Opinião

O compliance no Ministério Público

Autor

  • Marcelo Marcante

    é advogado criminalista professor de Direito Penal e Processual Penal doutor e mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS e sócio-fundador do escritório Marcelo Marcante Advogados.

9 de março de 2020, 17h37

O Ministério Público é uma instituição fundamental na democracia brasileira. Desde os idos da Constituição de 1988, tornou-se uma referência na fiscalização dos poderes e defesa dos direitos do cidadão. Tais méritos, entretanto, não elidem um fato incômodo: uma certa hipertrofia de procuradores e promotores que, desbordando das funções institucionais, cometem arbitrariedades, não raro atropelando reputações e a garantia da presunção da inocência.

Desde os idos da operação "lava jato", os abusos parecem ter aumentado em quantidade, e agravados em qualidade. Das peripécias protagonizadas pelo procurador Deltan Dallagnol, que ainda não esclareceu as relações promíscuas com o Judiciário e a renda com suas palestras — fatos revelados em reportagens protagonizadas pelo site The Intercept — às mirabolâncias confessadas pelo ex-procurador geral Rodrigo Janot, fica claro que o Ministério Público precisa de uma revisão.

A palavra em voga para tanto é o compliance, tão cobrado pelo MP quando os promotores — muitas vezes corretamente, é bom pontuar — apontam problemas em searas alheias. Uma revisão de conformidade seria benéfica à saúde institucional do Parquet.

Os problemas não são éticos, apenas e tão somente. Dizem respeito à qualidade das investigações. Não raro, apurações mal feitas resultam em nulidades, sem falar das acusações sem cabimento levadas a efeito meramente para atender ao clamor sanguinário de querer, a qualquer custo, produzir culpados. Não se pode esquecer das malfadadas operações Satiagraha e Castelo de Areia, nas quais provas ilícitas e fraudes processuais resultaram em nulidades. E, claro, do famigerado procurador Luiz Francisco de Souza, que usou o Ministério Público Federal como trincheira política.

Os abusos vitimam da esquerda à direita, dos pobres aos ricos. Não raro, viram o paraíso de advogados que, bons processualistas, destroem investigações rumorosas sem grande esforço.

O caso mais recentemente foi desnudado numa sessão do Supremo Tribunal Federal pelo advogado Marcelo Leal. Defensor do deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade), Leal competentemente desancou o representante do Ministério Público Federal ao citar um documento que atesta a licitude de um financiamento do BNDES, o que comprova a tese de inocência do parlamentar — acusado, tudo indica que indevidamente, de obter propinas para ‘liberar’ recursos do banco.

No processo, documentos e depoimentos atestam claramente que a ‘participação’ do deputado na obtenção dos financiamentos era fictícia. No julgamento, o promotor insinuou que uma empresa de consultoria não havia prestado serviços, servindo meramente de fachada, pois não havia assinado contrato. Foi desmentido peremptoriamente, pois o contrato estava numa folha numerada do processo que, pelo visto, sequer foi lido pelo procurador.

Falhas do tipo demonstram que muito tempo e recursos são despendidos desnecessariamente por erros que não poderiam ser cometidos por uma instituição da importância do MP. As causas são várias, que vão desde a ausência de um controle moderado da atividade dos promotores até uma efetiva política de auto-fiscalização. Obviamente, é preciso uma correção de rumos pela adoção de uma verdadeira política de compliance para que o Ministério Público exerça, sem atropelos, seu mister constitucional.

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  • é advogado criminalista e professor de Direito Penal e Processual Penal, doutor e mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS e sócio-fundador Marcelo Marcante Advogados

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