Serventia em reforma

Com nova resolução, distribuição de reclamações deve ficar mais transparente no STF

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4 de novembro de 2020, 8h18

Reclamação contra desrespeito a Súmula Vinculante, como a que proíbe juiz de esconder autos dos advogados, deve ser livremente distribuída. É o que estabelece o parágrafo primeiro do artigo 70 do Regimento do Supremo Tribunal Federal. O ocultamento dos autos não é novidade, mas tornou-se recorrente desde que se instaurou o lavajatismo no país.

"Art. 70. Será distribuída ao Relator do feito principal a reclamação que tenha como causa de pedir o descumprimento de decisão cujos efeitos sejam restritos às partes. (Redação dada pela Emenda Regimental n. 34, de 7 de agosto de 2009)
§ 1º Será objeto de livre distribuição a reclamação que tenha como causa de pedir o descumprimento de súmula vinculante ou de decisão dotada de efeito erga omnes. (Incluído pela Emenda Regimental n. 34, de 7 de agosto de 2009)".

Fernando Stankuns/Wikimedia Commons
Segundo Regimento do STF, reclamação contra descumprimento de Súmula Vinculante deve ser distribuída livremente
Fernando Stankuns/Wikimedia Commons

Advogados e professores ouvidos pela ConJur foram unânimes em dizer que as regras do Regimento do STF sobre distribuição de reclamação contra descumprimento de Súmula Vinculantes são bastante claras, e que a edição da resolução deve trazer mais transparência para esse processo.

Para o advogado Rogério Taffarello, "esse tema da distribuição de processos é tão fundamental quanto pouco olhado com a atenção que merece". "Não sei se tenho muito a contribuir no tema, para além de dizer o que já se sabe — até porque, felizmente, as regras do RISTF aplicáveis são bastante claras", afirma.

Segundo Taffarello, desde a aprovação da Emenda Regimental 34/09, está claro no Regimento Interno do Supremo que a reclamação que tenha como objeto o descumprimento de decisão com efeitos erga omnes ou o descumprimento de Súmula Vinculante não se distribui por prevenção, mas deve ter livre distribuição.

Trata-se de uma regra bastante clara no RISTF, a qual não dá margem a interpretação diversa, pois, em matéria de reclamação, a distribuição ao relator do feito principal só ocorre quando o objeto da reclamação for o descumprimento de decisão do STF com efeitos inter partes no processo.

É sempre indesejável, segundo o advogado, que um processo demore dias para ser distribuído, sobretudo quando se trate de matéria criminal. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a reclamação feita pela defesa de Michel Temer no STF. Ela chegou à Corte em 26/10, foi protocolizada no dia seguinte e distribuída apenas em 29/10, por prevenção.

A Resolução 706/20 da presidência do tribunal tem um claro intuito de assegurar maior transparência e correção na distribuição dos processos na Corte, no que é muito bem-vinda, mas é preciso que efetivamente funcione, avaliou Taffarello. "Os últimos anos mostraram algumas possíveis falhas em um sistema de distribuição que todos acreditávamos ser seguro; portanto, é necessário, sem dúvidas, em esforço de aprimoramento."

Ao se referir à reclamação proposta pela defesa de Temer, o advogado Alberto Zacharias Toron afirma que "há algo de errado num sistema que, previamente, exclui determinado ministro da distribuição, mas, ao mesmo tempo, permite que o processo vá para ele". "Isso precisa ser objeto de urgente correção para evitar demora na prestação jurisdicional. E, como todos sabemos, essa demora acaba sendo fatal para o direito da parte", diz.

Para Pedro Serrano, "a distribuição como regra geral deve ser livre e aleatória, como consectário da imparcialidade do juízo". "As exceções são as previstas na legislação, como a prevenção etc. Qualquer conduta fora desse padrão é inaceitável face aos princípios da democracia constitucional. No STF, não há razão plausível que justifiquem os desvios ocorridos, é dever da Presidência corrigi-los o mais rápido possível", adverte.

Flávio Yarshell, professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP, diz que a distribuição de reclamação fundada em descumprimento de súmula vinculante deve ser feita de forma livre, diante do texto expresso e claro do Regimento Interno do STF.

"Isso é tanto mais claro quando a medida está fundada no desrespeito à Súmula 14 da Corte, em que o objeto do processo é a pretensão de fazer valer o direito de acesso aos elementos de prova constantes de procedimento investigatório. Nesse caso, deve prevalecer a regra de que a competência é sempre determinada in status assertionis, isto é, segundo a asserção feita pelo requerente — conforme amplamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência, quando se trata de fixação de competência", explica.

Ele acrescenta que, quando ainda se busca saber qual o objeto de uma dada investigação, não há como fazer vinculação antecipada com qualquer outro processo ou investigação, até mesmo por uma razão de lógica. "Para se determinar eventual prevenção seria preciso desconsiderar os termos da pretensão, que exclusivamente ao requerente cabe delimitar. Ainda, eventual prevenção num caso como esse representaria adiantar juízos sobre eventual vinculação da investigação que o requerente quer conhecer com eventuais outras vias de persecução; o que, tudo leva a crer, feriria a garantia do juiz natural", conclui.

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