Uso excessivo

Em decisão, Schietti Cruz critica desvirtuamento do Habeas Corpus

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11 de março de 2020, 11h37

Ao rejeitar o pedido de liberdade feito pela defesa de um homem que já havia sido solto pelo tribunal em fevereiro, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Rogerio Schietti Cruz criticou o desvirtuamento do uso do Habeas Corpus, que sobrecarrega a corte e prejudica a análise de casos que realmente exigem a atuação jurisdicional.

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Para Schietti Cruz, o caso analisado ilustra o desvirtuamento funcional do uso do Habeas Corpus no STJ STJ

"Se, por um lado, verificam-se, diuturnamente, casos de efetiva ilegalidade em processos criminais nas mais variadas instâncias e localidades do país, o caso ora em exame bem exemplifica o desvirtuamento funcional de certas impetrações", afirmou.

No caso, a defesa de um torneiro mecânico acusado de extorsão havia ingressado com Habeas Corpus no Tribunal de Justiça de Minas Gerais contra a prisão preventiva.

O desembargador relator negou a liminar, e a defesa entrou com outro Habeas Corpus no STJ. Reconhecendo a ilegalidade da prisão, o ministro Schietti afastou a incidência da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal e concedeu a liminar no dia 3 de fevereiro.

Na liminar, o ministro determinou a libertação do acusado, "sem prejuízo de nova decretação da prisão preventiva, se efetivamente demonstrada sua concreta necessidade, ou de imposição de medida cautelar alternativa também suficientemente fundamentada, nos termos dos artigos 282 e 319 do Código de Processo Penal".

A situação é inusitada porque não houve novo decreto de prisão, mas apenas a conclusão da tramitação de um HC no tribunal estadual.

Logo após o julgamento colegiado do TJ-MG que denegou o Habeas Corpus no mérito — e mesmo já estando a liberdade do acusado assegurada pela liminar do ministro —, a defesa protocolou recurso no STJ, em 21 de fevereiro, para que seu cliente "não sofra mais com a insegurança jurídica que se instalou com a decretação da prisão preventiva prematura e inócua".

No recurso em Habeas Corpus, a defesa pediu um novo pronunciamento do STJ para "manter" a medida liminar concedida.

Segundo Schietti, a situação ilustra o desvirtuamento funcional do uso do Habeas Corpus no STJ. Ele destacou que, antes mesmo da apresentação do recurso, a defesa havia sido devidamente cientificada da decisão que concedeu a soltura no HC 555.803, tanto que a própria petição recursal menciona a liminar.

O ministro afirmou que a conduta da defesa ilustra o cenário atual de crescente número de impetrações no STJ, muitas delas sem necessidade, onerando o tribunal.

"Talvez por isso — embora não apenas por tal razão —, uma quantidade vultosa de Habeas Corpus vem sendo crescentemente distribuída à Corte Superior de Justiça", disse.  Ele lembrou que, em 2014, os HCs representavam 9% do total de processos no STJ, número que passou a 15% em 2018.

Anuário da Justiça
Levantamento feito pelo Anuário da Justiça Brasil 2020, que tem lançamento previsto para maio, mostra que nos últimos cinco anos o julgamento de HCs na corte mais que dobrou, apresentando uma variação de 112,7% e dificultando a definição de teses qualificadas pelos ministros. Somente em 2019 foram 69,2 mil HCs julgados, o maior número da história.

O crescente número e as peculiaridades do Habeas Corpus têm elevado as críticas dos ministros e a preocupação com a produtividade. Embora possam ser distribuídos a todos os ministros, sua incidência é majoritária nos colegiados que julgam matéria criminal.

"Na prática, torna-se quase que inviável o trabalho. Você passa o dia só despachando Habeas Corpus", diz o ministro Sebastião Reis Júnior. "Poucas questões são discutidas por recurso especial. O objetivo do Tribunal é esse: usar o recurso especial para uniformizar a jurisprudência. Mas o Habeas Corpus tomou espaço. De 70% a 80% dos processos são Habeas Corpus", complementa.

"O grande número de Habeas Corpus muitas vezes não permite que a Seção forme precedentes qualificados a partir de recurso especial. Como temos mais de 60% de nossos gabinetes formado por HCs, não conseguimos, muitas vezes, discutir teses que geram o precedente vinculativo", lamenta o ministro Joel Ilan Paciornik. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

RHC 124.699

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