Opinião

A relação de trabalho responsável

Autor

  • Marcos César Amador Alves

    é desembargador federal do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região doutor em Direito do Trabalho pela faculdade de Direito da Universidade de São Paulo mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo titular da cadeira nº 8 da Academia Paulista de Direito do Trabalho membro das Comissões do XL e do XLI Concurso Público para Ingresso na Magistratura do Trabalho da Segunda Região e Coordenador Científico do Curso "Empresas e Direitos Humanos".

1 de novembro de 2020, 13h13

Os funcionários da empresa multinacional Amazon têm confrontado as práticas trabalhistas adotadas pela corporação alocando guilhotinas na frente da residência de Jeff Bezos, seu fundador, controlador e CEO, tido como a pessoa mais rica do mundo na atualidade. Trata-se do uso do símbolo mais contundente da Revolução Francesa, representando o repúdio às políticas trabalhistas da empresa — consideradas ambíguas — e às imensas desigualdades e injustiças causadas pelo sistema econômico vigente. Demandam, nesse sentido, melhores salários, saúde e segurança no trabalho, programas de diversidade mais efetivos, entre outras justas reivindicações.

Não é admissível que as empresas exerçam suas atividades distanciadas dos valores éticos essenciais à humanidade. Mostra-se reprovável e — sobretudo — condenável a atuação empresarial que enseja, direta ou indiretamente, a violação de Direitos Humanos. Em referido contexto insere-se o paradigma da relação de trabalho responsável.

Desde o despontar da civilização, o trabalho humano tem sido o grande fator de estabilidade e progresso da sociedade. O primado da dignidade humana exige, de modo basilar, a concepção da proteção do trabalho — do trabalho digno. A valorização do trabalho, como referência fundamental da sociedade contemporânea, demanda a plena efetivação dos mais elevados padrões internacionais de proteção ao trabalhador e repudia a revogação de direitos e a precarização.

O despertar efetivo da sociedade para a proteção dos direitos fundamentais no trabalho pode — e deve — ser influenciado pela relação de trabalho responsável, a qual corresponde ao vínculo ético-jurídico mantido entre a empresa socialmente responsável e o trabalhador, destinado a assegurar a dignidade do obreiro por meio da concretização dos direitos fundamentais no trabalho, resguardando, sempre, a humanização dos vínculos laborais e o comprometimento da corporação, de seus acionistas e de seus gestores com o desenvolvimento e a sustentabilidade da sociedade.

A materialização da relação de trabalho responsável promove a melhoria da vida das pessoas no exercício laboral, no qual direitos fundamentais dos trabalhadores necessitam ser protegidos e concretizados. Todo trabalhador tem direito ao trabalho, respeitando-se sua dignidade e seus direitos fundamentais declarados. Ante a progressividade exigida, enunciada sistemática deve dar-se, sempre, em busca dos mais elevados padrões de direitos trabalhistas — jamais admitindo a redução de direitos conquistados. Não se trata, pois, de paradigma estático, mas de um modelo dinâmico, evolutivo, que preconiza o avanço permanente da proteção ao trabalho.

A proposta da relação de trabalho responsável — em consonância com a Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT) — exige a plena efetivação da proteção social dos trabalhadores, a geração de oportunidades de trabalho, emprego e renda, o diálogo social e a equidade, a afirmação do trabalho seguro e saudável, a liberdade de associação e de organização sindical, o reconhecimento verdadeiro do direito de negociação coletiva, a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, a abolição efetiva do trabalho infantil, a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação. Tutela e promove, assim, o trabalho produtivo e apropriadamente remunerado, executado em condições de liberdade, equidade e segurança, sem discriminação e apto para assegurar uma vida digna aos indivíduos que dele dependam.

Para além dos elementos definidos nos direitos fundamentais no trabalho, a relação de trabalho responsável propõe, complementarmente, que as práticas adotadas pelas corporações avancem em direção aos mais altos padrões de direitos trabalhistas reconhecidos e praticados internacionalmente. É inaceitável, sob qualquer perspectiva, que empresas busquem padrões de proteção trabalhista inferiores como diferencial competitivo para a definição do preço de seus produtos.

Na atualidade, cidadãos, consumidores, trabalhadores e governantes passaram a reivindicar, de modo inequívoco, o comprometimento efetivo das empresas com a sustentabilidade, com a ética, com a governança corporativa, com a equidade social e com as futuras gerações. Referida realidade decorre das exigências impostas por uma sociedade cada vez mais consciente e engajada. Uma nova postura empresarial, um novo comportamento passa, portanto, a ser demandado como expressão desse verdadeiro movimento de mudança. Somente se concretizados, os direitos fundamentais no trabalho serão instrumentos efetivos para a afirmação da dignidade do trabalhador — conquista inalienável da humanidade e anseio de toda a comunidade internacional.

A proteção ao trabalho apresenta-se, inelutavelmente, como alicerce fundamental de qualquer sociedade civilizada. A aplicação irrestrita dos direitos fundamentais no trabalho e dos elementos do trabalho decente é pressuposto primeiro para o verdadeiro reconhecimento da responsabilidade social empresarial, correspondendo ao paradigma da relação de trabalho responsável. Os atores sociais precisam ser sensibilizados para a nevrálgica e decisiva importância da questão trabalhista, a qual atinge a todos de modo absolutamente contundente.

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    é desembargador federal do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, doutor em Direito do Trabalho pela faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, titular da cadeira nº 8 da Academia Paulista de Direito do Trabalho, membro das Comissões do XL e do XLI Concurso Público para Ingresso na Magistratura do Trabalho da Segunda Região e Coordenador Científico do Curso "Empresas e Direitos Humanos".

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