Opinião

Outubro Rosa e a luta contra o câncer de mama: elas sabem de seus direitos?

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2 de novembro de 2020, 17h14

Como evolução de um processo internacional, outubro é marcado como o mês de conscientização para o controle do câncer de mama. Trata-se de uma campanha que tem por objetivo promover a disseminação de informações acerca da necessidade de prevenção da doença, de modo a proporcionar maior acesso aos serviços de diagnóstico e tratamento. A campanha se pauta na máxima de que a informação tem poder — e, nesse caso em particular, o poder de salvar vidas.

O caráter social-preventivo da campanha foi alçado ao nível institucional com a promulgação da Lei nº 13.733, de 16 de novembro de 2018. Referida lei dispõe sobre atividades da campanha Outubro Rosa, sobretudo a promoção de palestras, eventos e atividades educativas, bem como a veiculação e a disponibilização à população de informações sobre a prevenção ao câncer [1].

A própria lei já previu a obrigatoriedade de disseminação de conhecimento em vista ao combate do câncer de mama, o que revela um avanço na disciplina da matéria legislativa pautado essencialmente no reconhecimento da importância desse movimento para a proteção da saúde das mulheres. Mas não para por aí. Podemos constatar que o legislador pátrio, de fato, atribui relevância à matéria, uma vez que disciplinou direitos nas mais variadas searas jurídicas que visam à prevenção e ao tratamento do câncer de mama. Muitos desses direitos, contudo, são desconhecidos, o que naturalmente esvazia o sentido da norma.

No campo preventivo da neoplasia maligna (câncer), a Lei nº 13.767/2018 altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para permitir que o empregado deixe de comparecer ao serviço, sem prejuízo do salário, até três dias por ano trabalhado para a realização de exames preventivos de câncer.

Ainda sobre a prevenção, a Lei nº 13.896/2019 determina que o prazo entre a suspeita do câncer e sua constatação não pode ultrapassar 30 dias no SUS, de forma que os exames para a comprovação do diagnóstico devem ser realizados dentro desse interstício.

Ademais, a Lei nº 12.732/2012, conhecida como a Lei dos 60 dias, prevê o direito do paciente com câncer de se submeter ao primeiro tratamento no Sistema Único de Saúde no prazo de até 60 dias contados a partir do dia em que for firmado o diagnóstico em laudo patológico, ou em prazo menor conforme a necessidade. O prazo é considerado cumprido se, em até 60 dias, o paciente tiver realizado cirurgia ou iniciado o tratamento.

O mesmo diploma legal confere ao paciente com câncer o direito de receber do SUS todos os tratamentos necessários, inclusive a medicação de alto custo e os quimioterápicos orais, bem como o tratamento privilegiado quanto ao acesso à analgésicos em caso de acometimento por manifestações dolorosas.

Especificamente sobre o câncer de mama, o legislador, prezando pela dignidade da pessoa humana, dispôs sobre a obrigatoriedade da cirurgia plástica reparadora da mama pelo SUS nos casos em que a mulher sofre mutilação total ou parcial da mama em função do tratamento do câncer. Inicialmente, a Lei nº 9.797/1999 não previu um prazo para a realização da reconstrução mamária, o que veio a ser instituído com a Lei nº 12.802/2013, que determina a execução imediata da cirurgia quando presentes as condições técnicas para tanto e, quando ausentes, assim que a paciente alcançá-las.

O cuidado do legislador também se volta para o direito de reconstrução da mama em decorrência de mastectomia parcial ou total, que se estende também às hipóteses de correção de eventual assimetria entre a mama afetada pelo câncer e a saudável, a fim de ser mantida a proporção estética entre ambas.

No campo tributário, o legislador instituiu, por meio da Lei nº 7.713/1988, a isenção do Imposto de Renda retido na fonte relativo aos rendimentos de aposentadoria, reforma e pensão dos portadores de neoplasia maligna. Os pacientes podem, inclusive, pleitear a restituição dos valores descontados nos últimos cinco anos caso comprovem o preenchimento dos requisitos para a obtenção do benefício fiscal.

No entanto, a isenção do Imposto de Renda não é estendida aos trabalhadores ainda em atividade, por força dos julgamentos da ADI 6025, pelo STF, e do Recurso Repetitivo 1.814.919, pelo STJ, oportunidades nas quais as cortes entenderam pela impossibilidade de extensão do benefício fiscal, em razão da ausência de previsão legal expressa.

Ainda, os portadores de neoplasia maligna que apresentam deficiência física nos membros superiores ou inferiores que os impeça de dirigir veículos comuns são isentos do recolhimento do imposto sobre produtos industrializados (IPI) para aquisição de veículos adaptados. Nessa mesma hipótese, incide a isenção de ICMS, IPVA e IOF, desde que cumpridos os respectivos requisitos.

No âmbito da seguridade social, o legislador estabeleceu a possibilidade de saque do Fundo de Garantia e Tempo de Serviço nas hipóteses em que o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for acometido de neoplasia maligna. Ou seja, nota-se não uma preocupação individual apenas com o trabalhador portador de câncer, mas uma intenção de proteger todo e qualquer paciente, ainda que não diretamente o trabalhador.

Para além de tudo isso, as pessoas acometidas pela neoplasia maligna têm direito à percepção de um auxílio-doença e à aposentadoria por invalidez, nos termos da Lei nº 8.231/1991, que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social.

Em vista do exposto, podemos perceber que o arcabouço legislativo brasileiro apresenta uma preocupação com a proteção da saúde do cidadão acometido por câncer, tendo especial relevo o cuidado do legislador em se tratando do combate ao câncer de mama. Cidadãs e cidadãos nessa condição, portanto, são revestidos de uma rede de direitos que incidem sobre o campo previdenciário, trabalhista, tributário e assistencial, a fim de que seja conferida efetividade ao princípio norteador do ordenamento jurídico brasileiro da dignidade da pessoa humana.

Não obstante o amplo reconhecimento pelo legislador da importância de ser construído um patamar civilizatório mínimo para os portadores de câncer, para que esses direitos legalmente garantidos sejam de fato exercidos, é necessário envidar maiores esforços para suprir: 1) a falta de conhecimento de grande parte da população de seus direitos; e, sobretudo, 2) a falta de investimentos públicos para a implementação plena dessas garantias, sob pena de toda a evolução legislativa até então construída ser reduzida somente à iluminação de prédios públicos com luzes de cor rosa [2].

 


[1] "Artigo 1º – Serão realizadas anualmente, no mês de outubro, durante a campanha Outubro Rosa, atividades para conscientização sobre o câncer de mama.
Parágrafo único. A critério dos gestores, devem ser desenvolvidas as seguintes atividades, entre outras: (…)
II – promoção de palestras, eventos e atividades educativas;
III – veiculação de campanhas de mídia e disponibilização à população de informações em banners , em folders e em outros materiais ilustrativos e exemplificativos sobre a prevenção ao câncer, que contemplem a generalidade do tema".

[2] Lei nº 13.733/2018, "Artigo 1º, parágrafo único, I – iluminação de prédios públicos com luzes de cor rosa".

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    é diretora-executiva do escritório Malta Advogados e desenvolve pesquisas em Bioética, Direito Médico e Direito Administrativo, com enfoque em servidores públicos.

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    é estagiário no escritório Malta Advogados, bacharelando em Direito pela Universidade de Brasília e membro do grupo de pesquisa "Trabalho Constituição e Cidadania" (UnB-CNPq).

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