Opinião

Crédito presumido do ICMS: suas condições e a perda do benefício

Autor

  • Deonísio Koch

    é advogado tributarista professor de Direito Tributário ex-conselheiro do Tribunal Administrativo Tributário de Santa Catarina (TAT) e ex-auditor fiscal estadual.

6 de novembro de 2020, 13h35

O imposto sobre operações de circulação de mercadorias e de prestação de serviços de frete intermunicipal e interestadual e de comunicação (ICMS) é regido pelo princípio constitucional da não cumulatividade [1], que é de vital importância na quantificação do imposto devido, de modo que do débito apurado na operação ou prestação há de se abater o crédito relativo à operação ou prestação anterior, neutralizando o gravame tributário nas diversas etapas de circulação. Pelo mecanismo da compensação, a exigência tributária recai sobre a variação do preço no ciclo de circulação das mercadorias ou dos serviços.

Este é o sistema de crédito convencional, assim denominado por que deriva da própria estrutura de incidência do imposto, valendo aqui lembrar que o princípio da não cumulatividade deve ser observado na sua plenitude, tanto pelos legisladores infraconstitucionais como pelos aplicadores da legislação tributária, sob pena de se desestruturar o arquétipo constitucional do imposto.

No entanto, o sistema normativo criou o denominado crédito presumido [2], que decorre não das operações ou prestações precedentes, mas de uma outorga do ente tributante, dimensionado por parâmetros diversos, normalmente a fixação de um percentual sobre o valor das operações de saídas ou da prestação dos serviços. O procedimento para o registro e apropriação deste crédito é escritural, com memória de cálculo nos livros fiscais próprios, sem nenhum registro em qualquer documento fiscal.  

É preciso segmentar o crédito presumido em duas modalidades, segundo o critério de sua finalidade. Em primeiro plano, há o crédito presumido autorizado por norma para simplesmente substituir o crédito convencional decorrente das operações de entrada e tomada de serviços. Nesta hipótese o contribuinte renuncia ao crédito convencional e opta pelo crédito presumido, observando apenas as regras de transição específicas. A sua finalidade principal é simplificar o sistema de creditamento e pode ser de interesse para determinadas atividades empresariais. O valor do crédito é calculado normalmente sobre o valor das saídas e deve ser o mais próximo possível do crédito ao qual o contribuinte teria direito pelo regime convencional. Não se trata de benefício fiscal; o ente tributante que o concede não renunciará de nenhuma receita tributária. Trata-se apenas de uma acomodação operacional, normalmente atendendo aos interesses de contribuintes de determinados setores da economia.    

Todavia, há o crédito presumido que é outorgado na forma de benefício fiscal, que consiste na concessão de um crédito do ICMS, via norma específica, com a finalidade de reduzir a carga tributária do contribuinte, submetendo-se ao regime próprio de concessão de beneficio fiscal previsto na Lei Complementar nº 24/75 [3], norma acolhida pela Constituição Federal no artigo 155, §2º, XII, "g".

Nessa modalidade de crédito presumido o contribuinte pode ser obrigado a renunciar ao crédito convencional ou não, e, por ser benefício fiscal, impõe-se ao beneficiado certas condições de fruição do favor fiscal, como, por exemplo, o adimplemento de suas obrigações tributárias, mais precisamente a manutenção da regularidade do recolhimento do ICMS. Trata-se, portanto, de um benefício fiscal condicionado, que manterá sua legitimidade enquanto o beneficiado se mantiver no cumprimento de sua obrigação pactuada.

O presente artigo tem como objetivo alertar o contribuinte detentor desse beneficio fiscal condicionado das consequências do descumprimento da condição estabelecida, bem como para as providências cabíveis nessa hipótese, para evitar as interveniências fiscais necessárias.

Caso o benefício fiscal estiver condicionado a uma contraprestação do contribuinte, como por exemplo, a regularidade do recolhimento do ICMS, no momento em que o ocorrer a frustração desta obrigação, resultando no rompimento do pacto firmado, o direito ao crédito presumido perde legitimidade, compelindo o contribuinte a desistir de sua apropriação e retornar ao regime normal de apuração do imposto, apropriando-se do crédito do ICMS a partir das operações de entrada e de tomada de serviços, crédito de gênese constitucional que prescinde de qualquer autorização, o que equivale a renunciar ao benefícios fiscal.       

A opção do contribuinte em permanecer se apropriando indevidamente do crédito presumido, após o descumprimento da cláusula condicionante, impõe a interferência do Fisco, que exigirá, via lançamento de ofício, o crédito indevidamente apropriado (glosa de crédito), que corresponderá ao montante que exceder ao valor do crédito convencional a que o contribuinte tem direito por força constitucional, desde que comprove, através da documentação própria, a sua existência. De fato, o crédito que se torna ilegítimo pela perda do benefício fiscal é aquele que ultrapassar ao valor do crédito convencional, e somente este poderá ser glosado via lançamento próprio. Afinal, o efeito econômico do benefício fiscal se limita ao valor excedente ao crédito que o beneficiado teria direito pelo regime convencional. 

Essa alternativa de suportar a medida repressiva do Fisco, através da exigência do crédito tributário de ofício, não beneficia o contribuinte, visto que sobre o tributo exigido recai uma expressiva multa punitiva, o que poderá resultar em passivo tributário indesejável tanto para o Fisco como para o contribuinte. Recomendável que se cumpra a cláusula condicionante do benefício fiscal, e, em caso de sua impossibilidade, que o beneficiado renuncie ao favor fiscal, como uma atitude de boa-fé na relação entre o Fisco e contribuinte.

 


[1] Artigo 155, § 2º, I, CF/88.

[2] Examinei esta matéria no meu livro "Manual do ICMS — Teoria e Prática", editora Juruá, 6. ed, pag. 375.

[3] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp24.htm. Acesso em 2/11/2020.

Autores

  • é advogado tributarista, professor de Direito Tributário, ex-conselheiro do Tribunal Administrativo Tributário de SC (TAT) e ex-auditor fiscal do Estado.

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