Opinião

Empréstimo compulsório: mais recursos na contenção do coronavírus

Autores

  • Luiz Gonçalves Bomtempo

    é diretor-secretário da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) nacional.

  • Mauro Silva

    é auditor fiscal presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) nacional e doutor em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco.

30 de março de 2020, 9h58

Em meio à crise proporcionada pelo coronavírus, está na hora de os ultrarricos brasileiros deixarem um pouco de lado a ganância e a obsessão pelo acúmulo e dar sua contribuição ao país para o enfrentamento de uma epidemia sem precedentes no Brasil.

O Governo possui todos os argumentos e elementos para encaminhar ao Congresso Nacional mensagem para instituir o empréstimo compulsório sobre uma pequena, mas importante parcela dos contribuintes, que, com base nas declarações do imposto de Renda à Receita Federal, em 2019, é de 220.220 contribuintes.

Atualmente, a renda dos “ultrarricos” é tributada à alíquota efetiva de 6,5% somente, portanto a elevada carga tributária média tem aliviado esta camada da população que, certamente, suporta um ônus tributário menor em mais de uma dezena de pontos percentuais. É sobre esta classe mais favorecida que se deve buscar os recursos necessários para enfrentar a crise e não onerar a população de baixa renda e os autônomos, parcelas mais vulneráveis e sem proteção da sociedade brasileira.

Do ponto de vista legal, o governo estaria amplamente amparado pela Constituição Federal que prevê essa modalidade de empréstimo, por lei complementar, em tempos de calamidade pública. A previsão para o empréstimo compulsório está no artigo 148 da Carta Magna. É um tributo causal como bem define o inc. “I” do artigo em destaque:

Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:

I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;

(…)

Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.

É bom destacar que a calamidade pública, reconhecida pelos poderes constituídos, não é o fato gerador, mas sim uma das causas justificadoras que o autoriza a ser instituído o empréstimo. A aplicação dos recursos provenientes desse tributo deve estar vinculada a uma despesa, que no caso seria para fazer frente à crise “coronavírus”, não podendo ser usados para outras despesas.

O Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966), por sua vez, trata da matéria no seu art. 15:

Art. 15. Somente a União, nos seguintes casos excepcionais, pode instituir empréstimos compulsórios:

(…)

II – calamidade pública que exija auxílio federal impossível de atender com os recursos orçamentários disponíveis;

(…)

Parágrafo único. A lei fixará obrigatoriamente o prazo do empréstimo e as condições de seu resgate, observando, no que for aplicável, o disposto nesta Lei.

Destaca-se, também, que os princípios da anterioridade e da anterioridade nonagesimal não são aplicados ao empréstimo compulsório decorrente de calamidade pública, como pode observar no artigo 150, III, § 1º:

Art.150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

III- cobrar tributos:

(…)

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;”

(…)

§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Desta forma, pode-se instituir o empréstimo compulsório e cobrá-lo no mesmo exercício, não necessitando aguardar a "vacatio legis" de noventa dias.

Como todos os dados referentes ao patrimônio dos contribuintes estão ao alcance da Receita Federal, armazenados nos seus computadores, a cobrança deste empréstimo compulsório não dependerá de declarações a serem prestadas. A Receita Federal, mediante notificações, pode lançar de ofício este tributo. Isso é uma vantagem a mais, pois após a aprovação pelo Congresso Nacional, em suas duas casas, a cobrança poderá ser realizada de imediato.

Outro pressuposto importante a observar é que a Constituição Federal não define os possíveis fatos geradores do empréstimo compulsório ou campo tributário de incidência. Desta maneira o legislador tem ampla liberdade para, mediante lei complementar, descrever os fatos ou as situações objeto da tributação. Pode ser uma alíquota adicional do imposto de renda a ser pago por todos os contribuintes como pode recair sobre a propriedade móvel e imóvel ou, simplesmente, sob qualquer outra situação que se vislumbra a possibilidade de arrecadação.

Contudo, num momento tão conturbado que passamos, é necessário que, ao definir a sua incidência, tenha em mente a observância do princípio da capacidade contributiva. Deve-se onerar quem tem maior riqueza, em termos proporcionais, para pagar mais impostos, do que quem tem menor riqueza. Além disso, é uma boa oportunidade de podermos testar a base de cálculo a utilizar se o Imposto sobre Grande Fortuna (IGF) estivesse instituído cuja previsão está no artigo 153, inc. VII, da Constituição:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

(…)

VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar.

Compulsando os estudos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2017, verifica-se que a média da tributação sobre propriedade em seus países-membro era de 1,9% do PIB1. O modelo de IGF em geral adotado pelos países-membro da OCDE é baseado em alíquotas progressivas, que vão de 0,2% a 2,5%2.

Se formos buscar uma fatia de apenas 0,84% do PIB, posto que o PIB brasileiro está projetado para aproximadamente R$ 7 trilhões3, a arrecadação do imposto resulta em R$ 58,8 bilhões, embora o IGF apresenta um potencial arrecadatório de R$ 80,6 bilhões.

Cerca de 30% dos bens e direitos líquidos, declarados no IRPF, são detidos por apenas 220.220 contribuintes, o que representa 0,67% dos declarantes ou 0,1% da população brasileira. São contribuintes com renda mensal total a partir de 80 salários mínimos (R$ 83.600,00 mensais), considerando, portanto, os contribuintes com bens e direitos individuais a partir de R$ 4,69 milhões mensais, que possuem, em média, bens e direitos individuais no montante de R$ 20 milhões. Há 144.057 contribuintes com patrimônio líquido médio de R$ 4,69 milhões; 33.261 contribuintes com patrimônio líquido médio de R$ 9,29 milhões; 14.363 contribuintes com patrimônio líquido médio de R$ 13,64 milhões; e 28.540 contribuintes com patrimônio líquido médio de R$ 53,47 milhões.

Para efeito do empréstimo compulsório, com alíquota de 4,8%, aplicável somente nessa última faixa, o imposto arrecadaria R$ 66,85 bilhões, ou R$ 48,8 bilhões, considerando uma evasão fiscal. Mas, por meio de uma tabela progressiva, ela é aplicável a partir do limite de isenção estabelecido na premissa, de R$ 4,67 milhões, com alíquotas mínima de 0,5% e máxima de 5%, e com parcelas a deduzir que vão de R$ 23,35 a R$ 908,35 mil. Nesse formato, a arrecadação do tributo seria de R$ 38,8 bilhões – já considerando a perda arrecadatória decorrente de sonegação fiscal. O valor fica abaixo da arrecadação ideal, calculada anteriormente, porém ainda representa um incremento relevante aos cofres públicos.

Os empréstimos compulsórios surgem como alternativa para o caso de o governo precisar atender a despesas extraordinárias e imprevisíveis, e muitas vezes com valores exorbitantes, evitando prejudicar o orçamento anual do estado. A tributação sobre o estoque de riqueza tem como uma de suas finalidades a redução das desigualdades de renda, visando tributar mais aqueles contribuintes que apresentam maior capacidade contributiva e, consequentemente, favorecendo a instituição de um sistema tributário mais justo.


1 OECD – Organisation for Economic Co-operation and Development. Revenue Statistics 1965-2018. Paris, 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.1787/0bbc27da-en>. Acesso em 03 mar. 2020.

2 OECD – Organisation for Economic Co-operation and Development. The role and design of net wealth taxes in the OECD. OECD Tax Policy Studies nº 26. Paris, 2018. Disponível em: <https://dx.doi.org/10.1787/9789264290303-en>. Acesso em 03 mar. 2020.

3 UNAFISCO NACIONAL. Nota Técnica 16/2020: Aspectos da Falta de Atualização da Tabela do Imposto de Renda Pessoa Física: Tabelas Aplicáveis, Quantidade de Isentos e Estimativa do Impacto na Arrecadação. São Paulo, fev. 2020, p. 24. Disponível em: <http://www.unafisconacional.org.br/UserFiles/2020/File/Nota_Tecnica_16_Defasagem_Tabela_IR.pdf>. Acesso em 03 mar. 2020.

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