Licenças ambientais

Servidor que dá assessoria fora do expediente não prevarica, diz Turma Recursal

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14 de março de 2020, 7h27

Servidor municipal que oferece assessoria a particulares, sem que esta relação interfira com a atividade de trabalho na prefeitura, não comete o crime de prevaricação. Afinal, segundo tipifica o artigo 319 do Código Penal, prevaricar significa praticar ato de ofício contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

O fundamento levou a Turma Recursal Criminal, dos Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul, a reformar sentença que condenou criminalmente um servidor da Secretaria do Meio Ambiente do Município de Santo Ângelo por oferecer os seus serviços a um empreendedor que buscava alvará ambiental para abertura de sua empresa. Ele havia sido condenado a três meses de detenção, pena substituída por pagamento de 10 salários-mínimos.

Sentença procedente
A 2ª Vara Criminal daquela comarca lastreou a condenação na violação do inciso X do artigo 137 da Lei Municipal 1.256/90 (Regime Jurídico dos Servidores de Santo Ângelo), que diz: "[é proibido] valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública". Assim, o réu tinha conhecimento de que não poderia indicar seus serviços – anotações de responsabilidade técnica (ARTs) para obtenção de licenciamento ambiental – aos munícipes durante o expediente de trabalho na Prefeitura.

"Nada mais é necessário exigir para se ter como certa a conduta do processado, que ofereceu, ainda que dentre outros profissionais, o serviço particular de sua empresa (…), aproveitando-se do acesso ao cliente que o cargo lhe propiciou, em detrimento dos demais profissionais da área, na medida em que a testemunha disse que optou por contratar os serviços da empresa do réu pela praticidade (…), ferindo assim a dignidade e o decoro da função pública que exercia, com a finalidade de obter vantagem patrimonial", justificou na sentença o juiz Carlos Adriano da Silva.

Recurso-crime provido
O relator do recurso-crime na Turma Recursal Criminal, juiz Edson Jorge Cechet, disse que o fato imputado não constitui infração, o que inviabiliza a condenação do réu pelo delito de prevaricação. "A conduta imputada ao acusado não se amolda ao tipo penal, pois, para que o agente incorra no ilícito imputado, é imprescindível que pratique ‘ato de ofício’, ato que esteja vinculado à atribuição exercida em sua função pública", complementou.

Com base nas informações que vieram aos autos, Cechet apurou que a função desempenhada pelo acusado na Secretaria era apenas de "juntada dos documentos" para análise, visando à expedição de licenças ambientais. Pela palavra do secretário do Meio Ambiente, ouvido no processo, o réu não "resolvia as licenças". Por isso, oferecer serviços para a elaboração dessa documentação, fora do horário de expediente do serviço público, não configura a prática de ato de ofício para satisfazer interesse pessoal.

Distinção de conduta
A situação seria diferente, destacou o julgador, se o denunciado "facilitasse" o envio da documentação dos seus clientes ou conseguisse obter as licenças de maneira mais rápida em detrimentos de outros cidadãos. Isso, sim, poderia configurar o delito funcional de prevaricação.

"Assim, o réu não deixou de encaminhar documentos para análise, não facilitou o envio dos documentos de seus clientes, em detrimento de outras pessoas, não analisava as licenças ambientais, que eram de inteira responsabilidade dos profissionais habilitados. Como se vê, o oferecimento de serviços particulares não configura o ‘ato de ofício’ preconizado no art. 319 do Código Penal", afirmou no acórdão, acolhendo o recurso.

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Processo 029/2.16.0001927-7 (Comarca de Santo Ângelo)

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