Opinião

Fake news, coronavírus e o atual cenário brasileiro

Autor

  • Wévertton Gabriel Gomes Flumignan

    é mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) membro de grupos de pesquisa da USP-FDRP professor advogado e sócio do escritório Advocacia Flumignan.

28 de março de 2020, 6h31

As fake news (ou notícias falsas, em português) têm sido utilizadas das mais variadas formas na nossa sociedade. Quando aliadas à internet e a sua fácil difusão, acabam atingindo outro patamar no que concerne aos danos gerados às vítimas. Tal fato fica facilmente evidenciado quando analisamos as fake news no âmbito de questões que envolvam saúde pública, tais como movimentos antivacinas e, mais atualmente, questões atinentes ao coronavírus, o que pode gerar danos irreparáveis para a sociedade como um todo.

No cerne da saúde pública, as fake news ganham papel de destaque, demonstrando que o sistema adotado pelo Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14) é insuficiente e, de certa forma, ineficaz, razão pela qual o legislador deve buscar editar uma lei com a finalidade de coibir de fato tal ato ilícito.

O próprio Ministério da Saúde do Brasil tem se preocupado com o tema “fake news e saúde pública”, tendo criado um portal para esclarecer o que é notícia falsa e o que é notícia verdadeira.

A título de exemplo, cita-se o movimento antivacina, que tem gerado sérios problemas sociais. Tal movimento dissemina ideias totalmente equivocadas e instrui a população a ter atitudes danosas tanto para a sua vida como para de terceiros[1].

A Organização Mundial de Saúde, inclusive, considera o movimento antivacina como uma ameaça à saúde mundial. O argumento deste movimento beira o absurdo, mas ganha adeptos mundo afora. Basicamente, este movimento prega que as vacinas não são seguras e nem eficazes, isso sem contar as “teorias da conspiração” que consideram as vacinas como um método de controle populacional utilizado pelos governos[2].

Outro exemplo notável e mais atual tem ocorrido com a pandemia de coronavírus, que tem assolado a população mundial. Ondas de fake news envolvendo o tema têm surgido, tais como que supostamente havia surgido a cura contra o coronavírus, que determinados produtos o previnem entre diversas outras informações[3]. O próprio Ministério da Saúde, preocupado com isso, criou um canal específico de fake news sobre coronavírus para alertar a população[4].

O poder de persuasão e dos danos envolvendo as fake news é incalculável. Evidentemente, caso haja demora em retirar o conteúdo falso envolvendo saúde pública da internet poderá haver severas consequências, colocando em risco a vida e a integridade física de toda a sociedade. Neste sentido, não se pode esperar o trâmite de uma ação judicial que, em sua maioria, é morosa e insuficiente para atingir o objetivo pleiteado de retirar imediatamente a notícia falsa da internet.

O fator tempo assume nítida importância neste tipo de ilícito, pois, quanto maior o tempo para retirar uma notícia falsa da internet, maiores serão as consequências para a sociedade. Neste cenário, seria mais razoável que, em eventual nova legislação a respeito das fake news, fosse utilizado o sistema anterior ao Marco Civil da Internet, ou seja, o notice and take down, pois não é razoável esperar uma determinação judicial para retirada de toda e qualquer fake news, principalmente com questões que envolvem saúde pública.

O sistema do notice and take down foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça antes da promulgação do Marco Civil da Internet em 2014. Neste sistema haveria a necessidade de notificação extrajudicial para retirada de qualquer conteúdo ilícito (notice and take down), a qual deveria ser atendida no prazo de 24 horas, sob pena de o provedor de conteúdo responder solidariamente com o autor do ilícito pelo dano causado[5]. Para a ministra Nancy Andrighi, o provedor de conteúdo não estaria obrigado a analisar o teor da denúncia recebida no referido prazo, devendo apenas promover a suspensão preventiva das páginas, checando a veracidade das alegações em momento futuro oportuno[6].

A responsabilização dos provedores de internet, com o advento do Marco Civil da Internet, passou a ser norteada por novas regras. No caput do artigo 19 está elencado que o provedor de aplicações de internet somente seria responsabilizado civilmente por danos advindos de conteúdo gerado por terceiros após descumprir ordem judicial específica determinando sua retirada (judicial notice and take down)[7]. Tal comando contraria o anterior posicionamento de que esta notificação poderia ser extrajudicial. Este mecanismo de litigiosidade é duramente criticado por parte da doutrina, dentre eles Anderson Schreiber[8] e Cíntia Rosa Pereira de Lima[9], que chegam a defender a sua inconstitucionalidade por violar direitos consolidados dos usuários[10].

O Marco Civil da Internet de fato representa um avanço no trato jurídico das relações decorrentes do uso da internet. No entanto, a lei se mostra conflitante e insuficiente em alguns pontos com entendimentos e leis que beneficiavam os usuários, principalmente quando o assunto é fake news e saúde pública.

Por este ângulo, seria importante que o Brasil fosse ao encontro de outros países que têm buscado editar leis com a finalidade de combater as fake news. Na atualidade, os melhores exemplos são a Alemanha e a França.

Em junho de 2017, a Alemanha adotou uma lei contra a publicação nas mídias sociais de conteúdo com discursos de ódio, pornografia infantil, itens relacionados com terrorismo e informações falsas, com multas elevadas para as redes sociais caso falhe na remoção do conteúdo ilegal. No mesmo sentido, a França, em novembro de 2018, aprovou uma lei cujo objetivo principal é permitir que juízes possam determinar a remoção imediata de notícias falsas (fake news), visando principalmente o período eleitoral.

No Brasil, ainda não há um projeto de lei realmente efetivo contra as fake news. Faz-se necessário que o Brasil siga os bons exemplos vindos do exterior e edite um projeto de lei com multas significativas às redes sociais por falhas na remoção de notícias falsas e determinando outros meios de coerção com a finalidade de combatê-las, visto que o Marco Civil da Internet é insuficiente para tal. Eventual lei deve ser no sentido de coibir qualquer tipo de fake news, uma vez que esta tem um poder enorme de persuasão e de ocasionar danos.

Os próprios provedores, a exemplo do Facebook e Instagram, têm intensificado o combate contra a disseminação de notícias falsas em suas plataformas, inclusive direcionando equipes para identificar posts com fake news sobre o coronavírus[11]. Tal fato demonstra, novamente, que a notificação judicial nestes casos é extremamente gravosa para a população.

A remoção de notícias falsas envolvendo saúde pública não pode decorrer somente de uma determinação judicial como prega o Marco Civil da Internet, visto que a demora em sua retirada pode ocasionar danos sociais enormes. Não há razões para que não seja retirada fake news envolvendo saúde pública pelo provedor de internet após notificação extrajudicial dos usuários, do próprio Ministério da Saúde ou até mesmo das Secretarias da Saúde, visto que o fator tempo é extremamente importante neste tipo de ilícito.

[1] THAIS, Carvalho Diniz. Movimento antivacinas: como surgiu e quais consequências ele pode trazer?. In: UOL. Disponível em: <https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2017/12/05/o-que-o-movimento-antivacina-pode-causar.htm>. Acesso em: 05/03/2020.

[2] REDAÇÃO. OMS considera movimento antivacina uma ameaça à saúde mundial. In: Veja. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/saude/oms-considera-movimento-anti-vacina-uma-ameaca-a-saude-mundial/>. Acesso em: 14/03/2020.

[3] No Irã, inclusive, 27 pessoas morreram intoxicadas após beber álcool adulterado, acreditando em uma fake news de que as bebidas alcoólicas ajudariam a curar o novo coronavírus. Disponível em: <https://extra.globo.com/noticias/saude-e-ciencia/coronavirus-27-pessoas-morrem-apos-beberem-alcool-adulterado-por-acreditarem-em-fake-news-24294387.html>. Acesso em: 14/03/2020.

[4] MINISTÉRIO DA SAÚDE. Disponível em: <https://www.saude.gov.br/fakenews/coronavirus>. Acesso em: 14/03/2020.

[5] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 1.337.990. Relator: ministro Paulo de Tarso Sanseverino. 3ª Turma. Julgado em 21 de agosto de 2014.

[6] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 1.323.754. Relatora: ministra Nancy Andrighi. 3ª Turma. Julgado em 19 de junho de 2012.

[7] Art. 19 do Marco Civil da Internet. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. (…)

[8] SCHREIBER, Anderson. Marco Civil da Internet: avanço ou retrocesso? A responsabilidade civil por dano derivado do conteúdo gerado por terceiro. In: Direito & Internet III – Tomo II: Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Adalberto; LIMA, Cíntia Rosa Pereira de (coords.). São Paulo: Quartier Latin, 2015. pp. 293-294.

[9] LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. A responsabilidade civil dos provedores de aplicação de internet por conteúdo gerado por terceiro antes e depois do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/14). Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 110, p. 173 jan./dez. 2015.

[10] Para aprofundar, recomenda-se a leitura: FLUMIGNAN, Wévertton Gabriel Gomes. Responsabilidade civil dos provedores no Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/14). Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2018.

[11] LOUREIRO, Rodrigo. Facebook vai notificar usuários sobre fake news envolvendo o coronavírus. In: Exame. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/tecnologia/facebook-vai-notificar-usuarios-sobre-fake-news-envolvendo-o-coronavirus/>. Acesso em 15/03/2020.

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