Dúvidas sobre competência

Bloqueio de bens de advogados ordenado por Bretas deve ser mantido, diz Aras

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4 de novembro de 2020, 12h56

Ainda que a 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro não seja o juízo absolutamente competente para processar o ataque contra a advocacia, é necessário e juridicamente possível preservar as decisões que ordenaram o bloqueio de bens de advogados. Isso com base no interesse público e para resguardar o resultado da ação penal.

Rosinei Coutinho/SCO/STF
Augusto Aras diz que decisões de Bretas devem ser mantidas
Rosinei Coutinho/SCO/STF

Com esse argumento, o procurador-geral da República, Augusto Aras, manifestou-se, nesta terça-feira (3/11), contra pedidos de desbloqueio de valores feitos por dois advogados.

As seccionais de São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Alagoas da Ordem dos Advogados do Brasil argumentaram ao Supremo Tribunal Federal que o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, usurpou a competência da corte ao homologar o acordo de delação premiada do ex-presidente da Fecomercio Orlando Diniz. Isso porque ele cita autoridades com foro por prerrogativa de função no STF, como ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas da União.

Com base na delação de Diniz, Bretas ordenou, no início de setembro, o cumprimento de 75 mandados de busca e apreensão em endereços de empresas, escritórios e residências de advogados. E abriu ação penal contra eles.

Em 3 de outubro, o ministro do Supremo Gilmar Mendes suspendeu a ação penal e todas as demais medidas cautelares relacionadas ao processo contra a advocacia.

Os dois advogados requereram ao STF a ampliação dos efeitos da decisão de Gilmar para suspender os efeitos do decreto que bloqueou seus bens. Eduardo Filipe Alves Martins e Ana Tereza Basilio fizeram pedidos semelhante, o da advogada limitado ao excedente bloqueado por Bretas.

Em manifestação, Augusto Aras afirmou que, “ainda que não se tratasse de juízo absolutamente competente para atuar no feito, a conservação dos efeitos das decisões proferidas pelo juízo da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro é medida necessária e juridicamente possível”.

O PGR apontou que o parágrafo 4º do artigo 64 do Código de Processo Civil estabelece que os efeitos da decisão de juízo incompetente devem ser preservados até que haja ordem judicial em sentido contrário.

Esse entendimento foi confirmado pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.414, citou Aras. Na ocasião, os ministros admitiram a possibilidade de ratificação de atos de juiz incompetente, inclusive decisórios e prejudiciais ao réu.

O bloqueio de bens de advogados, destacou o procurador-geral, tem por objetivo resguardar um resultado útil da ação penal, relativo à condenação à pena de perdimento e à garantia da reparação do dano e demais sanções pecuniárias. Isso e o interesse público justificam a manutenção da ordem de Bretas, sustentou Aras.

Abusos e ilegalidades
Em cobertura extensiva, a ConJur vem apontando abusos e ilegalidades flagrantes no ataque comandado por Bretas contra advogados. Com mandados genéricos e sem a devida especificação e individualização, foram ordenadas buscas em 33 endereços residenciais de advogados, com claro intuito de intimidação dos profissionais.

Além disso, Bretas invadiu a competência do Superior Tribunal de Justiça ao determinar o cumprimento de mandados na casa de três desembargadores: um deles com mandato no TRE de Alagoas; outro, do TRF-2, casado com uma advogada; e ainda uma terceira, do TRF-3, também casada com um advogado. O bote motivou manifestações de repúdio no meio jurídico.

A investida ainda tem erros de competência, já que a Fecomercio é uma entidade privada e deveria ser investigada pela Justiça Estadual; e de imputação de crimes, já que seus dirigentes não podem ser acusados de corrupção nem peculato. Em outra vertente há quem entenda que, por pretender investigar ministros do STJ e do Tribunal de Contas da União, a competência seria do STF.

Causou estranheza também o fato de Bretas ter aceitado a denúncia contra parte dos alvos praticamente ao mesmo tempo em que ordenou o cumprimento de mandados de busca e apreensão. Segundo especialistas, ou a denúncia estava bem fundamentada, dispensando a busca, ou ainda precisava de elementos comprobatórios, e não deveria ter sido acatada. O Ministério Público Federal do Rio alega que as duas frentes foram abertas porque a investigação ainda está em curso.

O ataque se baseia na delação do ex-presidente da Fecomercio do Rio de Janeiro Orlando Diniz. O empresário já foi preso duas vezes e vinha tentando acordo de delação desde 2018 — que só foi homologado, segundo a revista Época, depois que ele concordou com acusar grandes escritórios de advocacia. Em troca da delação, Diniz ganha a liberdade e o direito de ficar com cerca de US$ 1 milhão depositados no exterior, de acordo com a Época.

Trechos vazados da delação de Diniz ainda mostram que o empresário foi dirigido pelo Ministério Público Federal do Rio no processo. Em muitos momentos, é uma procuradora quem explica a Diniz o que ele quis dizer. Quando o delator discorda do texto atribuído a ele, os procuradores desconversam, afirmando que vão detalhar nos anexos.

Por fim, Bretas tentou bloquear quantias exorbitantes dos escritórios e dos advogados. Em investigação de supostos desvios de R$ 151 milhões, os bloqueios determinados pelo juiz ultrapassaram R$ 1 bilhão, e só não foram efetivados devido a um erro no sistema do Banco Central. Ele justificou os valores aplicando a cobrança de "danos morais coletivos" ao montante que teria sido recebido ilegalmente por escritório, o que não poderia ter sido feito em ação penal, segundo entendimento da 2ª Turma do Supremo.

Clique aqui para ler a manifestação da PGR
Reclamação 43.479

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