Direto do Carf

Efeitos tributários de juros sobre o capital próprio desproporcionais

Autor

  • Alexandre Evaristo Pinto

    é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

18 de março de 2020, 8h00

Spacca
Nesta coluna, analisaremos os efeitos tributários decorrentes da distribuição desproporcional de juros sobre o capital próprio (JCP).

Os juros sobre o capital próprio foram instituídos no ordenamento jurídico brasileiro por meio do artigo 9º da Lei n. 9.249/95[2].

Segundo o referido dispositivo legal, a pessoa jurídica pode deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo — TJLP.

Assim, trata-se de uma forma de remuneração dos sócios que constitui uma dedução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Embora dedutível (desde que respeitados os limites legais), o pagamento ou crédito de JCP está sujeito à tributação na fonte à alíquota de 15%.

O caráter inovador do JCP não passou incólume da doutrina pátria, de forma que seus pontos positivos foram ressaltados por autores como Eliseu Martins[3], Paulo Ayres Barreto[4], Ives Gandra da Silva Martins e Fátima Fernandes Rodrigues de Souza[5], que o enxergavam como um mecanismo que mitigava os efeitos da extinção da correção monetária das demonstrações financeiras, ao mesmo tempo em que reduzia a assimetria tributária entre o custo do capital próprio e de capital de terceiros.

Luís Eduardo Schoueri[6] aponta que o JCP poderia ser um estímulo positivo ao autofinanciamento, tendo efeitos semelhantes a uma norma de subcapitalização, que poderia ser um desincentivo ao financiamento por dívida.

A discussão sobre a distribuição desproporcional de JCP surge com a constatação de que se trata de uma forma de remuneração dos sócios.

Vale lembrar que os sócios recebem os lucros de uma sociedade na proporção de suas quotas conforme o artigo 1007 do Código Civil[7]. Entretanto, o referido dispositivo menciona a expressão “salvo estipulação em contrário”, o que demonstra que os sócios são livres para estabelecer a possibilidade de distribuição diferente da proporção de suas respectivas quotas, desde que não haja exclusão de qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas.

Tal regra acaba por permitir a distribuição desproporcional dos lucros, no entanto, inexiste disposição em sentido semelhante para o JCP. Diante de tal cenário, há precedentes do Carf estabelecendo os efeitos tributários para tal situação.

No que tange ao Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), no Acórdão 2201-01.759 (15/05/12), houve decisão, por maioria de votos, no sentido de que a pessoa jurídica que recolheu o IRRF de 15% sobre o JCP distribuído desproporcionalmente deveria recolher um complemento considerando que o IRRF deveria ter sido recolhido pela tabela progressiva, cuja alíquota máxima é 27,5%.

No caso em tela, houve distribuição de 57% do total do JCP para um sócio que detinha apenas 1% do capital social da pessoa jurídica, de modo que entendeu-se que diante da inexistência de previsão para distribuição proporcional de JCP, aquele montante distribuído não tinha a referida natureza, estando sujeito à regra geral de pagamentos de pessoa jurídica para pessoa física, isto é, aplicação da tabela progressiva.

Com relação à tributação do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), houve decisão, por unanimidade, nos Acórdãos 2401-006.067 e 2401-006.068 (ambos de 13/03/19) no sentido de que diante da falta de previsão legal para a distribuição desproporcional, haverá tributação pelo IRPF do montante do JCP que extrapole a sua participação societária, dado que não foi obedecida a proporção existente no capital social.

No tocante à incidência de contribuição previdenciária sobre o JCP distribuído de forma desproporcional, há um número maior de precedentes que serão analisados abaixo.

No Acórdão 2401-02.151 (01/12/11), houve decisão unânime no sentido que JCP distribuído de forma desproporcional não tem natureza de JCP, de forma que se o pagamento se deu para pessoa física que tenha relação de trabalho, há possibilidade de incidência de contribuição previdenciária.

Neste caso, o beneficiário do JCP desproporcional tinha atuação na administração da empresa e a desproporcionalidade do pagamento era significativa, de modo que os sócios com menos de 0,01% receberam mais 99,97% dos juros sobre o capital próprio.

Na mesma linha, no Acórdão 2402-004.215 (12/08/14), houve decisão, por maioria de votos, no sentido de inexistência de possibilidade de pagamento de JCP de forma desproporcional, de modo que a parcela paga aos sócios administradores que exceder a proporção no capital social estará sujeita à contribuição previdenciária.

Nos Acórdãos  2202-003.610 (18/01/17) e 2202-004.588 (04/07/18), entendeu-se, por maioria de votos, que o JCP não possui a natureza de dividendos tal qual decidido no Recurso Especial nº 1.200.492-RS, de forma que sobre o JCP pago aos sócios administradores em desproporção com às respectivas participações no contrato social incide contribuição previdenciária.

Ainda que a decisão tenha sido sobre a cobrança de contribuição previdenciária sobre o JCP pago em excesso à participação no capital, houve declaração de voto de conselheiro julgador defendendo a incidência sobre o montante total do JCP distribuído ao sócio administrador.

Por fim, no Acórdão 2401-005.592 (04/07/18), foi dado provimento, por maioria, ao Recurso Voluntário do contribuinte.

Embora a turma tenha entendido também que o JCP não possui a natureza de dividendo (mas sim de despesa financeira) e não há previsão e nem justificativa para sua distribuição de maneira desproporcional, ela entendeu pela não incidência da contribuição previdenciária, visto que o beneficiário não era administrador da pessoa jurídica, sendo mero sócio, de modo que não há presunção de pró-labore.

Diante do exposto, nota-se que os precedentes do CARF têm sido no sentido de não reconhecer a possibilidade de pagamento de JCP de forma desproporcional à participação dos sócios no capital, sendo que seu eventual pagamento pode gerar as seguintes consequências: (i) cobrança de IRRF na sociedade que distribuiu o JCP com base na diferença entre o IRRF à 15% e o IRRF segundo a tabela progressiva, isto é, se o beneficiário for pessoa física; (ii) cobrança de IRPF no sócio pessoa física que recebeu o JCP de forma desproporcional sobre a diferença entre o montante recebido e aquele que ele teria recebido se fosse seguida a proporção constante no contrato social; e (iii) cobrança de contribuição previdenciária sobre o JCP pago em excesso à proporção de participação do sócio no capital social, desde que tal sócio tenha trabalhado na pessoa jurídica, dado que a contribuição previdenciária incide nos pagamentos de remuneração retributivos do trabalho.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 


 [2]Lei n. 9.249/95: “Art. 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP”.

[3] MARTINS, Eliseu. Um pouco da história dos Juros sobre o capital próprio. Temática contábil e balanços – IOB, Bol. 49/2004.

[4] BARRETO, Paulo Ayres. Juros sobre o Capital Próprio: Não Incidência de PIS e COFINS. In: Revista de Direito Tributário. Vol. 100. São Paulo: Malheiros, s.d, p.  130-139.

[5] MARTINS, Ives Gandra da Silva; SOUZA, Fátima Fernandes Rodrigues de. A Figura dos Juros sobre o Capital Próprio e as Contribuições Sociais do PIS e da Cofins. Revista Dialética de Direito Tributário n. 169. São Paulo: Dialética, 2009, p. 73-74.

[6] SCHOUERI, Luís Eduardo. Juros sobre Capital Próprio: Natureza Jurídica e Forma de Apuração diante da “Nova Contabilidade”. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel Lopes. Controvérsias Jurídico-Contábeis: Aproximações e Distanciamentos. 3º Volume. São Paulo: Dialética, 2012, p. 169-193.

[7] Código Civil: “Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.”.

Autores

  • é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Comercial pela USP e bacharel em Direito pelo Mackenzie e em Contabilidade pela USP. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e coordenador do MBA IFRS da Fipecafi.

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