Opinião

A regulamentação do processo administrativo ambiental em âmbito federal e a IN 2/20

Autor

  • Alexandre Burmann

    é advogado professor especialista em Direito Ambiental mestre em avaliação de impactos ambientais doutorando em Direito Ambiental presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e autor do livro: Fiscalização Ambiental (Editora Thoth 2022).

13 de março de 2020, 7h02

O processo administrativo ambiental é regulado pelo Decreto 6.514/08 em âmbito federal. Todavia, nem todos os procedimentos conseguem ser detalhados no texto do referido decreto, cabendo a cada órgão “regulamentar” internamente seus ritos e peculiaridades. Considerando tal situação, foi editada a Instrução Normativa Conjunta 02/2020[1], detalhando os trâmites do processo administrativo ambiental no Ibama e Instituto Chico Mendes.

Não nos cabe analisar neste trabalho a instrução normativa em todos os seus 126 artigos, considerando que vários deles repetem o texto do Decreto que é sua base normativa. Ademais, confiamos na expertise e na capacidade interpretativa de todos os operadores da área ambiental. Porém, existem alguns pontos importantes que merecem ser salientados para que tenhamos o perfeito alcance deste importante instrumento regulatório.

1. Princípios do Direito Administrativo Sancionador (artigo 2º)[2]: poderíamos escrever um artigo somente com esse tema, mas tentaremos ser breves. Vários princípios constitucionais e administrativos já estão incorporados ao processo administrativo ambiental, seja pela expressa disposição: da Constituição Federal em seu artigos 5º (LIV — devido processo legal; LV — ampla defesa e contraditório) e 37 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência); da Lei do Processo Administrativo (Lei 9.784/99, artigo 2º) e do Decreto 6.514/08 (artigo 95) (legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência). Porém, a inclusão dos princípios que regem o Direito Administrativo Sancionador[3], reforçam o posicionamento de mais rigorismo na observância especialmente do “devido processo legal — na condução do processo administrativo oriundo do auto de infração; da proporcionalidade — na aplicação das sanções; da legalidade — na observância ao que está previsto expressamente na lei; e da tipicidade — na definição clara dos tipos administrativos sancionadores. Ou seja, encaramos que os princípios do Direito Administrativo Sancionador são um reforço consistente para qualificar o processo administrativo ambiental.

2. Acesso ao processo eletrônico para advogados, independente de procuração (artigo 4º, parágrafo 3º): um facilitador aos profissionais jurídicos que muitas vezes penavam para ter acesso aos processos pela bur(r)ocracia do sistema.

3. Conceitos (artigo 6º): a consolidação e detalhamento dos conceitos do processo administrativo ambiental são um avanço considerável para todos. Além dos tradicionais e já elencados no Decreto 6.514/08, citamos os conceitos de “multa fechada, aberta, indicada e consolidada”, “termo de notificação”, “relatório de fiscalização”, “absolvição” e Equipes de “Análise Preliminar”, “Condução de Audiência de Conciliação” e de “Instrução”.

4. As competências para apuração, conciliação, instrução e julgamento de infrações/recursos, conforme artigos 7º a 12.

5. O “termo de notificação” (artigo 13) e as razões pelo qual ele deverá ser utilizado.

6. A descrição do conteúdo do “relatório de vistoria” e o prazo para a sua elaboração (artigo 16).

7. Os casos em que a notificação via postal é considerada válida (artigo 18), consagrando a “Teoria de Aparência”[4] e desobrigando à notificação estritamente pessoal do autuado.

8. O detalhamento da “sanção de apreensão” (artigo 24); bem como a indicação da possibilidade de uso lícito de bens apreendidos (artigo 26), quando o autuado está na condição de “fiel depositário”.

9. A indicação de futura normativa para destinação de animais, produtos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos, veículos e embarcações (artigo 30).

10. A vinculação dos processos, em caso de auto de infração por decorrência do descumprimento da sanção de “embargo” (artigo 35).

11. A regulamentação, organização e distribuição de competência das novas estruturas administrativas internas e dos procedimentos de conciliação ambiental — conforme artigos 42 e seguintes — , modalidade que já estava prevista desde abril de 2019 — a análise da instituição da conciliação ambiental pode ser vista aqui.

12. A confirmação, nos termos do artigo 98-C do Decreto 6.514/08, de que a conciliação implica na desistência de impugnação judicial ou administrativa/renúncia a qualquer alegação de direito contra a imposição da sanção pecuniária.

13. O prazo para designação da audiência de conciliação ambiental deverá ser de “no mínimo 30 dias após a lavratura do auto de infração” (artigo 49) — o que gera um prazo de defesa de, no mínimo, 50 dias.

14. A previsão de que a audiência de conciliação é pública, ressalvados os casos de sigilo (artigo 57).

15. A definição do conceito de “ordem pública” (artigo 59) que pode gerar a decisão de nulidade ou saneamento do auto de infração.

16. A necessidade de reparação de dano ambiental, independentemente da realização de conciliação administrativa, consagrando mais uma vez a independência entre a tríplice responsabilidade ambiental (artigo 61).

17. A expressa admissão de “aplicação de técnicas negociais, com objetivo de proporcionar ambiente favorável à negociação” (artigo 63). Mais que um indício, a concretização do caminho pelas soluções alternativas (ou adequadas) de conflitos na área administrativa ambiental.

18. Da ordem de instrução e julgamentos dos processos administrativos ambientais (artigo 68).

19. A referência de que a eventual prescrição da pretensão punitiva não afeta a necessidade de reparação do dano ambiental (artigo 80, no mesmo sentido do item 13).

20. Os critérios objetivos para definição de valores e aplicação da multa aberta (artigo 82 e seguintes/anexo), como a classificação da gravidade dos fatos (artigo 83) e a capacidade econômica do autuado (artigo 84).

21. Das circunstâncias atenuantes (artigo 89) e a possibilidade de redução motivado do valor da multa (artigo 90).

22. Das circunstâncias majorantes (artigo 91) e a possibilidade de aumento fundamentado do valor da multa (artigo 92).

23. Ao tratar de reincidência, a expressa indicação (que sempre defendemos) declarando que o auto de infração pago é considerado julgado (artigo 94).

24. A possibilidade de agravamento por reincidência no caso de autos de infração confirmados por outros órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – Sisnama (artigo 96). Uma situação praticamente inexplorada pelos órgãos ambientais de diferentes esferas e que poderá gerar questionamentos judiciais sobre a sua aplicação.

25. A possibilidade de recurso (??) pelo autuado (????) em caso de “decisão de declaração de nulidade do auto de infração” (artigo 100).

26. A confirmação do duplo grau de jurisdição na esfera administrativa ambiental (artigo 106).

27. Os critérios para parcelamento do débito decorrentes de multas ambientais aplicadas (artigo 109).

28. As causas de extinção de punibilidade, incluindo-se a “morte do autuado” antes do trânsito em julgado administrativo, de forma a consolidar a natureza pessoal e intransferível da sanção ambiental.

29. A criação de mais uma possibilidade administrativa de “revisão” do julgamento do auto de infração, chamado de “Pedido de Revisão”, no artigo 118 e seguintes (em total descompasso ao item 23). Excetuando-se a hipótese de “fato novo” indicada no inciso I, não resta clara a motivação para oportunizar a reanálise do pedido, considerando as diversas oportunidades em que as equipes internas terão para validar a sanção administrativa.

30. A possibilidade de anulação dos atos administrativos eivados de legalidade (artigo 119), em respeito à autotutela administrativa e em harmonia com a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal[5].

31. Cabe ressaltar ainda que há uma preocupação de que todos os autos de infração julgados tenham sido realizados em obediências às regras e princípios (citado no item 1), considerando que dentro das atribuições de todas as equipes (Análise Preliminar, Conciliação, Instrução) e autoridades julgadoras está a necessidade de validação dos procedimentos sancionatórios. Nesse sentido, podemos concluir que a normativa busca sedimentar as garantias processuais administrativas aos participantes do procedimento sancionatório ambiental, não restando incompatibilidade entre a salvaguarda dos princípios elencados e a proteção ao meio ambiente.Desta forma, a Administração busca reforçar a segurança jurídica[6] e reafirmar os direitos do administrado[7], em consonância com a nova redação da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB.

32. Apesar de ser um instrumento interno dos órgão federais — e que muitas vezes, na prática jurídica, é tão importante quanto as normas originárias (no caso, o Decreto 6.514/08), a Instrução Normativa Conjunta 02/2020 traz detalhamentos e soluções interessantes para os processos administrativos ambientais. Outros entes federados poderão utilizar-se de tal normativa como base para modelar e adequar suas estruturas de acordo com as realidades específicas de cada localidade — estados e municípios.

33. Finalmente, ressalvamos que os assuntos brevemente elencados (bem como outros pontos não detalhados) podem e devem ser explorados pelos operadores da área para melhor desenvolvimento e consolidação de um efetivo Direito Ambiental Sancionador.

[1] http://www.in.gov.br/web/dou/-/instrucao-normativa-conjunta-n-2-de-29-de-janeiro-de-2020-240571086

[2] Art. 2º O processo de que trata esta Instrução Normativa Conjunta é orientado pelos princípios que regem a Administração Pública e o direito administrativo sancionador, bem como preza pela qualidade técnica da instrução processual e pelo respeito aos direitos dos administrados.

[3] Conforme Fábio Medina Osório, Direito Administrativo Sancionador, 4º Edição.

[4] AgInt no Agravo em Recurso Especial 1.357.895 (2018/0227703-1)

[5] Súmula 473, STF: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=1602

[6] Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657.htm

[7] Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657.htm

Autores

  • Brave

    é advogado e professor, doutorando em Direito pela UCS-RS, mestre em Avaliação de Impactos Ambientais pela Unisalle-RS e especialista em Direito Ambiental pela PUC-RS.

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