Contrariando CNJ

Juiz nega domiciliar a réu do grupo de risco e chama advogados de "oportunistas"

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27 de março de 2020, 21h49

Ante pedido de reconsideração de prisão preventiva motivado pelo fato de o preso pertencer ao grupo de risco para contaminação por coronavírus, um juiz de Minas Gerais acusou os defensores de agirem com "oportunismo exacerbado", pois estariam a todo custo buscando "promover a liberdade de detentos em absoluta contradição ao comando científico".

Gláucio Dettmar/Ag.CNJ
Magistrado de Minas Gerais ainda sugeriu que advogado é "oportunista"

O trecho consta de decisão do juiz Gustavo Moreira, da 1ª Vara Criminal e de Execuções Penais de Frutal (MG), que negou que um cardiopata tenha sua prisão preventiva convertida em domiciliar. A decisão é desta quarta-feira (25/3). O réu responde pelo crime de associação para o tráfico, previsto no artigo 35 da Lei 11. 343/06. A pena é de três a dez anos de reclusão e multa.

O pedido da defesa se baseou na Portaria Conjunta 19/20, assinada pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e pelo presidente do TJ-MG, desembargador Nelson Missias.

Segundo a portaria, "aos indivíduos privados de liberdade que se enquadram no perfil do grupo de risco, assim definidos pelo Ministério da Saúde, a exemplo os diabéticos, cardiopatas, maiores de sessenta anos, pós operado, portadores de HIV, tuberculose, insuficiência renal, recomenda-se a reavaliação da prisão para eventual medida alternativa à prisão". 

A defesa lembrou ainda a Recomendação 62, do Conselho Nacional de Justiça, que solicita que tribunais e magistrados adotem medidas preventivas para conter o avanço da Covid-19.

A decisão, no entanto, subverte recomendação da OMS, pois, nas palavras do magistrado, esta "recomenda que todos, reitero, todos estejam sob condição de restrição de liberdade, como forma de se evitar a propagação do vírus". Inclusive os presos que integram grupo de risco, na argumentação do juiz, devem permanecer presos.

O magistrado argumenta, ainda, que como a domiciliar seria temporária, o detento poderia sair, contrair a doença, e passar aos demais presos quando voltasse à penitenciária. Como não há casos registrados de coronavírus em Frutal, diz, a decisão tem como objetivo zelar pela segurança dos demais detentos. 

Outros casos
Além desse caso concreto, o magistrado usou exatamente a mesma argumentação para negar penas alternativas em outras duas ações. Nelas, os réus respondiam a crimes mais graves: estupro de vulnerável e tentativa de homicídio. 

As três decisões foram proferidas respectivamente nos dias 23, 24 e 25 de março. Em todas, além de subverter a recomendação da OMS, o magistrado sugeriu que os advogados estavam sendo oportunistas, valendo-se de excertos idênticos:

"Repercute-se ao oportunismo exacerbado aqueles que, contrariando a recomendação de saúde buscam, a todo custo, promover a liberdade de detentos em absoluta contradição ao comando científico", diz. 

As defesas foram feitas pelos advogados Ricardo Alexandre Moura Abrão, Renato de Oliveira Furtado e Ricardo Gomes Silva. O último assistiu ao acusado de associação para o tráfico.

À ConJur, Renato, que defende o réu acusado de tentativa de homicídio, afirmou lamentar "demais a decisão, que se mostrou até teratológica, pois vai contra a recomendação do CNJ e a portaria do próprio Tribunal de Justiça de Minas Gerais".

Sobre o suposto oportunismo, disse que "depois de 32 anos de profissão é muito triste ver a advocacia ser tratada sob o signo da humilhação, ainda mais levando em consideração o momento que enfrentamos". 

Recomendação pelo mundo
A recomendação do CNJ, que busca diminuir a disseminação do coronavírus nas prisões, está sendo difundida pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Além disso, os órgãos de saúde no mundo todo estão se posicionando cada vez mais favoravelmente ao desencarceramento de pessoas que fazem parte do grupo de risco.

O próprio escritório europeu da Organização Mundial da Saúde recomendou a diminuição dos ingressos no sistema prisional e afirmou que os presos são as pessoas mais vulneráveis ao coronavírus.

A ConJur já noticiou outra decisão, sobre outro assunto, em que um advogado também foi chamado de oportunista.

0110679-37.2016.8.13.0271
0271.19.001952-8
0271.19.004605-9

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