Opinião

As mulheres, os robôs e os novos desafios da advocacia

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10 de março de 2020, 7h03

O mercado jurídico está em transformação. Estamos passando por um momento de revolução tecnológica que vem impelindo tribunais, advogados, empresas, departamento jurídicos, empresas de tecnologia, law e legal techs e todos aqueles que interagem com esta atividade, a mudar a sua forma de operar o Direito e seus negócios para que possam atender às suas finalidades e continuar fazendo deste mercado algo sustentável.

Para iniciar a conversa, interessante observar o último relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça — Justiça em Números —, que apresenta uma análise sobre a litigiosidade no Brasil. De acordo com o estudo, o Poder Judiciário finalizou o ano de 2018 com 78,7 milhões de processos em tramitação aguardando alguma solução definitiva. Diz o relatório: “Em 2018, pela primeira vez na última década, houve de fato redução no volume de casos pendentes, com queda de quase um milhão de processos judiciais”. Uma das razões prováveis para esta redução do volume de entrantes é a reforma na legislação trabalhista, em vigor desde novembro de 2017. Assim o índice de atendimento de demanda, conhecido como IAD, que mede a relação entre os processos entrantes e os encerrados do ano de 2018, foi de 113,7%.

Em 2020 não parece que o resultado será muito diferente, especialmente porque restou evidente no estudo que um dos fatores para a redução do volume de processos pendentes de julgamento, além do aumento da produtividade dos tribunais em relação ao esforço de baixa de casos, é a redução de entrada de novos processos no Poder Judiciário.

Pois bem. Apesar de, pela primeira vez, observarmos uma queda no volume de processos ativos pendentes de resolução no país, ainda temos muito a fazer, até mesmo porque o Direito é extremamente dinâmico e vive em constante transformação. Um bom exemplo é a entrada em vigor em agosto de 2020 da Lei Geral de Proteção de Dados, que já vem dando o que falar. As empresas que ainda não se adaptaram às novas regras precisam correr para se adequar, considerando que as multas podem chegar a até R$ 50 milhões. A inadequação à nova lei pode trazer novas demandas, especialmente nas áreas de Direito do Consumidor, Direito Digital e até mesmo Direito do Trabalho.

A questão da litigiosidade no Brasil não é de fácil solução, mas a cada dia que passa resta mais evidente que os profissionais do Direito precisam se reinventar. E é aí que entra o novo grande colaborador do momento, que é a tecnologia, para viabilizar e auxiliar na gestão e redução de demandas nos tribunais, melhorar a qualidade e capacidade dos escritórios e departamentos jurídicos das empresas no tratamento das demandas judiciais e administrativas para que, ao final, de fato seja possível haver efetiva prestação jurisdicional.

Estamos lidando com novas soluções tecnológicas, falando com robôs, nomeados de tantas formas (AI, IoT, ODR’s, API’s…), que trazem conceitos tão diferentes para a rotina do mercado jurídico, tão cheio de disparidades, que tem todo um arcabouço (a palavra já é antiga por si só) de tradição e que precisa se recriar para estar alinhado com este novo tempo, sem perder seu conhecimento adquirido ao longo dos anos e se tornando capaz de transformar este conhecimento em resultado adequados aos tempos atuais. Os tribunais, empresas e escritórios já deram nomes aos robôs e, coincidentemente, a maioria deles tem nome de mulher.

Mas a pergunta-chave é: Como fazer estes dois mundos — Direito e Tecnologia — conversarem?

A começar pela distância entre a realidade atual e os bancos das faculdades, já é possível avaliar o tamanho do desafio. As matérias das grades curriculares ainda não estão adequadas ao “novo tempo” que já chegou e criam ainda mais dificuldades para o equilíbrio e entendimento deste novo momento. Há faculdades que ainda ensinam latim, quando também o inglês já deveria ser matéria obrigatória de qualquer curso. Poucos são os casos que já avançam para uma integração maior, com a inclusão de cursos de Direito e novas tecnologias no currículo.

A revolução tecnológica passa por uma mudança de cultura, pessoas e processos. A verdade é que precisamos aprender uma nova linguagem e mudar a forma de alcançar resultados. O Direito sempre demonstrou tendências prolixas, considerando a complexidade das leis e suas estruturas. Acontece que muita coisa mudou porque o Judiciário e o povo brasileiro não comportam mais uma dinâmica de uma Justiça atravancada e lenta, uma vez que perde sua efetividade.

Uma nova geração chegou ao mercado, pessoas com um perfil mais ágil e com tendências mais colaborativas do que competitivas, que entenderam que a tecnologia é aliada neste processo de evolução e que já está revolucionando a forma como aplicamos o Direito, como resolvemos nossos conflitos, como vivemos em sociedade.

Neste exercício de criação de comunicação mais fluente e eficaz, há um lugar especial para as mulheres. A objetividade feminina e sua capacidade de realizar várias coisas ao mesmo tempo, sua luta pelo equilíbrio no mercado de trabalho, sem descanso, e sua capacidade de desempenho multitarefa é tão adequada e aplicável a esta experiência de adaptação aos novos tempos, que deve ser destacada.

Neste ano de 2020, segundo dados divulgados pela OAB, o número de mulheres inscritas irá superar o número de homens e é bem natural que uma transformação na estrutura da advocacia também ocorra. Em outro ponto, hoje já existem grandes movimentos que estimulam a atuação mais expressiva das mulheres no mundo da tecnologia, porque atualmente representam apenas 20% dos profissionais que atuam nesta área.

É imprescindível que todos se reinventem, independentemente do gênero, nesta revolução 4.0. Mas, com toda certeza, a participação feminina poderá auxiliar nesta conexão entre universos tão distantes, porém, nem tão distintos como se pensava que é o mundo do Direito e o da tecnologia. Com suas habilidades específicas as mulheres podem colaborar para uma mudança completa de paradigmas e expressar, através da força relevante que é a criatividade feminina, sua capacidade de contribuir para a integração das novas tecnologias à nossa realidade prática.

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