Opinião

Lei Complementar 175/2020 apresenta alteração no recolhimento do ISS

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2 de novembro de 2020, 18h15

O presidente da República sancionou, sem vetos, a Lei Complementar nº 175/20, publicada no Diário Oficial da União em 24 de setembro. A nova lei realizou alterações e inclusões na Lei Complementar nº 116/03 para, entre outros objetivos, dirimir conflitos de competência territorial quanto ao recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) em relação a alguns serviços previstos na lista anexa à referida lei complementar. Esses conflitos ocorrem quando o prestador e o tomador do serviço estão situados em cidades diferentes.

Em seu artigo 1º, a Lei Complementar nº 175/20 deixa claro que se aplica especificamente aos serviços previstos nos seguintes subitens da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03:

"Serviços de plano de saúde e medicina:
4.22. Planos de medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres
4.23. Outros planos de saúde que se cumpram através de serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do plano mediante indicação do beneficiário.
5.09. Planos de atendimento e assistência médico-veterinária.
Serviços do setor bancário e financeiro:
15.01. Administração de fundos quaisquer, de consórcio, de cartão de crédito ou débito e congêneres, de carteira de clientes, de cheques pré-datados e congêneres.
15.09. Arrendamento mercantil (
leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia, alteração, cancelamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados ao arrendamento mercantil (leasing)."

É importante destacar que os serviços acima listados foram inseridos pela Lei Complementar nº 157/16 no rol de incisos do artigo 3º da Lei Complementar nº 116/03, ou seja, com previsão de recolhimento do ISS no domicílio do tomador do serviço.

Assim, com as novas previsões, ficou claro que o ISS deverá ser recolhido para o município onde está o cliente, que é o tomador do serviço (destino), e não mais na cidade-sede do prestador do serviço (origem). Desse modo, a Lei Complementar nº 175/20 tratou de um dos pontos mais sensíveis ao ISS.

As disposições da Lei Complementar nº 175/20 entrarão em vigor a partir de 2021, mas haverá um período de transição até 2023. Conforme disposto no artigo 15 da referida Lei Complementar, em 2021, 33,5% do tributo será arrecadado na origem e 66,5% no destino. Em 2022, ficarão 15% na origem e 85% no destino. Somente em 2023, 100% do ISS ficará com o município onde está o usuário do serviço.

Além da definição da competência tributária exposta acima, outro importante ponto de inovação trazido pela Lei Complementar nº 175/20 é a padronização das obrigações acessórias no tocante ao ISS, devido nas prestações dos serviços listados acima.

Conforme a nova lei, o ISS será declarado pelo prestador do serviço até o 25º dia do mês seguinte à prestação do serviço, por meio de um sistema eletrônico unificado para todo o país, consoante expresso no artigo 3º da Lei Complementar nº 175/20. O pagamento do imposto, por sua vez, será até o 15º dia do mês seguinte ao mês que o serviço foi prestado, conforme previsto no artigo 7º do referido diploma legal.

Outro ponto importante no que pertine às obrigações acessórias do ISS, é que fica expressamente vedado, pelo artigo 5º da lei em questão, a imposição de outras obrigações acessórias além das previstas na nova lei, a exemplo da inscrição em cadastros municipais e distritais ou de licenças e alvarás.

Esse ponto se torna deveras relevante, haja vista que nos grandes municípios foi difundido o Cadastramento de Prestador de Outro Município (CPOM), que é uma espécie sui generis de obrigação acessória, pela qual o ente municipal tenta atrair para si o ISS que seria devido a outro município, em caso de ausência de inscrição neste cadastro.

Na missão de unificar em todo país o recolhimento do ISS previsto em seu artigo 1º, a Lei Complementar nº 175/20, além de solucionar uma discussão jurídica ocasionada pela Lei Complementar nº 157/16, proporcionando maior segurança jurídica, criou um Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do Imposto sobre Serviços (CGOA), com o objetivo padronizar as regras sobre obrigações acessórias municipais. Também será criado um grupo técnico do Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do ISS para auxiliar o referido comitê.

No que se refere à padronização das obrigações acessórias, outro ponto que chama a atenção é que os contribuintes deverão desenvolver o sistema eletrônico de apuração e declaração do ISS, mediante leiautes e padrões definidos pelo CGOA.

Os municípios e o Distrito Federal deverão ter acesso ao referido sistema para fornecer informações sobre a alíquota do ISS, legislação e dados bancários para recebimento do pagamento, que deverá ser realizado por transferência bancária, sendo este mais outro ponto de inovação da Lei Complementar nº 175/20, mormente diante do surgimento do Pix, modalidade de transferência bancária, instantânea e gratuita, criada pelo Banco Central do Brasil.

Assim, é de responsabilidade dos municípios e do Distrito Federal a higidez dos dados que serão apresentados, e não poderão impor por aos contribuintes penalidades por omissões, inconsistência e inexatidão das referidas informações.

A lei complementar em estudo também vedou a atribuição da responsabilidade pelo crédito tributário do ISS previsto no artigo 1º a terceiros, a exemplo do tomador no serviço, independentemente se ele seja pessoa física ou jurídica, o que era outro artifício comum para tentar garantir o recolhimento do imposto.

Seguindo a linha da responsabilidade pelo crédito tributário, a Lei Complementar nº 175/20 também tocou em outro ponto de intensa discussão, a definição de "tomador de serviço" no âmbito do ISS.

Essa questão foi abordada pelo Supremo Tribunal Federal, quando o ministro Alexandre de Moraes concedeu liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5835 para suspender dispositivos da Lei Complementar nº 157/2016 que tratavam justamente dos serviços ora discutidos, sob o fundamento de que a definição de tomador de serviço nestes casos não era clara e que prejudicaria a correta incidência na norma tributária.

Dessa forma, o artigo 14 da Lei Complementar nº 175/20 alterou os artigos 3º e 6º da Lei Complementar nº 116/03 para determinar quem é o tomador de serviço nas prestações especificadas acima, para que se possa determinar o correto local de recolhimento do ISS.

Diante do exposto, fica evidente que as alterações nas regras basilares do ISS são bem-vindas e há muito tempo esperadas pelos contribuintes, favorecendo também o federalismo fiscal, haja vista que essas mudanças tendem a beneficiar os menores municípios, que hoje são carentes de melhor arrecadação fiscal em razão da inexistência de grandes prestadores de serviços, que normalmente estão localizados em capitais e centros urbanos.

No entanto, permanece o desafio de ordem prática a respeito da implantação das inovações trazidas com a atual legislação, o que reforça inclusive uma problemática particular do ISS brasileiro enquanto imposto cuja competência é repartida entre os milhares de municípios que o país possui.

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