Opinião

Sobre a indicação do advogado Mário Maia ao cargo de conselheiro do CNJ

Autor

  • Jonathan de Mello Rodrigues Mariano

    é procurador federal professor convidado de pós-graduação da Universidade Vale do Rio Doce (Univale) em Governador Valadares (MG) mestrando em Direito e Políticas Públicas pela Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) mestrando em Direito da Cidade pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) especialista em Direito Administrativo Econômica pela PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes (Ucam).

1 de novembro de 2020, 11h12

Na última terça-feira (27/10), a imprensa noticiou que a Câmara dos Deputados aprovou a indicação do advogado Mário Maia para o cargo de conselheiro no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) [1], órgão nacional de controle interno administrativo e financeiro do Poder Judiciário. O causídico é filho do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do Superior Tribunal de Justiça.

Registre-se, de início, que este autor ainda não teve o prazer e a honra de conhecer pessoalmente o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, nem mesmo o advogado Mário Maia. Dessa forma, as presentes reflexões não são ataques pessoais ao ministro [2], nem ao indicado ao cargo de conselheiro do CNJ [3], assim como não pretendem afirmar qualquer tipo de negociação acerca do processo de escolha, mas, sim, visam a avaliar a questão de forma objetiva para provocar a comunidade jurídica na formação de pensamento dogmático destinado ao aperfeiçoamento da máquina estatal brasileira.

Pois bem. Nepotismo é expressão de cunho pejorativo que remete à ideia de favorecimento de determinada pessoa pelo simples fato de ser parente ou apadrinhado de quem se encontra no exercício do poder.

De maneira mais precisa, é o ato de nomear cônjuge, companheiro ou parente de determinado grau em linha reta, colateral ou por afinidade ao exercício de cargo em comissão ou de função de confiança, cuja nomeação e exoneração são livres pelo sujeito legalmente competente, sem a necessidade de o nomeado se submeter a qualquer concurso público ou processo seletivo público simplificado.

A atividade de administrar passa, com isso, às mãos do círculo familiar consanguíneo ou afetivo da autoridade detentora do poder, tornando-se verdadeira dona daquilo que essencialmente não lhe pertence: o interesse público.

Ou seja, situa-se na posição de titular, em conjunto com os seus parentes, do poderio e dos instrumentos estatais não mais para satisfazer as necessidades da população, mas, sim, para ver concretizado o interesse próprio ou alheio de seu grupo familiar. Uma verdadeira subjugação do espaço público pelo interesse privado.

O nepotismo é praxe administrativa vista, infelizmente, até os dias atuais, mesmo após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) e a adoção de postura firme por parte de algumas instituições democráticas para rechaçá-lo.

É bom que se observe que o nepotismo não acontece apenas quando há o provimento de cargos políticos, mas também no momento da nomeação dos cargos comissionados essencialmente administrativos, o que origina verdadeiro aparelhamento da estrutura técnico-burocrática como se fosse mera extensão do projeto político que se encontra no exercício do poder.

Nessa linha, é que se mostra de bom tom fazer breve resgate da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

Desde a década de 90, no julgamento da ADI 1.521-MC/RS e do MS 23.780/MA, o Pretório Excelso vem tentando extirpar, como costume administrativo, a nomeação de parentes para cargos públicos de quaisquer espécies.

Os diversos precedentes, sobretudo após o julgamento da ADC 12/DF ajuizada contra a Resolução CNJ nº 7, de 2005, culminaram na aprovação da proposta, da lavra do ministro Ricardo Lewandowski, de enunciado sumular vinculante para estabelecer a vedação ao nepotismo na administração pública em âmbito nacional, desde que o nomeado tivesse relação de parentesco até o terceiro grau com a autoridade nomeante ou com qualquer servidor da estrutura da mesma pessoa jurídica.

Àquela ocasião, os ministros não chegaram a estabelecer que a então futura Súmula Vinculante nº 13 deixaria de se aplicar aos cargos políticos. Acontece que, em momento anterior à aprovação do enunciado, quando do julgamento do RE 579.951/RN, o Tribunal Pleno da Suprema Corte do país fixou que não haveria a aplicação da vedação de nepotismo, quando a indicação se referisse a cargo de natureza eminentemente política.

Com isso, a jurisprudência do STF, no que toca ao assunto nepotismo e à aplicação da súmula vinculante nº 13, diferencia a nomeação para cargos eminentemente administrativo dos intrinsecamente políticos.

Estabelecido isso, cumpre averiguar se o cargo de conselheiro do CNJ se insere na espécie de cargo administrativo ou político.

A densificação do que seja cargo político está longe de ser pacífica na doutrina ou na jurisprudência [4]. Para os fins dessas breves reflexões, mostra-se necessário trazer à baila o seguinte precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal: a Rcl 6702 MC-AgR, relator ministro Ricardo Lewandowski.

Assentou-se, na aludida decisão colegiada, que a indicação e a nomeação de parente para vaga de conselheiro do Tribunal de Contas não é viável, uma vez que tal cargo, por dizer respeito à atividade de controle da Administração Pública, sem qualquer formulação de política pública, deve ser reputado como eminentemente administrativo para fins de nepotismo.

Ora, à semelhança dos Tribunais de Contas, o CNJ se configura como órgão de exercício da atividade de controle, em especial sob a ótica administrativa e financeira, sendo cento que o fator distintivo entre tais órgãos ocorre pela circunstância de que os primeiros se prestam ao exercício do controle externo da administração pública, ao passo que o CNJ, ao controle interno do Poder Judiciário em âmbito nacional.

Por esses motivos, a decisão em questão deve ser aplicada analogicamente ao cargo de conselheiro do CNJ, a fim de reputá-lo como eminentemente administrativo, porquanto as atividades, a serem desempenhadas pelo seu ocupante, serão inerentemente técnicas consistentes no controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário brasileiro.

A Súmula Vinculante nº 13, portanto, não pode ser desconsiderada, de modo que a sua interpretação e aplicação devam ocorrer sem quaisquer reservas, por não se tratar o cargo de conselheiro do CNJ como político, mas sim administrativo.

Visto isso, a próxima questão é a seguinte: por se tratar de cargo eminentemente administrativo, a indicação do advogado Mário Maia, pelo simples fato de ser filho do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, seria vedada pela súmula vinculante nº 13?

Para tanto, importante trazer à baila a literalidade da Súmula Vinculante nº 13: "A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal".

Pela sua redação textual, verifica-se que o simples fato de o indicado ser parente em linha reta de primeiro grau de servidor — no caso, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho — da mesma pessoa jurídica (União) para o exercício de cargo em comissão é razão suficiente para a configuração de nepotismo, o que torna nula a indicação, pela Câmara dos Deputados, de Mário Maia ao cargo de conselheiro do CNJ.

Ainda que o ministro Napoleão Nunes Maia Filho não tenha concorrido para qualquer êxito na indicação de seu filho, a indicação do advogado Mário Maia configura-se como nepotismo, por se tratar de presunção estabelecida pela jurisprudência do STF, independentemente das circunstâncias fáticas que a envolvam, funcionando como uma hipótese de ilícito per se do direito antitruste.

Essa interpretação e aplicação, embora com viés rígido, condiz com a própria finalidade a que se propôs o Supremo Tribunal Federal, quando das discussões para a aprovação da Súmula Vinculante nº 13 do STF. Para rememorar essa necessidade de aplicação demasiadamente ampla, é bom elucidar que, na proposta original da PSV, constava o termo órgão, o qual, após provocação dos pares, foi modificada para a expressão pessoa jurídica, estabelecendo a rigidez do tratamento do tema pelo Pretório Excelso.

Isso acontece porque todos os precedentes do Supremo Tribunal Federal — anteriores, contemporâneos ou posteriores à edição da Súmula Vinculante nº 13 — visam a afastar da praxe administrativa brasileira a prática do compadrio e do patrimonialismo, a fim de que os cargos público em geral sejam ocupados por pessoas ou grupos distintos, alcançando assim o sentido próximo da noção de república como um sistema de alternância de poder.

Não olvida este articulista que existem recentes decisões da lavra do ministro Dias Toffoli — e acolhidas pelos órgãos fracionários do STF — na direção de flexibilizar a aplicação, com maior vigor, da Súmula Vinculante nº 13 do STF, já que, na sua visão, o âmbito de abrangência do enunciado seria resumido em quatro situações.

São elas: "1) ajuste mediante designações recíprocas, quando inexistente a relação de parentesco entre a autoridade nomeante e o ocupante do cargo de provimento em comissão ou função comissionada; 2) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante; 3) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento a quem estiver subordinada; e 4) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante".

Na linha do raciocínio do ministro Dias Toffoli, não haveria aparentemente qualquer ilegalidade na indicação do advogado Mário Maia, por ser meramente filho do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, porquanto não será ele a autoridade nomeante, nem mesmo terá qualquer relação de ascendência hierárquica sobre o futuro conselheiro do CNJ, assim como inexiste qualquer prova de ajuste de designação recíproca entre os agentes públicos envolvidos.

Acontece que, como já dito, não parece ser essa a melhor interpretação e aplicação do enunciado da Súmula Vinculante nº 13, pois estar-se-ia criando requisitos diminutos do enforcement da jurisprudência do Pretório Excelso que visa a dar maior grau de eficiência à composição e ao exercício das atividades da Administração Pública brasileira, tornando normativo — e não mais semântico ou nominal, na classificação de Karl Loewenstein — o espírito constitucional dos princípios republicano, da impessoalidade e da moralidade.

Essa postura do ministro Dias Toffoli, é bom que se diga, não é prevalente no âmbito da corte, porquanto, em sentido diametralmente oposto, há precedentes, inclusive de aplicação no âmbito do Poder Judiciário, contra essa restrição descabida da força e da finalidade da súmula vinculante nº 13 do STF [5].

Por isso, a partir da consideração de todo o cenário de aprovação do enunciado, de sua própria redação literal e dos precedentes que permitiram a sua formulação, a Súmula Vinculante nº 13 do STF deve ser aplicada para tornar nula a indicação, pela Câmara dos Deputados, do advogado Mário Maia ao cargo de conselheiro do CNJ, por ser filho do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, ainda que este nobre magistrado do Tribunal da Cidadania não tenha concorrido de qualquer maneira para a escolha do causídico.

 


[2] Aliás, fica aqui registrado que este articulista possui grande admiração no que toca à atuação do Ministro junto ao STJ, sobretudo a respeito de seus votos e pronunciamentos sobre as temáticas de Direito Público, enquanto integrante da Primeira Turma do Tribunal da Cidadania.

[3] Mostrar-se-ia deselegante e, até mesmo, errado criticar determinada pessoa sem nem mesmo conhecê-la, razão pela qual não se buscará macular, em nenhum momento, a imagem do futuro conselheiro do CNJ, nem mesmo do ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

[4] A respeito disso, para maior aprofundamento, indica-se a leitura de: MARIANO, Jonathan de Mello Rodrigues Mariano. A vedação ao nepotismo em cargos políticos: o caminho do meio. In MENDONÇA, Alex Assis de; MOURA, Emerson Affonso da Costa; PORTO, Marcia Maria Tamburini (Org.). Controle e Responsabilização na Administração Pública: Estudos em homenagem a José dos Santos Carvalho Filho. Rio de Janeiro: Ed. IDARJ, 2020.

[5] Ficam aqui registrados para posterior consulta os seguintes precedentes: MS 27.945/DF, rel. ministra Carmen Lúcia, e Rcl 19.911, rel. ministro Roberto Barroso

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    é procurador federal, professor convidado da pós-graduação da Universidade Vale do Rio Doce é procurador Federal, mestrando em Direito e Políticas Públicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), mestrando em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), especialista em Direito Administrativo Econômico pela PUC-Rio, professor da pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil da Universidade Vale do Rio Doce (Univale) e pesquisador do Grupo de Pesquisa Laboratório de Direito Administrativo Comparado (LEDAC).

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