Direitos humanos

Congresso sobre a CADH debate direitos civis e políticos

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13 de março de 2020, 11h04

Adotada há meio século, em San José da Costa Rica, e em vigor há mais de 40 anos, a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) é um dos mais importantes documentos internacionais de proteção dos direitos humanos. A convenção é tema de um congresso que acontece nesta semana no Superior Tribunal de Justiça.

Rafael Luz/STJ
Ministro João Otávio de Noronha, presidente do STJ, abriu o evento Rafael Luz/STJ

"Seminários que fortaleçam os princípios agasalhados nessa convenção são necessários, porque todo dia encontramos dirigentes tentados a sacrificar os princípios consagrados nessa tão importante convenção assinada há 51 anos." A afirmação foi feita pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, ao abrir o evento.

No primeiro dia, nesta quinta-feira (12/3), o congresso contou com debates sobre a aplicação internacional da CADH e os direitos civis e políticos estabelecidos no documento. O tema migrações e nacionalidade à luz da Convenção Americana dos Direitos Humanos também foi discutido entre os participantes do encontro.

No painel "Convenção Americana de Direitos Humanos e o contexto mundial", mediado pela ministra Laurita Vaz, a palestrante Sylvia Steiner falou sobre o uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos na Corte Penal Internacional — tribunal que integrou como juíza entre 2003 e 2016.

Ela explicou que a Corte Penal Internacional foi criada pelo Estatuto de Roma, o qual expressamente afirma que a interpretação e a aplicação das leis devem estar de acordo com os direitos fundamentais internacionalmente reconhecidos. Steiner ressaltou que essa obrigação criou, "entre os tribunais internacionais, um sistema quase integrado de justiça internacional, em que as cortes estão interagindo num diálogo transnacional e de justiça de forma permanente".

Direitos humanos
O professor Flávio de Leão Bastos, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tratou da imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e da obrigação de investigação e punição por parte dos países da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Segundo ele, esses crimes podem ser conceituados como "o ataque sistemático, generalizado, contra populações civis", nos quais a investigação não pode ser obstaculizada por atos normativos ou atos de governo, como tribunais militares de exceção ou leis de anistia. "Ao investigar e punir esses crimes, as cortes internacionais estabelecem e pavimentam uma via nobre do estabelecimento da verdade histórica e de memória coletiva", afirmou.

A professora Christine Peter, do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), falou sobre seu estudo a respeito da CADH na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Ela analisou 16 acórdãos e destacou, em sua palestra, três nos quais o STF usou a convenção como aporte normativo: ADPF 347, ADI 4275 e ADI 2.566. No entanto, ressaltou que ainda é preciso uma maior abertura no debate com os princípios estabelecidos na convenção, "não apenas no âmbito do Supremo, mas no próprio Ministério Público e em todas as instituições que dialogam com o STF na construção dos seus casos notórios, especificamente aqueles que dizem respeito aos direitos humanos fundamentais".

Ao encerrar, a ministra Laurita Vaz destacou a contribuição da CADH para os direitos humanos e lembrou que no último dia 8 foi comemorado o Dia Internacional da Mulher. Para ela, a realidade ainda mostra que o Brasil "é campeão de contrastes", uma vez que o progresso e o sucesso alcançados por muitas mulheres ainda não são a realidade para a maioria, em especial as que estão nas classes menos favorecidas.

"Para elas, o tempo parece correr mais devagar, como mostram os dados estatísticos. No Distrito Federal, a taxa de homicídio está diminuindo, mas a de feminicídio e de estupros, não. Isso só demonstra que a luta pela igualdade de gênero precisa ser levada a sério e que as vítimas precisam ser mais cuidadas pelas autoridades e por todos nós", ressaltou.

Migrações
O último painel do primeiro dia do congresso teve como tema "Direitos civis e políticos da CADH". A moderação ficou sob a responsabilidade do professor da Universidade de Brasília Mamede Said Maia Filho.

André de Carvalho Ramos, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e procurador regional da República, iniciou os debates com uma palestra sobre migrações e nacionalidade à luz da CADH.

Ele abordou a mobilidade humana e o universalismo. "A mobilidade humana é uma realidade inconteste", destacou. Segundo o professor, o ideal de promoção dos direitos humanos não aceita localização geográfica ou topográfica, pois "todos nascem iguais".

Ramos fez observações sobre a migração e a nacionalidade, tratando das questões entre a soberania e o universalismo dos direitos humanos, o tratamento jurídico e os precedentes transformadores na ação da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, e as perspectivas e os desafios da mobilidade.

De acordo com o professor, a CADH foi criada com múltiplas facetas, objetivando a aproximação do direito à nacionalidade e do combate à apatridia, incentivando o direito de sair livremente de qualquer país e o direito ao asilo, e estimulando a atuação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

"Devemos ter um olhar mais aprofundado, menos no texto e mais na interpretação da Convenção Americana de Direitos Humanos. O Brasil ganhará mais com uma sociedade multicultural e inclusiva", destacou.

Pretexto
Pela manhã, o ministro Francisco Rezek apresentou palestra sobre "Universalidade dos direitos humanos e regionalidade dos sistemas de proteção". Ele criticou o ativismo que seleciona temas em razão de posições ideológicas ou de outra ordem, ignorando outros, sem levar em conta que os direitos humanos se assentam sobre o primado do direito e todos os elementos da ordem jurídica, na uniformidade de sua aplicação.

O jurista também elencou exemplos históricos de utilização dos direitos humanos como pretexto para finalidades diversas, como na Guerra do Iraque. Na ocasião, em reação ao atentado de 11 de setembro de 2001, o presidente americano George W. Bush apontou a existência de armas de destruição em massa naquele país. Ao constatar que o argumento se revelava inconsistente, o governo apelou para um "genérico" desrespeito aos direitos humanos praticado pelo ditador Saddam Hussein. Ao final, a guerra resultou em 400 mil mortos, entre militares e civis.

"A minha maneira de descrever a universalidade dos direitos humanos, no meio universitário, é dizendo que ela significa que nenhum dos 193 estados soberanos atualmente tem o direito de invocar a sua soberania para, com isso, desafiar alguns parâmetros de respeito a direitos humanos que foram consagrados no plano global pela Declaração Universal de 1948", concluiu Rezek.

Obra comemorativa
Além de palestras, o evento terá a apresentação de artigos inéditos selecionados pelo conselho científico do congresso. Os textos também serão reunidos em obra coordenada pelo ministro João Otávio de Noronha e pelo juiz Paulo Pinto de Albuquerque, da Corte Europeia de Direitos Humanos, a qual será publicada em 25 de setembro de 2020, dia do 28º aniversário da entrada em vigor da CADH no Brasil

O congresso conta com o apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), da Universidade de Brasília (UnB) e da Corte Europeia de Direitos Humanos. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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