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Consórcio de Curitiba tenta mostrar relevância 6 anos depois da criação

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16 de março de 2020, 8h37

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Integrantes da força-tarefa a partir do PR
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Em seis anos, a operação autodenominada "lava jato" recuperou R$ 4 bilhões por meio de acordos de colaboração premiada e de leniência. É o que mostra um balanço dos seis anos da força-tarefa divulgado pelo Ministério Público Federal do Paraná. Iniciada em março de 2014, é considerada a maior operação de combate a corrupção do país.

Apesar da grandeza e dos números apresentados — que incluem 52 sentenças com 253 condenações, que somam 2.286 anos e sete meses de pena —, a operação está longe de ser uma unanimidade, principalmente depois das reportagens publicadas pelo The Intercept Brasil que revelaram uma série de conversas entre os procuradores de Curitiba, liderados por Deltan Dallagnol, e o ex-juiz Sergio Moro — que chegou a orientar a atuação dos procuradores.

Do ponto de vista econômico, um estudo feito pela consultoria GO Associados em 2015 já apontava um impacto de R$ 142 bilhões na economia. No setor de construção civil, um dos mais afetados, a taxa de crescimento que era positiva em 2013 passou a ser negativa a partir de 2014 e nos anos seguintes, segundo Câmara Brasileira da Indústria de Construção.

Para o especialista em Direito Empresarial Walfrido Jorge Warde Junior, a operação praticamente inviabilizou muitas empreiteiras. "Em dado momento, as empreiteiras não tinham mais capacidade de captar dinheiro e de participar de licitações. Quando uma empresa como a Odebrecht vai se inviabilizando, ela afeta toda uma cadeia produtiva", afirmou durante evento em São Paulo.

A operação também afetou diretamente questões jurídicas. No início, por exemplo, as conduções coercitivas foram usadas sem moderação para forçar interrogatórios. A prática foi considerada abusiva e inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que as proibiu.

A decisão foi considerada uma derrota pelos investigadores que, desde então, afirmam que há decisões do Judiciário e políticas que enfraquecem as investigações e o combate ao crime. O argumento foi repetido na última semana, durante a coletiva do MPF, pelo procurador Deltan Dallagnol. "No último ano, identificamos uma série de decisões e posições do Parlamento e do Supremo Tribunal Federal que acabam resultando em dificuldades do exercício do nosso trabalho, das investigações e processos", afirmou.

Entre os exemplos citados por ele está a lei contra o abuso de autoridade. Já do Supremo, ele lista três decisões de 2019: a transferência dos casos de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro investigados em conexão com crimes eleitorais (caixa 2), da Justiça Federal para a Eleitoral; o fim da prisão após julgamento em segunda instância; e a possibilidade de anular casos em que corréus delatados não tiveram oportunidade de se manifestar depois dos delatores.

Nesta última decisão citada, o Supremo concluiu que configura cerceamento de defesa da o mesmo prazo para que delatados e delatores apresentem suas alegações finais. A tese, levada à corte pelo criminalista Alberto Toron, levou à anulação de sentenças condenatórias de Aldemir Bendine — ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras — e de uma ação civil pública de improbidade que previa o pagamento de indenização de mais de R$ 380 milhões.

Do outro lado, advogados afirmam que houve demora do Supremo em coibir os abusos dos investigadores. "O STF não questionou conduções coercitivas e uma série de coisas que foram fazendo o Ministério Público Federal se sentir cada vez mais confiante a cometer excessos […] Agora os tribunais começaram a combater esses excessos. Um movimento que é fundamental para manter a integridade do Estado de Direito", afirmou o criminalista Pierpaolo Bottini, durante evento no último ano que discutiu os impactos da operação.

Outro método utilizado pelos investigadores é o pedido de cooperação internacional. Segundo o MPF, somente em 2019 foram 189 os pedidos remetidos ou recebidos pelos procuradores da força-tarefa. Essa atuação, contudo, nem sempre respeitou as regras.

Em 2015, a ConJur mostrou que o Ministério Público usou um "atalho" para trazer provas da Suíça para o Brasil, o que ainda pode gerar nulidades. As mensagens divulgadas pelo Intercept mostram que Deltan sabia dos riscos que corria. "É natural tomar algumas decisões de risco calculado em grandes investigações", disse Dallagnol ao ser questionado por Vladimir Aras, então chefe da Secretaria de Cooperação Internacional do MPF.

cooperação informal também aconteceu com o FBI, que antes mesmo de a "lava jato" se tornar conhecida, já havia reforçado seu time no Brasil. Durante um evento em São Paulo, neste ano, especialistas do departamento de Justiça dos EUA e do FBI tratam com certa naturalidade o compartilhamento de provas entre países sem a necessidade de passar pela burocracia exigida para compartilhamento de provas processuais. O drible às leis também com autoridades norte-americanas foi confirmado pelo Intercept.

Atuação política
Parte das críticas às decisões políticas pelos integrantes da "lava jato" está no que ficou conhecido como "pacote anticrime". O projeto teve origem em uma proposta de dez medidas contra a corrupção elaborada por membros do MPF e que, desde o início, contou com o apoio de Moro.

Em nome do "combate à corrupção", o grupo propôs medidas que tinam três eixos: tentativas de prevenir crimes, endurecer penas e impedir a impunidade. Porém, as propostas sofreram críticas e foram alteradas ao longo do tempo. Uma delas, exposta pela ConJur, permitia que prova ilícita fosse aceita na Justiça.

Depois de muitas idas e vindas e com Moro já ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro, acabou sendo aprovado o chamado pacote "anticrime". Mesmo esse, sofreu diversas alterações no Congresso e o resultado final foi criticado pelos procuradores. Entre as novidades está a criação do juiz das garantias, que que foi suspensa por decisão liminar do ministro Luiz Fux, do STF.

As "derrotas" da operação na política e no Supremo, no entanto, não colocaram uma pá de cal nas investigações, como alardeado pelos promotores e procuradores. Os dados do MPF mostram que 2019 foi um ano intenso de trabalho, sendo registrados 68,7 mil atos na força-tarefa em Curitiba, incluindo manifestações, movimentações, autuações de documentos extrajudiciais e judiciais, pedidos de cooperação internacional e instauração de procedimentos extrajudiciais, autos judiciais e inquéritos. Um crescimento de mais de 1.200% do volume anual de trabalho desde 2014, segundo o MPF.

O ano de 2019 também foi aquele em que houve a instauração de 864 novos autos judiciais, o maior número desde o início da operação. O dado se refere, por exemplo, a novos inquéritos, pedidos de quebras de sigilo ou busca e apreensão, ações penais, pedidos de bloqueio e exceções de incompetência.

A quantidade anual de autos extrajudiciais instaurados em 2019 foi a segunda maior na "lava jato". Foram 377 novos autos, que incluem, ilustrativamente, procedimentos de investigação criminal, inquéritos civis e procedimentos de acompanhamento da celebração de acordos.

Ao todo, segundo os dados do MPF, ao longo dos seis anos de operação foram 70 fases, 1.343 buscas e apreensões, 130 prisões preventivas, 163 prisões temporárias, 118 denúncias, 500 pessoas acusadas, 52 sentenças e 253 condenações (165 nomes únicos) a 2.286 anos e 7 meses de pena.

Além disso, foram propostas um total de 38 ações civis públicas, sendo o recorde delas em 2019 (12), incluindo ações de improbidade administrativa contra três partidos (PSB, MDB e PP).

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