Direto do Carf

Direito de creditamento de gastos com propaganda e publicidade

Autor

  • Carlos Augusto Daniel Neto

    é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) mestre em Direito Tributário pela PUC-SP com estágio pós-doutoral em Direito Tributário na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) é visiting scholar no Max-Planck-Instituts für Steuerrecht und Öffentliche Finanzen ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf pesquisador do NEF/FGV presidente da Comissão de Direito Aduaneiro do Iasp e professor permanente do mestrado profissional do Cedes e da pós-graduação do IBDT.

11 de março de 2020, 7h01

Spacca
Na coluna de hoje trataremos sobre um tema que, nos últimos meses, tem ocupado a atenção dos advogados e, sobretudo, dos contribuintes: o direito de creditamento, dentro da sistemática não cumulativa de apuração do PIS/Cofins, dos gastos com publicidade e propaganda, no âmbito da jurisprudência do Carf.

Não foi incomum, recentemente, a publicação de notícias, artigos e comentários afirmando que o Conselho "passou a aceitar as despesas de propaganda como passíveis de crédito", ora relacionando tal mudança ao julgamento do STJ no REsp nº 1.221.170, ora apontando uma mudança de entendimento do órgão, entre as mais diversas justificativas.

Parece-nos, entretanto, que há muita confusão nessa discussão, mormente pela tentativa de alguns de tentarem enquadrar seus casos em precedentes que surgiram de contextos fáticos bastante específicos — buscam, na melhor das hipóteses, um enquadramento na fórmula sintética da ementa do acórdão, para sustentar seu direito creditório.

Para tentar sistematizar os precedentes recentes e analisar se há, efetivamente, novidades relevantes no tema, iremos tratar, inicialmente, dos casos em que o contribuinte efetua despesas de propaganda e publicidade para si ou como prestação de serviço, para em seguida abordar aqueles que envolvem a chamada “Verba de Propaganda Cooperada” (VPC), no qual as indústrias repassam valores à varejista para que atuem no sentido de promover o marketing de seus produtos.

Indo direto ao ponto, o Carf sempre foi categórico em rechaçar a tomada de créditos sobre despesas de publicidade e propaganda das empresas do setor de atacado e varejo, sob o argumento de que o creditamento de insumos se relaciona ao inciso II, do artigo 3º, das Leis 10.637/02 e 10.833/03[1], ao passo que as empresas de vendas somente tomariam os créditos[2] relativos aos bens adquiridos para revenda.

Esse entendimento é bem refletido, por exemplo, nos Acórdãos nº 3401-004.379[3] e 3402-007.201[4], onde se pontua, claramente, que nem todas as hipóteses de créditos de PIS/Cofins se restringem à previsão relativa aos insumos, a qual diz respeito apenas às atividades de produção ou fabricação de bens ou prestação de serviços, hipótese em  que se entraria no teste de relevância e essencialidade, em relação ao processo produtivo. Para as empresas que atuam com revenda de bens, a regra aplicável seria, então, apenas aquela do artigo 3º, I, das duas leis de regência.

Outra linha de negativa a este creditamento aplicada nesse tipo de discussão, menos técnica, em nosso entender, insiste em aplicar o inciso II do artigo 3º, das Leis 10.637/02 e 10.833/03, aos casos de estabelecimentos revendedores, a despeito da existência de previsão legal específica para estes, para concluir que as despesas de propaganda e publicidade não seriam essenciais à atividade da empresa, como nos Acórdãos nº 3301-005.689[5] e 3001-000.939[6].

A situação recebe um tratamento distinto, entretanto, nas hipóteses em que estamos diante de empresas prestadoras de serviço e que tenham, em seu objeto social, atividades relacionadas à propaganda e publicidade.

Nesses casos, por envolver a prestação de serviços relacionados ao marketing, há que se aplicar ao caso o artigo 3º, II, das Leis 10.637/02 e 10.833/03, submetendo-os aos critérios de essencialidade e relevância, tendo em vista que tais gastos serão, rigorosamente, custos relacionados ao serviço prestado (v. Acórdão nº 3401-005.291[7], Caso Natura, no qual esse crédito foi aceito desde a DRJ).

Um exemplo recente desse entendimento, veiculado de forma açodada em artigos como uma "guinada jurisprudencial" ou "decisão inédita do CARF", foi o Acórdão nº 3201-005.668 (Caso Visa)[8]. No caso concreto, constatou-se que "o contribuinte que presta serviços relacionados à área de marketing e publicidade [conforme disposto em seu contrato social, diga-se], inclusive o desenvolvimento de marcas e de mercado, utiliza serviços de marketing prestados por terceiros como insumo essencial à sua própria prestação de serviços".

Ora, nada mais se fez, aqui, do que aplicar a regra que trata do direito ao crédito sobre os insumos na prestação de serviços, em nada inovando na jurisprudência do Carf, que já reconhecia o direito de crédito, como insumo, de bens e serviços utilizados na prestação de serviços de propaganda e publicidade, por empresas que tenham esse escopo social.

Pois bem. Nos casos que dizem respeito à “Verba de Propaganda Cooperada” (VPC), como mencionado anteriormente, a empresa que atua no comércio atacadista ou varejista recebe benefícios econômicos das indústrias, seja por meio de pagamentos, seja por meio de bonificações sobre os produtos adquiridos, tendo como contraprestação a realização de ações de marketing e propaganda para as empresas que pagam por isso. Isso ocorre, por exemplo, nas famosas "ações promocionais", dos supermercados e atacadistas do nosso dia-a-dia.

É pacífico na jurisprudência do Carf que esses descontos concedidos após a operação de compra e venda, sem constar na nota fiscal, usualmente a título de distribuição de mercadorias, propaganda, fidelização etc., são considerados como receitas da empresa comercial e, portanto, sujeitos à incidência do PIS/Cofins. Nesse sentido, se manifestou recentemente a 3ª CSRF, por meio do Acórdão 9303-006.689[9], sustentando que as bonificações recebidas teriam “natureza contraprestacional”, devendo ser incluídas na base de cálculo das contribuições – afastando-as, assim, da hipótese de desconto incondicional e de receita financeira.

A novidade, nesse tema, foi o recente Acórdão nº 3302-008.120[10], no qual reconheceu-se, na esteira da jurisprudência do Carf, que as VPC seriam “valores destinados a ações de marketing que promovam os produtos do fabricante comercializados nos estabelecimentos da varejista, caracterizam-se como receitas destes últimos”, e, portanto, estariam sujeitas às incidências de PIS/Cofins.

A peculiaridade, aqui, vem do raciocínio esgrimido pela DRJ, e endossado pelo Carf, no sentido de que como a fiscalização entendeu que as VPCs seriam receitas operacionais da varejista, pela prestação de serviço de publicidade e propaganda, e uma vez que essa receita esteja sujeita à sistemática não cumulativa, por uma questão de lógica dever-se-ia reconhecer os créditos relativos aos insumos dessa prestação de serviço, ainda que se tratasse de uma "objetivo social secundário" da empresa. Portanto, como os referidos custos de publicidade e propaganda estavam relacionados à receita do serviço prestado pela varejista, eles seriam passíveis de crédito, com fulcro no inciso II do artigo 3º, das Leis 10.637/02 e 10.833/03.

Desse modo, o precedente em questão se destaca por ir além dos demais, que se limitaram a reconhecer as bonificações recebidas como receitas tributáveis, sem enfrentar a questão dos gastos que a varejista/atacadista dispendeu na prestação desse serviço.

Outro ponto relevante é o reconhecimento de que os custos devem ser relacionados à receita que geraram, para fins de verificação de essencialidade e pertinência, sobretudo em razão da possibilidade de a empresa possuir diversas atividades econômicas, paralelamente. Afasta-se, assim, a ideia de se aplicar um regime tributário "por preponderância de atividade", o que não possui previsão legal alguma.

Entretanto, para além disso, não avança em relação aos critérios de apuração de créditos de PIS/Cofins já existentes na jurisprudência: aplica-se a regra do inciso II do art. 3º, para reconhecer como insumos os custos relacionados à prestação de serviço.

A conclusão que fica, pelo menos, é a agradável sensação de uma jurisprudência coerente quanto ao critério adotado, a despeito do exame sempre depender de uma espinhosa verificação de essencialidade e relevância no caso concreto.

Aos arautos que se apressam, a cada decisão noticiada na mídia, a anunciar uma nova era para o tema, fica o vetusto conselho: nihil novi sub sole


[1] Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: (…) II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2o da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI; 

[2] Somente, leia-se, dentro da contraposição entre os incisos I e II do art. 3º da legislação das contribuições sociais – naturalmente, as empresas podem se aproveitar das outras hipóteses de creditamento existentes.

[3] Relator Cons. André Lemos, julgado em 26/02/2018.

[4] Relator Cons. Maria Aparecida Martins de Paula, julgado em 17/12/2019.

[5] Relator Cons. Ari Vendramini, julgado em 31/01/2019.

[6] Relator Cons. Luis Felipe Reche, julgado em 18/09/2019.

[7] Relator Cons. André Lemos, julgado em 29/08/2018.

[8] Relatora Cons. Tatiana Belisário, julgado em 21/08/2019.

[9] Relator Cons. Andrada Canuto, julgado em 12/04/2018. Na mesma linha, v. Ac. 3301-007.009,

[10] Relator Cons. Corintho Oliveira Machado, julgado em 29/01/2020.

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    é sócio do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf, e professor em cursos de pós-graduação."

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