Em plena pandemia

Sucessão de erros em SP mantém na prisão tuberculoso que deveria estar solto

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28 de março de 2020, 12h43

Um prisioneiro tuberculoso — que contraiu a doença no próprio cárcere — já poderia estar em liberdade, mas uma sucessão de erros no Judiciário ainda o mantém no Centro de Progressão II de Bauru.

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Sucessão de eventos mantém na prisão tuberculoso que deveria estar solto
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Segundo a defesa, empreendida pelo advogado Lucas Bortolozzo Clemente, do escritório Andrade, Pichini, Riechelmann, Bortolozzo & Rodrigues, seu cliente foi condenado a três anos e oito meses de reclusão, pelos crimes de tráfico de drogas e corrupção ativa, com pena a ser inicialmente cumprida no regime semiaberto. Assim, o apenado fica no interior da unidade prisional durante todo o dia e à noite é recolhido à cela.

Ocorre que o sentenciado alcançou neste mês (em 16/3) o marco temporal que lhe confere direito à progressão ao regime aberto, pois completou 1/6 do cumprimento da sua pena.

Em 10/3, a defesa apresentou petição no processo de execução penal para requerer, dentre outras coisas, a expedição de ofício à autoridade penitenciária, para que esta enviasse o "boletim informativo" em um tempo compatível com a progressão de regime.

Isso porque os advogados já haviam recebido a notícia de que a expedição do "boletim informativo" levaria ao menos 30 dias, podendo chegar a 50.

O "boletim informativo" é um documento expedido pela autoridade prisional e informa se o custodiado possui, ou não, todas as condições para a progressão do regime. Um dos pontos mais importantes desse documento é o informativo sobre presença ou ausência de faltas graves durante o cumprimento da pena.

Primeiro evento
Mas, na decisão que apreciou o pedido, o juiz responsável pelo processo, Dr. Josias Martins de Almeida Junior, deixou de analisar o pleito da defesa (envio do "boletim informativo") , manifestando-se somente sobre outra matéria.

Segundo evento
A pandemia da Covid-19 tornou a situação ainda mais crítica, pois o detento se enquadra no grupo de risco para contração da doença, já que ele é tuberculoso, conforme já afirmado.

Por isso, a defesa requereu, em 19/3, baseando-se na Recomendação 62/2020 do CNJ, a progressão do apenado ao regime aberto com a excepcional dispensa do seu "boletim informativo", a concessão da prisão domiciliar até ulterior expedição do aludido documento ou, subsidiariamente, a expedição de ofício à autoridade penitenciária para que agilize a elaboração do documento.

Mais uma vez, contudo, o juiz deixou de analisar os principais pleitos expressamente requeridos, apreciando apenas o pedido subsidiário (sobre a expedição do "boletim informativo").

Terceiro evento
Como nem todos os pedidos foram apreciados, restou à defesa a propositura de embargos de declaração, o que foi feito. Além disso, os advogados também impetraram Habeas Corpus contra a decisão.

Os embargos foram acolhidos pelo juiz nesta sexta-feira (27/3), mas os pedidos para que o detento deixasse o sistema prisional foram indeferidos. O que, em tese, não é tecnicamente um problema, não fosse um detalhe da decisão.

É que, segundo a defesa, a fundamentação da decisão sobre os embargos é "cópia literal" de uma decisão proferida anteriormente por aquele magistrado na execução penal nº 0012464-51.2018.8.26.0026, que nada se relaciona com o feito.

À ConJur, a defesa cita ao menos quatro "pontos conflitantes" com a realidade do caso concreto:

1. Embora o Juízo tenha afirmado que o pedido se encontra prejudicado por estar lastreado na decisão monocrática proferida pelo Min. Marco Aurélio na ADPF nº 347, tal informação é inverídica, porquanto o pleito defensivo ampara-se integralmente na Resolução nº 62/2020, do CNJ; 

2. O mesmo ocorre quando o magistrado afirma que não pode analisar o pedido de prisão domiciliar à luz do artigo 117, da LEP, por ausência de elementos, quando, na verdade, sequer há menção ao dispositivo na argumentação defensiva;

3. O magistrado afirma que o requerimento defensivo é genérico, quando, em verdade, diversas provas foram juntadas atestando que o apenado está inserido no grupo de risco da Covid-19;

4. Há grosseiro erro material contido no dispositivo da decisão, da qual consta o nome de outra pessoas, e não o de nosso cliente.

Segundo o advogado Lucas Bortolozzo Clemente, "a rotina de arbitrariedades ainda permanece intacta no Judiciário".

"Causa perplexidade como o caso está sendo conduzido pelas autoridades. Um sentenciado inserido no grupo de risco da Covid-19 e que já cumpriu o lapso temporal necessário à sua progressão tem o seu direito ilegalmente tolhido por um provimento jurisdicional genérico e reciclado de processo independente. O quadro delineado somente reforça o desprezo da política criminal aplicada à população carcerária; é o retrato do programa punitivo estatal", afirma.

HC
A defesa ainda informa que o HC foi impetrado nesta quarta-feira (25/3), mas sequer foi distribuído até o momento, diante da alegada excessiva demanda pelo TJ-SP. 

0008911-59.2019.8.26.0026

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