com mais de 50 mandados de busca e apreensão determinados pela 7ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro. Ocorre que as declarações do réu tiveram sérias interferências do Ministério Público Federal do Rio. A forma como ocorreu o depoimento e a posterior decisão da Justiça com base nas declarações revelam a fragilidade do instituto da delação premiada.

Em vídeos divulgados pela imprensa, procuradores do Ministério Público Federal no Estado do Rio aparentam dirigir as respostas do delator para atingir o resultado que eles esperavam para as investigações, fato este que macula toda uma investigação, colocando em cheque o instituto da delação. Além disso, pode ser visto como um atentado à Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), no sentido de forçar alguém a produzir prova contra outrem e a obtenção de provas por meio ilícito.

No Supremo Tribunal Federal, corre uma reclamação de um grupo de seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil que pede a suspensão dos efeitos da homologação da delação premiada de Orlando Diniz. A reclamação pede, ainda, o reconhecimento de que a competência para processar o caso seja da Suprema Corte e, por fim, que seja declarada a nulidade das decisões da 7ª Vara Federal do Rio. A Reclamação 43.479 já foi deferida em parte por liminar do ministro Gilmar Mendes, que suspendeu a ação penal do juiz Marcelo Bretas.

A delação premiada, também chamada de colaboração premiada em nosso ordenamento jurídico, já existe em diversos outros país. Prevista no Brasil pela Lei 12.850/2013, que define a organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, as infrações penais correlatas e o procedimento criminal, o benefício da delação premiada é tido como um dos instrumentos de auxílio ao processo penal, às investigações e até mesmo ao combate ao crime organizado.

Na delação premiada, a pessoa investigada, intitulada de delator, colabora com determinada investigação, entregando fatos, provas e apontando terceiros envolvidos nos crimes em questão. A delação premiada pode ser usada em diversos crimes previstos na lei, como nos casos de crimes hediondos, em crimes contra o sistema financeiro, e até mesmo nos crimes contra o consumidor.

O delator fornece informações para que a polícia ou outro órgão na investigação obtenha um resultado eficaz e de qualidade. Ao delatar outras pessoas envolvidas no crime, o investigado precisa ter provas. E, em troca dessa colaboração com o sistema de Justiça, o réu terá benefícios, como a redução da pena, a substituição por pena restritiva de direito, e podendo até mesmo receber o perdão judicial.

Com a delação assinada com o MPF, Orlando Diniz ganhou direito à liberdade e a ficar com cerca de US$ 1 milhão, valor que está depositado no exterior, mas teve de abrir mão de diversos imóveis que eram de sua propriedade.

Para se chegar à delação premiada, deve existir antes uma negociação entre o Ministério Público e o advogado do réu, ou o acordo poderá ser feito entre o delegado e o advogado do réu. A colaboração é voluntária, não obrigatória. A justiça homologa a negociação e verifica se na delação o investigado não está sendo coagido a virar um delator. Se o juiz encontrar uma possível forma de coação, ele poderá fazer uma entrevista sigilosa com o delator e, se ainda assim existir dúvida, a delação poderá ser cancelada.

No caso de Orlando Diniz, há indícios de uma delação direcionada, na qual o MPF interfere no depoimento do delatado e o induz a afirmar declarações que corroborem com as investigações. O fato nos provoca a questionar até onde vai o poder do MP em um acordo de colaboração e como esse procedimento deve ser feito.

Além disso, vale ressaltar o cuidado que magistrados devem ter ao tomar decisões somente com base nas declarações de um delator. Mesmo que a Lei 12.850/3102, em seu artigo 4º, §14, imponha o dever de verdade nas declarações, é certa a fragilidade das delações. Por isso, o julgador deve sempre verificar a plausibilidade das declarações frente às demais provas do processo penal, a fim de evitar que a palavra desse réu delator seja dada como única prova de um crime.

Essa desconfiança que surge sobre a palavra do delator reforça a necessidade de corroboração externa, ou seja, outras provas externas que corroboram com cada fato imputado e em relação a cada acusado pelo delator. A palavra do réu que imputa crime a uma terceira pessoa precisa de corroboração externa, para então ser valorada pelo juiz. Enquanto o magistrado deve apresentar fundamentadamente o seu convencimento em torno da credibilidade da declaração.

Aqui não estamos falando de contraprova para cada fala do delator, mas,, sim, de outras provas que corroborem e reforcem a veracidade do depoimento, justamente para que se evite um possível aproveitamento do réu pelo uso do benefício e o aproveitamento por parte do Ministério Público Federal para as investigações.

É necessário o bom andamento do processo penal para que a justiça seja garantida aos jurisdicionados. Fatos como esses que ocorreram recentemente podem colocar todo o processo e investigação à prova. A fraude processual precisa ser corrompida.

Autores

  • é advogado, sócio fundador do escritório Guimarães Parente Advogados. Especialista em Direito pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – FESMPDFT, pós-graduado em Direito Médico pelo Centro Brasileiro de Pós-Graduações – CENBRAP.

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