Opinião

A importante atuação de associações em ações coletivas nos tribunais

Autor

  • Lillian Jorge Salgado

    é presidente do Instituto de Defesa Coletiva (IDC) pós-graduada em Direito Empresarial pela IEC/PUC-MG e integrante da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-MG e do Conselho Gestor do Fundo Estadual de Defesa do Consumidor de Minas Gerais.

13 de março de 2020, 6h31

No próximo dia 25, o Superior Tribunal de Justiça deve apreciar os Recursos Especiais 1.438.263, 1.362.022 e 1.361.872 em tema afetado que trata da “legitimidade do não associado para a execução da sentença proferida em ação civil pública manejada por associação na condição de substituta processual”. Em que pese o posicionamento do Supremo Tribunal Federal estar consolidado após o julgamento dos Recursos Extraordinários 573.232 e 612.043, ainda há inúmeros recursos no STJ, havendo portanto controvérsia repetitiva.

Já recentemente tivemos uma importante decisão na 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Ao acolher embargos de declaração, o STJ permitiu que o Instituto de Defesa Coletiva (IDC), antigo Polisdec, assuma o polo ativo de ação civil pública promovida por outro ente associativo que, no curso do processo, veio a se dissolver. Em 2015, o colegiado havia negado essa possibilidade em razão da posição adotada pelo STF.

Convém fazermos aqui primeiro um histórico do longo lapso temporal que causou insegurança jurídica quanto à legitimidade ativa das associações para a propositura de ações coletivas, sendo este tema gerador de muita polêmica e equívocos pela jurisprudência nacional.

Toda a celeuma jurídica teve início em 2014, no julgamento do RE 573.232, ocasião em que o STF estabeleceu que apenas os associados que, na data do ajuizamento da ação, haviam aderido ao polo ativo, mediante expressa autorização em assembleia, poderiam ser beneficiados por ação coletiva proposta por associação.

Esse precedente suscitou dúvidas e colocou em risco o futuro do processo coletivo iniciado pelas associações, vez que a exigência de autorizações individuais dos associados para a propositura das ações coletivas limita os efeitos da coisa julgada a determinados indivíduos. Isto frustra a efetividade e a ampliação dos que podem ser beneficiados, que obviamente constituem o objetivo principal da tutela coletiva.

Essa confusão jurídica teve fim apenas em 2018, quando o STF julgou o RE 612.430 — Tema 499 —, sedimentando o entendimento de que a exigência de autorização expressa dos associados para a propositura de ação coletiva por associação não se aplica às ações civis públicas, vez que, de acordo com o microssistema processual coletivo, tais ações possuem rito próprio, sendo, pois, dispensada à autorização específica ou assemblear dos associados.

A atribuição de legitimação ativa coletiva é questão de política legislativa que se liga à problemática da extensão subjetiva da coisa julgada, isto é, a opção do legislador quanto à legitimação para a tutela coletiva determina a estrutura do processo e reflete no seu resultado, definindo os cidadãos que serão atingidos pela decisão judicial e para os quais ela se tornará imutável.

A partir da regulamentação legal do processo coletivo no Brasil, com a instituição do chamado microssistema processual coletivo, o legislador brasileiro conferiu expressamente legitimidade ativa ad causam às associações civis. Tendo em vista as implicações legais decorrentes na natureza jurídica da legitimação conferida às associações, a lei garante que essas podem atuar nas demandas coletivas na qualidade de substitutas processuais ou na qualidade de representantes processuais, a depender do objeto e do pedido pleiteado na ação.

A doutrina é clara e firmou o entendimento de que a atuação das associações nas ações coletivas de consumo se dá mediante a legitimação extraordinária, isto é, mediante a substituição processual da coletividade de interessados que podem ou não ser individualizados, de acordo com a natureza do vínculo, fático ou jurídico, que os une.

As associações possuem a faculdade de atuar em juízo na posição jurídica de substitutas processuais, nos casos de violação à direitos difusos, coletivos stricto sensu, ou individuais homogêneos, por força normativa do microssistema processual coletivo brasileiro (artigo 5° da LACP e artigo 82 do CDC), ou podem atuar na posição jurídica de representantes processuais de determinados sujeitos individuais que expressamente lhe conferiram poderes para defende-los em juízo, por força normativa da Constituição Federal (artigo 5º, inciso XXI).

Diante das distinções existentes entre as figuras da substituição e representação processuais e das características próprias dos direitos de natureza coletiva, reconhece-se que a atuação dos legitimados ad causam nas ações coletivas de consumo se dá na qualidade de substitutos processuais dos integrantes de toda a coletividade atingida.

Acontece que as ações coletivas de consumo começaram a ser confundidas com ações de representação pelos tribunais brasileiros, sendo, por corolário, extintas ou tendo suas decisões limitadas apenas aos associados que autorizaram o ajuizamento da ação de conhecimento.Tal equívoco se potencializou com o julgamento do RE 573.232, pelo Plenário do STF, em sede de repercussão geral. O recurso especial originou-se de uma ação ordinária, ajuizada pela Associação Catarinense do Ministério Público contra a União. A referida associação atuou como representante processual dos promotores juntando, na petição inicial, as autorizações de seus associados para o ajuizamento da ação de conhecimento. A referida ação ordinária buscou a complementação da gratificação eleitoral dos membros do Ministério Público.

Julgada procedente a ação, a sentença passou a ser utilizada como título executivo judicial por terceiros, não autorizadores da ação de conhecimento. Contra essas execuções de terceiros, a União interpôs o recurso extraordinário (RE 573.232) alegando a violação aos artigos 5º, XXI e XXXVI e 8º, III, da Constituição, argumentando que a sentença somente poderia ser executada pelos filiados que haviam autorizado o ajuizamento da ação de conhecimento.

O RE 573.232 foi parcialmente conhecido pelo Plenário do STF, que analisou somente a violação ao inciso XXI do artigo 5º da Constituição, porquanto não houve pronunciamento, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região quanto aos demais dispositivos tidos por violados.

Nesse sentido, decidiu o STF, em sede de repercussão geral, que a associação, defendendo interesses de seus associados como representante processual, deverá juntar na demanda inaugural a ata de assembleia específica autorizando o ajuizamento da ação ou a autorização expressa de cada associado para esse fim. Dessa forma, somente os associados autorizadores da ação de conhecimento teriam legitimidade para a execução da sentença coletiva.

No caso específico em que se observou a atuação de uma associação como representante processual, o STF entendeu necessária a autorização de seus associados para o ajuizamento da ação de conhecimento. Observa-se que não houve, contudo, apreciação pelo STF quanto às associações que atuam como substitutas processuais de acordo com o microssistema processual coletivo brasileiro (artigo 5° da LACP e artigo 82 do CDC).

Em decorrência de uma interpretação equivocada do precedente fixado pelo STF no RE 573.232, vários tribunais brasileiros, incluindo o STJ, passaram a extinguir as ações coletivas, exigindo autorização assemblear para ações civis públicas para a defesa de direitos e interesses coletivos e difusos.

Na prática, muitas ações coletivas foram prejudicadas devido à dificuldade dos operadores do direito na interpretação do tipo de legitimação (ordinária ou extraordinária) mediante a qual se opera a atuação da associação no caso concreto.

Assim, nas ações civis coletivas de consumo as associações atuam na qualidade de substitutas processuais, e não de representantes processuais, de forma que o RE 573.232 não pode ser aplicado a essa espécie de ação, vez que o referido precedente tratou somente da representação processual (artigo 5º, XXI, da Constituição), não sendo, pois, aplicável à legitimação extraordinária (artigo 5° da LACP e artigo 82 do CDC).

A aplicação equivocada do RE 573.232 às ações civis coletivas acabou por tolher a atuação das associações como verdadeiros substitutos processuais, sacrificando o acesso à justiça dos consumidores e gerando retrocesso sem precedentes ao processo coletivo.

Em face da aplicação equivocada do RE 573.232 às associações atuantes na defesa dos interesses e direitos dos consumidores, engrenaram esforços para combater a interpretação errônea. Em maio de 2017, o STF, ao apreciar o RE 612.430 — Tema 499 —, em sede de repercussão geral, por maioria desproveu o recurso extraordinário, declarando a constitucionalidade do artigo 2º-A da Lei 9.494/97. O Plenário do STF fixou tese entendendo ser óbvia a desnecessidade de autorização dos associados nas ações civis coletivas.

Na decisão dos embargos proferida pelo ministro Marco Aurélio de Mello, colocou-se fim na confusão jurídica, restando cristalino que o entendimento do STF quanto à necessidade de autorização expressa dos associados para a propositura das ações coletivas, pelas associações, aplica-se tão somente às ações coletivas ordinárias, em que as associações atuam como representantes processuais, não sendo aplicável às ações civis públicas em que há a legitimação extraordinária.

Verifica-se então que, muito embora, em um momento passado, o STJ tenha proferido decisões que limitavam à tutela coletiva apenas aos associados autorizadores da ação de conhecimento, o atual entendimento dessa corte é no sentido da absoluta legitimidade das associações para as ações civis coletivas, independentemente da existência de autorização específica de seus associados. A prova está nos julgados recentes: conforme AgInt no REsp 1.719.820; Ag no REsp 1.516.102; EDcl no Ag no REsp 476.895; AgInt no REsp 1.799.930, REsp 1.649.087; REsp 1.554.821; EDcl no REsp 1.405.697, REsp 1.243.887 e REsp 1.391.198, dentre outras.

Um dos mais importantes desdobramentos do reconhecimento absoluto da legitimidade ad causam das associações para o processo coletivo, é admissão da sucessão processual de entidades civis no curso da demanda, em atenção aos princípios da indisponibilidade da demanda coletiva e da primazia do conhecimento do mérito. Portanto, o reconhecimento amplo da legitimação das associações no processo coletivo foi um importante passo para que a tutela coletiva de consumo alcance seus objetivos, que é justamente proporcionar o acesso à justiça a todos e a todas, seguindo o espírito do processo coletivo: protege um, protege todos!

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    é presidente do Instituto de Defesa Coletiva (IDC), pós-graduada em Direito Empresarial pela IEC/PUC-MG e integrante da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-MG e do Conselho Gestor do Fundo Estadual de Defesa do Consumidor de Minas Gerais.

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