Combate ao coronavírus

STF derruba conclamação para que juízes analisem condicional de presos

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18 de março de 2020, 19h23

Por terem o Conselho Nacional de Justiça, o Ministério da Justiça e o Ministério da Saúde legitimamente agido na proteção às populações carcerárias, o Plenário do Supremo Tribunal Federal negou referendo à conclamação feita pelo ministro Marco Aurélio na noite desta terça (17/3). 

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Cuidados com população carcerária foram definidos por CNJ e ministério da Justiça
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Ao analisar pedido de liminar em ação de descumprimento de preceito fundamental que tramita na corte, o ministro Marco Aurélio havia determinado aos juízos analisarem a possibilidade de concessão condicional a presos que estivessem em oito diferentes situações que configurariam maior vulnerabilidade em meio à pandemia de Covid-19. 

Dentre elas estavam presos com mais de 60 anos, soropositivos para HIV, diabéticos, portadores de tuberculose, câncer, doenças respiratórias, cardíacas, imunodepressoras ou outras suscetíveis de agravamento a partir do contágio pelo Covid-19, gestantes, lactantes e presos por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça.

No Plenário da corte, prevaleceu o voto divergente do ministro Alexandre de Moraes. Segundo ele, referendar a decisão do ministro Marco Aurélio significaria a determinação de uma megaoperação dos juízes de execução, numa espécie de mutirão carcerário. Citou, ainda, a Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, de cunho administrativo, que trata da diminuição do fluxo de ingresso no sistema prisional. 

Ao aderir à divergência, o ministro Luiz Edson Fachin destacou também outro regramento recente: a Portaria Interministérial 7, dos ministérios da Justiça e da Saúde, que entrou em vigor nesta quarta ainda prevendo uma série de medidas de enfrentamento da emergência do coronavírus no âmbito prisional. Para Fachin, limitar essas ações ao sugerido por Marco Aurélio significaria fixar critérios de priorização dos critérios legais. "O Judiciário não tem atribuição de induzir uma forma atípica de indulto", alegou.

Da mesma forma, a ministra Carmen Lúcia destacou que o tema da proteção da população prisional em meio à pandemia não parece carente de tratamento. "Vivemos uma situação em que a menor judicialização possível fará melhor para o sistema do que a intervenção", concordou o ministro Barroso.

Voto vencido
Relator do caso, o ministro Marco Aurélio abriu o julgamento negando qualquer determinação de soltura de presos. Explicou que "assentou o óbvio" em meio ao estado de coisas inconstitucional reconhecido pelo Supremo no julgamento da própria ADPF: o juiz de execução deve examinar constantemente a situação dos custodiados, caso a caso. Isso inclui o momento de uma pandemia. Negou, também, que tenha determinado mutirão.

O único a acompanhar o relator foi o ministro Gilmar Mendes, para quem o que foi decidido e posto a referendo pelo Plenário sequer é liminar, mas apenas recomendação. “Olhem a incongruência que surge: o CNJ pode fazer recomendação, mas o Supremo, não”, criticou Marco Aurélio.

Gilmar seguiu o relator ao entender que a recomendação se enquadra no pedido feito na própria ADPF e poderia ser feita. Ao discutir quais seriam os critérios a ser analisados pelo juiz, afirmou que a princípio sugeriria justamente o que foi recomendado pelo CNJ na Recomendação 62. O resultado não seria diferente, portanto.

Amicus curiae e abrangência da ação
A recomendação feita pelo ministro Marco Aurélio colocada a referendo no Plenário partiu de um pedido em sede de liminar feito pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), que figura como amicus curiae na ADPF 347. 

A ADPF 347 foi proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) sob o entendimento de que a situação do sistema carcerário configura violação contínua de seus direitos fundamentais e humanos. Em 2015, por meio dela, o Supremo reconheceu o estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário.

Na terça, o relator não conheceu do pedido por conta de ilegitimidade do IDDD. Mas se utilizou do que foi proposto para fazer a recomendação. A ação do vice-decano do STF foi interpretada por outros ministros como uma determinação de ofício para seguir o que o amicus curiae havia pedido. Pedido este que sequer teria relação com o objeto da ADPF. 

De fato, o Plenário foi unânime ao decidir pelo não conhecimento do pedido em liminar por conta da ilegitimidade do IDDD. Nas palavras do relator, “terceiro interessado não é parte”. A questão sobre a abrangência do pedido em referência ao objeto da ADPF, no entanto, não convenceu a todos. 

Para o ministro Gilmar Mendes, a questão colocada está abrangida pela ADFP. Ressaltou que, mantida a liminar, poder-se-ia fazer adaptações para mais ou para menos no decorrer do processo. “Estamos em sede de jurisdição constitucional”, disse.

“A situação aqui é muito anômala. É uma situação em que o IDDD, que não é parte, aproveita-se de momento grave e formula pedido como amicus curiae completamente fora do objeto da ação”, pontuou o ministro Luiz Fux. 

Gilmar divergiu: “o objeto da ADPF é extremamente amplo. Falava em redução de presos, superlotação, más condições e elencava-se uma série de pedidos, tanto no mérito quanto na cautelar”. E ainda que não fosse, o ministro entende que o relator poderia dar medida diversa em sede de cautelar, como admite a teoria das cautelares no Processo Civil.

O ministro citou, como exemplo, o julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada 175, primeiro grande julgado envolvendo o tema do direito à saúde no STF. Contou com audiência pública para debater a crescente judicialização da área e ampliou “tanto quanto os olhos podiam alcançar naquele momento” o tema em discussão, segundo Gilmar.

“A partir daí assumimos que o caso é só um pretexto. Estamos discutindo a questão em uma feição mais abrangente. A repercussão geral legitima isso. É preciso ver com esses olhos. Devemos, daqui a pouco rever a questão sobre o que significa a articipação do amicus curiae. Que traz novos fundamentos, não há dúvida. Que ele possa explicitar pedidos implícitos, ninguém discute”, disse.

ADPF 347

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