Crime contra a humanidade

Para evitar "genocídio", desembargador do RJ manda 30 para prisão domiciliar

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17 de março de 2020, 19h26

A manutenção de prisioneiros no cenário de uma pandemia, como a do coronavírus, configura a prática de genocídio — um crime contra a humanidade. E os autores são os magistrados que assinam os mandados de prisão.

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Siro Darlan afirmou que prisão em tempos de pandemia equivale a genocídio
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Com esse argumento, o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Siro Darlan concedeu, nesta terça-feira (17/3), liminares de ofício para enviar para prisão domiciliar todos os que estão em prisão preventiva ou temporária, que cometeram crimes sem violência. Também irão à domiciliar menores infratores e presos que estão em regime semiaberto, em casos de sua relatoria. Foram 30 decisões do tipo.

Em sua decisão, o magistrado apontou que a Constituição garante o direito à vida, à saúde e à integridade física. E ressaltou que essas garantias são estendidas aos detentos pelas Regras Mínimas para Tratamento de Prisioneiros da Organização das Nações Unidas (Regras de Mandela), acolhidas pela Resolução 14/1994 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, e pela Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984).

Darlan também lembrou que o Supremo Tribunal Federal já declarou que o sistema penitenciário brasileiro vive um estado de coisas inconstitucional. "Cediço que o sentenciado e o preso provisório, ao ingressarem no sistema prisional, sofrem uma punição que a própria Constituição da República proíbe e repudia, pois a omissão estatal na adoção de providências que viabilizem a justa execução da pena ou condições mínimas ao encarcerado provisório ou definitivo cria situações anômalas e lesivas à integridade de direitos fundamentais do detento, culminando por subtrair ao mesmo o direito — de que não pode ser despojado — ao tratamento digno”.

O desembargador também destacou que a pandemia do coronavírus recomenda que o Estado tome medidas para evitar sua propagação —que é facilitada em ambientes superpopulosos e insalubres como os presídios. Nesse cenário, magistrados devem cumprir o seu dever: "o de velar pela integridade dos direitos fundamentais de todas as pessoas, o de conferir prevalência à essencial dignidade da pessoa humana, o de fazer cumprir os pactos internacionais que protegem os grupos vulneráveis expostos ao risco potencial de contrair doença infeciosa, a qual possui alto grau de mortalidade".

O Estatuto de Roma, acolhido pelo Brasil por meio do Decreto 4.388/2002, define, no seu artigo 6º, como crime de genocídio o homicídio ou ofensas graves à integridade física ou mental praticado com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional étnico, racial, ou religioso enquanto tal.

A decisão cita trecho da entrevista que o ministro do STF Luís Roberto Barroso concedeu à ConJur. A entrevista foi publicada nos últimos sábado (14/3) e domingo (15/3).

O trecho da entrevista mencionado pelo magistrado é:

É sabido, os fatos públicos não precisam ser provados que o sistema Judiciário brasileiro é seletivo e que os que estão provados da liberdade em sua imensa maioria são pobres e sobretudo negros.

E prossegue a decisão: "Portanto, a manutenção de prisioneiros nas condições atuais de pandemia corresponde à prática de um crime contra a humanidade, tipificado de genocídio, cuja autoria já está identificada pelos agentes da lei que assinam os mandados de prisão", avaliou o desembargador, ressaltando que o Estatuto de Roma também tipifica a prisão em violação das normas de Direito Internacional como crime contra a humanidade.

Dessa maneira, Siro Darlan converteu as prisões em domiciliares com monitoramento eletrônico até que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro retome sua rotina normal.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão

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