Ações entre amigos

Processos contra a União viram arma para pressionar Gilmar Mendes

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16 de março de 2020, 17h45

Veio à tona em julho de 2019 a denúncia de uma assessora do Conselho Superior do Ministério Público do Paraná contra o procurador Leonir Batisti, coordenador-geral do Gaeco do Ministério Público estadual, por assédio sexual. Batisti ganhou destaque por levantar a bandeira de combate ao crime organizado, em especial na operação publicano, que investigou esquema de corrupção com a Receita do Paraná.

Em um sábado de agosto de 2015, a  promotora de Justiça do Paraná Leila Schimiti foi flagrada bêbada dirigindo um carro em Londrina. Pelo estado de embriaguez, ela provocou um acidente envolvendo três outros veículos, sem relatos de vítimas. Seus colegas, promotores do Gaeco, foram chamados à delegacia para dar uma força. Impediram que fossem tiradas fotos de Leila e proibiram a presença da imprensa no local.

Schimiti, bastante embriagada, foi liberada sem pagar fiança. Sob vaias. Em nota, ela classificou o ocorrido como lamentável e pediu desculpas. Seu processo foi suspenso condicionalmente, depois que ela firmou acordo com seus colegas do MP — homologado pela Justiça. Em troca, ela foi obrigada a pagar R$ 1 mil ao Instituto Paz no Trânsito e a comparecer ao TJ-PR uma vez a cada dois meses. Também foi proibida de deixar a cidade por mais de 20 dias sem autorização judicial.

Já o juiz Marcos Josegrei da Silva, responsável pela condução da operação "carne fraca", foi bem além. Ele conseguiu interromper por meses a exportação de carne brasileira ao afirmar que os produtores misturavam papelão à mercadoria para aumentar os lucros.

Os protagonistas dos três episódios acima relatados encontraram no caminho o mesmo crítico: o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Em manifestações no tribunal, o ministro perguntou se era possível a integrantes do sistema judiciário ser tão rigorosos com terceiros e tão lenientes consigo próprios.

Em dois dos casos, o juiz e um procurador resolveram pedir indenizações à União pelo hipotético dano moral gerado pelas críticas de Gilmar Mendes.

Josegrei processou a União, dizendo-se ofendido por ter sido chamado de "estrupício" e "analfabeto voluntarioso" pelo ministro, o que pode levar o Tesouro a desembolsar R$ 20 mil em indenização. O juiz optou por ter seu pedido julgado por seus colegas, tanto em um juizado especial quanto na 1ª Turma Recursal da Justiça Federal de Curitiba. Não houve surpresa: ele ganhou

No caso do chefe do Gaeco, Gilmar Mendes cometeu um equívoco. Leonir Batisti fora responsabilizado por assédio sexual e não por ser pego dirigindo embriagado, como disse o ministro.

Foi a deixa para que o procurador Jerson Ramos de Souza, de Vitória, seguisse o exemplo do juiz da "carne fraca" e pedisse indenização à União pelo que o ministro falou. Ele alega ter sido ofendido pelo ministro, quando ele disse que o alcoolismo teria se tornado um problema no Ministério Público, como confessou o ex-procurador Rodrigo Janot, em livro.

No caso, que está no 2º Juizado Especial de Vitória (ES), o promotor sustenta que foi "gravemente lesado, por ser representante do órgão ministerial, notadamente, personificação dessa organização, sofrendo dano moral a ricochete". É curioso, neste caso, que um membro do Ministério Público do Espírito Santo sinta sua honra abalada por "reflexo", uma vez que as críticas foram feitas aos membros do MP do Paraná.

Tirou da cartola
A medida de pleitear indenização por declarações do ministro mostra o modus operandi na esteira das ações que têm chegado à Justiça Federal. Em processo recente, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da auto apelidada “força tarefa” da “lava jato”, ajuizou ação contra a União por uma entrevista concedida à Rádio Gaúcha. 

No processo, Deltan alega que sofreu "reiteradas ofensas" do ministro, que disse que os procuradores haviam formado uma "organização criminosa". O comentário se deu após a divulgação de conversas entre membros do força-tarefa do MPF e o então juiz Sergio Moro.

A ação foi ajuizada pouco depois de Deltan ser punido com advertência funcional pelo Conselho Nacional do Ministério Público. O procurador diz ainda que ele e os companheiros de força-tarefa foram ofendidos por vezes em que foram chamados de "cretinos", "gentalha", "covardes", "gente desqualificada" e "despreparada" e "vendilhões do templo". Ele também afirma ter sido chamado de "gangster" pelo ministro.

Chama atenção, ainda, que o procurador tenha chamado para representá-lo os advogados que, no passado, defenderam Carlos Habib Chater. Trata-se do doleiro dono do Posto da Torre, que operava para Alberto Youssef, e que originou a própria operação "lava jato".

5031254-76.2019.4.02.5001 (JF-ES — caso promotor)
5078668-33.2019.4.04.7000 (JF-PR — caso Gaeco)
5074802-17.2019.4.04.7000 (JF-PR — caso Deltan Dallagnol)
5040456-74.2018.4.04.7000 (JF-PR — caso “carne fraca”)

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