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Audiência pública no STJ debate reajuste por faixa etária nos planos coletivos

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17 de março de 2020, 11h26

No dia 10 de fevereiro, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça realizou audiência pública para ouvir opiniões da sociedade acerca da validade do reajuste por faixa etária em planos de saúde coletivos.

Tendo como expositores representantes do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União (DPU), da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), da Agência Nacional de Saúde Suplementar (Anvisa), do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), dentre outras entidades, a audiência teve por fim prover subsídios para o julgamento do Tema 1.016 de recursos repetitivos acerca da matéria[1].

Na audiência, alguns participantes teceram críticas aos supostamente elevados percentuais das últimas faixas etárias, o que oneraria em caráter excessivo os mais idosos. A título de exemplo, o representante da DPU, Edson Rodrigues Marques, afirmou que haveria discriminação em relação ao idoso devido ao fato de que o reajuste é mais elevado para a última faixa etária. A professora Ana Carolina Navarrete, representante do Idec, alegou que haveria uma hiper vulnerabilidade do consumidor idoso, existindo uma assimetria de poder econômico e de conhecimentos técnico e jurídico entre tal consumidor e as operadoras de planos de saúde.

Em semelhante sentido, o jornal O Globo[2] veiculou artigo de Lígia Bahia intitulado “Pênalti contra os idosos”, sobre a audiência pública que ora se discute, no qual condena os percentuais de reajuste em planos coletivos. A autora menciona uma “idosofobia” no mercado de saúde suplementar — as operadoras, então, procurariam evitar os mais idosos, ou os expulsar, por meio de reajustes “aleatórios” e excessivos.

Com a devida vênia, retirando o aspecto emocional do debate, deve-se levar outras questões em consideração, notadamente o respeito à legislação e à regulamentação da agência reguladora, o grau de escolha dos beneficiários, a prévia aprovação dos reajustes por parte da agência e o próprio equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, estabelecido pelo binômio fundamental do contrato de plano de saúde, qual seja prêmio X risco.

A norma acerca do reajuste por faixa etária é a Resolução Normativa 63, da ANS[3], cujas regras são: o valor fixado para a última faixa não pode ser superior a seis (6) vezes o valor da primeira, e a variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não poderá ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima.

Levando em conta que o plano atende às normas setoriais, pode-se considerar os reajustes aleatórios ou desarrazoados? É de se ter em mente que os percentuais do reajuste por faixa etária somente podem ser comercializados após o aval da ANS.

Destaca-se, ainda, a possibilidade de escolha por parte dos consumidores. No mercado de planos de saúde não só há planos com diferentes preços como também planos com diferentes percentuais de reajuste por faixa etária e distintas modulações deste reajuste, em observância à RN 63 da ANS.

Portanto, realizada a devida pesquisa por parte do consumidor, este torna-se capacitado a escolher um plano com reajuste mais suave ao longo das faixas etárias ou, caso prefira, com um percentual mais elevado de reajuste em uma faixa mais avançada.

E quanto à possibilidade de se estabelecer um preço ou percentual máximo de reajuste, ou uma variação mais suave ao longo das 10 faixas etárias? Esta possibilidade, a priori, seria interessante para os mais idosos, e foi aventada por Luciana Yeung Luk Tai, economista e professora do Instituto de Ensino e Pesquisa, Insper.

No entanto, Luciana Luk Tai reconheceu que tais hipóteses alterariam a estrutura de contribuição, mas não a estrutura de custos. Como consequência, haveria uma redistribuição dos custos para as faixas mais jovens, o que naturalmente os afastaria deste mercado.

Há de se considerar, portanto, o equilíbrio inerente ao contrato de plano de saúde, notadamente na dinâmica entre a contribuição dos mais jovens e a maior utilização do plano pelos mais idosos, conhecida como pacto intergeracional. Caso fossem oneradas as mensalidades dos mais jovens, isso geraria maior desinteresse ou mesmo impossibilidade de pagamento por parte destes, afastando a atratividade desses produtos (planos de saúde) àqueles que estão naturalmente sujeitos a menos riscos de saúde. Com menos clientes, a saúde financeira das operadoras poderia ser afetada, prejudicando, em última análise, os próprios consumidores, tanto os mais jovens como também, e principalmente, os de idade mais avançada, que estariam submetidos a custos ainda maiores, sem a oxigenação das primeiras faixas etárias.

Por fim, merece destaque a questão do ônus da prova. Não parece haver motivo para a afetação deste tema, conforme artigo 1.036 do Código de Processo Civil (CPC), uma vez que na maior parte dos recursos especiais discutidos não se tratou sobre o ônus da prova.

Considerando que a inversão do ônus da prova, tal como concebida no CPC, possui caráter casuístico, não parece interessante se fixar como regra geral a inversão, sob pena de desvirtuamento de tal instituto e de invasão de competência do Poder Legislativo.

Questiona-se, ademais, se haveria motivo para tal inversão, considerando a aprovação prévia da agência reguladora para modulação dos percentuais de reajuste por faixa etária, assim como a própria escolha do consumidor.

Conforme disciplina o artigo 373, inciso I, do CPC, caberia ao autor da ação o ônus da prova do fato constitutivo de seu direito, devendo demonstrar o equívoco da ANS ao aprovar as faixas etárias e os preços praticados pela operadora. Neste passo, eventual abusividade somente poderia ser reconhecida pelo Poder Judiciário se restar demonstrado vício de legalidade do ato administrativo exarado pela agência reguladora ao aprovar a Nota Técnica de Registro do Produto (NTPR) comercializado.

Cumpre salientar que o STJ já fixou a tese jurídica, no Tema 952, sobre a validade da cláusula de reajuste por faixa etária em planos individuais ou familiares, desde que: haja previsão contratual, seja observada a regulamentação do setor e não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.

Considerando que inexiste diferença entre as normas regulamentares acerca de tal espécie de reajuste entre os planos individuais e os coletivos parece, s.m.j., não haver motivos para alteração por parte do tribunal da tese supracitada.

JurisHealth é um esforço articulado entre profissionais da Saúde, do Direito e da Comunicação, com o objetivo de melhorar a compreensão em torno de temas relevantes do setor de saúde. É uma iniciativa que visa fornecer referências técnicas e analíticas a respeito do sistema de saúde suplementar do Brasil e, assim, prover elementos consistentes para avaliar controvérsias levadas aos tribunais. Saiba mais em http://www.jurishealth.com.br

 


[1] REsp 1.716.113/DF, REsp 1.721.776/SP, REsp 1.723.727/SP, REsp 1.728.839/SP, REsp 1.726.285/SP, REsp 1.715.798/RS.

[2] Edição do dia 26/2/2020, página 3.

[3] Válida para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 2004.

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