Opinião

CNJ tem competência para suspender prazos processuais?

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  • Maria Angélica Feijó

    é advogada sócia da Área Tributária do Silveiro Advogados doutoranda pela UFPR e Mestre pela UFRGS pesquisadora visitante nas Universidades de Heidelberg e Gênova membro do Projeto Processualistas do IBDP e do WLM-BR além da Comissão Especial de Direito Tributário e de Arbitragem da OAB/RS e professora universitária.

23 de março de 2020, 17h30

Durante a última semana, o Poder Judiciário protagonizou a mesma novela encenada pelo Poder Executivo diante da pandemia causada pela Covid-19 no Brasil: em cada estado da federação havia uma regra diferente sobre o funcionamento de instituições e estabelecimento para enfrentar a crise.

No âmbito do Poder Judiciário, cada tribunal editou uma resolução dentro da sua competência dispondo do período de suspensão de prazos e do funcionamento do expediente forense, em razão da necessidade de isolamento para contenção da pandemia no país. Entre segunda e terça-feira (16 e 17/3), advogados e procuradores tinham que consultar cada um dos tribunais em que atuavam para verificar se naquele havia (i) suspensão de prazos, e por qual período; e como estava (ii) o funcionamento do expediente, se suspenso ou com horário reduzido. Na quarta-feira (18/3), alguns tribunais haviam suspendido os prazos, assim como o expediente forense; já em outros, os prazos e o expediente funcionavam normalmente – a exemplo, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região continuava a pleno vapor, inclusive com sessões presenciais.

Conforme os dias passavam, a OAB seguia agindo para que todos os tribunais suspendessem os prazos processuais, assim como o expediente forense. A existência de diversas resoluções e provimentos, às vezes mais de um editado pelo mesmo tribunal, contribuía para um ambiente de confusão e de instabilidade para atuação de advogados e procuradores.

Na quinta-feira (19/9), advogados, procuradores e o próprio Judiciário puderam respirar aliviados quando o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 313, determinando a suspensão dos prazos processuais, além de estabelecer o regime de plantão extraordinário de todo o Poder Judiciário (a exceção do Supremo Tribunal Federal e da Justiça Eleitoral). Acreditávamos que estávamos seguros com a medida tomada pelo CNJ – que era a mais sensata e necessária naquele momento.

Contudo, durante a sexta-feira (20/3), se instaurou clima de insegurança entre advogados e procuradores, que começaram a se questionar se poderiam confiar na Resolução 313 do CNJ. O motivo de tal desconfiança surgiu a partir da interpretação do enunciado normativo do artigo 103-B, parágrafo 4º, da Constituição Federal: “§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura(…)”. O sentido construído a partir deste texto é o de que a Constituição Federal outorgou competência para o CNJ regular administrativamente os tribunais, e não criar normas processuais complementares e suplementares, tal como é autorizado aos tribunais por meio dos seus regimentos internos. Aliás, hoje não há mais dúvidas de que os tribunais colaboram para a criação de normas processuais de caráter complementar e suplementar, ao lado da legislação federal (é o que os processualistas ensinam, a exemplo de Fredie Didier Jr., Antônio do Passo Cabral e Paulo Mendes, com fundamento no artigo 96, I, “a”, da Constituição Federal).

A questão que se coloca aqui é a seguinte: o CNJ extrapolou a competência desenhada no artigo 103-B, parágrafo 4º, da Constituição Federal, ao determinar a suspensão dos prazos processuais por meio da Resolução 313? Certamente a primeira resposta que nos vem à cabeça é positiva. Se a Constituição Federal traz o vocábulo “controle da atuação administrativa”, o CNJ só poderia atuar em questões organizacionais do Judiciário, tais como aquelas previstas nos incisos do próprio parágrafo 4º do artigo 103-B. Já, se seguirmos a interpretação do referido dispositivo em uma perspectiva não formalista, a expressão “atuação administrativa” pode nos levar a uma segunda resposta, que é oposta a primeira: não, o CNJ não extrapolou a sua competência.

O ponto de partida para chegarmos nesta conclusão é a seguinte: uma norma que regula a atuação administrativa dos tribunais pode gerar efeitos na esfera processual, e, portanto, se comportar como uma verdadeira “norma processual”. Isso sempre irá acontecer com normas que regulam o funcionamento do expediente forense. Isso porque, nos dias em que não houver expediente, por força das regras dos artigos 214 e 216 do CPC, não haverá contagem de prazo processual. O que a Resolução 313 do CNJ fez foi criar o regime de plantão extraordinário, em que os servidores deverão cumprir suas atividades, prioritariamente, de maneira remota, suspendendo o atendimento presencial de partes e advogados. Logo, se não há expediente forense regular, há a incidência do artigo 216 do CPC.

Assim, todas as vezes que o CNJ editou resoluções sobre o funcionamento dos tribunais em período natalino (a exemplo da Resolução 244/2016 e as que lhe precederam), o CNJ editou normas de caráter administrativo que – reflexamente – também possuem caráter processual. Dito em outras palavras, quando o CNJ editou a Resolução 313, ele o fez para uniformizar a atuação administrativa dos tribunais, instaurando o regime de plantão extraordinário em todo o país neste período de calamidade pública. Para não gerar mais dúvidas aos advogados e procuradores, a resolução também esclareceu que os prazos processuais estavam suspensos – o que nada mais é do que uma simples decorrência do regime de plantão extraordinário previsto naquela resolução.

É por esta razão que o CNJ – ainda que não possua competência para editar normas processuais, como a suspensão de prazos – possui competência para uniformizar a atuação administrativa dos tribunais. Se os prazos não podem ser contados quando não há expediente forense, então o artigo 5º da Resolução 313 não é inconstitucional, pois ele só esclarece que, durante o regime de plantão extraordinário ali estabelecido (que não pode ser considerado como expediente forense), não podem ser contatos os prazos processuais, isso tudo em respeito ao que está regulamentado no Direito Processual Civil.

A contrario sensu, se o CNJ criasse resolução tendo como único dispositivo a suspensão de prazos processuais, sem que isso decorra de uma regulamentação de algum aspecto da atuação administrativa dos tribunais, daí sim – nesta hipótese – estaríamos diante de um ato expedido pelo conselho que extrapolaria a sua competência.

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