Sentença anulada

Juiz não pode sonegar prestação jurisdicional por dificuldade com provas documentais

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4 de novembro de 2020, 11h49

Não se pode admitir que o magistrado simplesmente sonegue prestação jurisdicional, ou que a entregue de forma deficiente, ao argumento de que não lhe cabe se debruçar sobre a prova documental acostada aos autos. Com esse entendimento, a 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou uma sentença contra um acusado por apropriação indébita de recursos da empresa em que trabalhava. O TJ-SP determinou o retorno dos autos à primeira instância.

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ReproduçãoJuiz não pode sonegar prestação jurisdicional por dificuldade com provas documentais

O juízo de origem absolveu o homem, com fundamento no artigo 386, inciso II, do Código Penal, por concluir que não ficou provada a materialidade delitiva. Isso porque, segundo o magistrado, não houve perícia na documentação juntada aos autos. Na sentença, ele afirmou que não é perito e não lhe cabe “debruçar-se sobre os diversos papéis juntados para constatar a existência, ou não, de desfalque ao patrimônio da empresa, pelo acusado”.

O Ministério Público e o assistente da acusação recorreram da decisão, insistindo na condenação, nos exatos termos da denúncia. Em votação unânime, o TJ-SP deu provimento ao recurso para reconhecer que a materialidade ficou comprovada nos autos e, em consequência, anular parcialmente a sentença, determinando-se que outra seja proferida, com a análise das demais teses trazidas pelas partes.

Para o relator, desembargador Francisco Orlando, a sentença é nula, por negativa de prestação jurisdicional. “O apelado confessou que transferiu recursos das contas da empresa para sua conta pessoal, fato pode ser tomado como incontroverso. E os documentos juntados aos autos, em especial o relatório da auditoria realizado na empresa e os extratos de conta corrente, demonstram que as transferências (em número de 59) existiram. Aqui, portanto, está a prova da materialidade”, disse.

O desembargador afirmou que, se o magistrado entende que não possui conhecimento técnico para analisar os documentos juntados aos autos (que contam hoje com quase três mil páginas), pode se valer dos poderes instrutórios que lhe conferem o artigo 156, inciso II, do CPP. Orlando lembrou que os peritos são auxiliares da justiça, e têm, dentre suas funções, a de “dirimir dúvida sobre ponto relevante”.

“Não se pode confundir inércia do juízo com negativa de prestação jurisdicional. O destinatário final da prova continua sendo o magistrado, que não é mero expectador da atividade persecutória pois, v.g., pode ouvir testemunha referida e determinar a realização de prova que tenha por objetivo, repita-se, dirimir controvérsia sobre ponto relevante”, completou Orlando.

Processo 0010593-45.2017.8.26.0050

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