Opinião

Revogação da resolução das restingas: jabuticaba jurídica 2

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5 de novembro de 2020, 6h09

Na quarta-feira da semana passada, liminar do Supremo Tribunal Federal suspendeu a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que expunge da cena jurídica o critério técnico de 300 metros para caracterização de áreas de restinga. A decisão será apreciada pelo Plenário do Supremo.

O retrocesso na proteção do meio ambiente marcou o convencimento da ministra. De acordo com a decisão "a revogação de normas operacionais fixadoras de parâmetros mensuráveis necessários para o devido cumprimento da legislação, tal como se deu, sem que se procedesse à sua substituição ou atualização, compromete não apenas o cumprimento da legislação como a observância de compromissos internacionais. O ímpeto, por vezes legítimo, de simplificar o direito ambiental por meio da desregulamentação não pode ser satisfeito ao preço do retrocesso na proteção do bem jurídico".

Em crônica anterior, publicada no site Consultor Jurídico, considerei que a revogação do parâmetro de 300 metros promete criar um imbróglio, sobretudo, naquelas ações nas quais pende o cumprimento do julgado. "Desafia a percepção de Justiça dos proprietários que tiveram determinada a demolição de moradas próximas de praias em virtude do critério revogado, a execução de sentença amparada no critério 'revogado'". "Outrossim, pode-se até se ouvir afirmar, com simplicidade, que sentenças merecem respeito, ou seja, que a alteração na legislação perde importância frente ao trânsito em julgado e que, sendo coloquial, 'o prédio deve ser demolido'."

 Mas a simplicidade não se compatibiliza com o exercício da Justiça, afora o fato de soar esquizofrênico derrubar uma morada para poder, em um segundo momento, reconstruí-la.

Mas retornando ao julgado, resoluções não são lei; integram a legislação, mas não são lei.  Defendo a ideia das resoluções do Conama poderem ser revistas pelo Judiciário, bastando, para tanto, demonstrar-se que o critério técnico adotado pelo Conselho é inadmissível no caso concreto, principalmente quando se leva em consideração o conteúdo que se pode extrair da expressão "área de uso consolidado" em um processo judicial. Defesa inglória, reconheço, já que o Judiciário chancela de forma renitente as resoluções do órgão, não sendo estranho, no caso das restingas, o indeferimento de prova pericial, a despeito dos protestos por ampla defesa e contraditório.

Convenhamos, esta força hercúlea dada às resoluções fez com que criássemos uma herança non grata para nós mesmos e ela está aí: a liminar exarada pela ministra Rosa Weber, a par de externar o compromisso de combater o retrocesso ambiental, para o qual quero registrar encômios, com a devida vênia, manuseia malabares dando a entender que o Conama tem o dever de legislar, quando não tem; que o Conama não tem o poder de revogar as suas resoluções, quando tem; que as resoluções do Conama são verdades absolutas, quando não são.

Para finalizar, tocando em verdades absolutas, recordei um pensamento de Nietzsche, o qual defendia a impossibilidade de termos acesso à "verdade absoluta", apregoando, assim, vivermos em um mundo de mentiras, pois no máximo podemos de tudo extrair uma "meia-verdade" — que não deixa de ser uma mentira. Disto, já tarda a hora do Judiciário reconhecer que a resolução do Conama, que estabelece o critério de 300 metros para identificação de áreas de restinga, é uma meia-verdade… e esta meia-verdade não pode ser absoluta!

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