Justiça Tributária

Atual prazo de decadência para cobrança da CFEM e dos royalties do petróleo é de 5 anos

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

9 de março de 2020, 8h00

Spacca
Existem alguns temas que tangenciam diversas áreas do Direito, dentre eles o da cobrança de receitas patrimoniais, dentre elas (1) a CFEM – Compensação Financeira pela a Exploração Mineral, cobrados pela Agência Nacional de Mineração — ANM, sucessora do extinto DNPM — Departamento Nacional de Produção Mineral; (2) os royalties do petróleo cobrados pela Agência Nacional de Mineração e (3) os royalties sobre energia hidrelétrica, denominados de CFURH – Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos, cobrados pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica. A lista de receitas patrimoniais é enorme, abrangendo, dentre outras, a TAH – Taxa Anual por Hectare, por exemplo.

Como o nome indica, tratam-se se receitas patrimoniais, o que, de pronto, afasta a aplicação direta de normas tributárias para sua exigibilidade, uma vez que as receitas tributárias não são patrimoniais, mas decorrem do poder de império do Estado – claro que limitado pelo ordenamento jurídico. As patrimoniais, como o nome indica, estão melhor classificadas como preço público, pois decorrem da aquisição pelos particulares de um bem ou direito do Estado. Assim, o Estado estabelece um preço para a venda de minério, ou petróleo, ou pela exploração de energia hidrelétrica e assim por diante.

Afastadas as regras tributárias, em face da essência da relação patrimonial existente, quais normas devem ser aplicadas? Em face da inexistência de um Código de Receitas Públicas que abranja toda a arrecadação, papel não cumprido pelo Código Tributário Nacional, deve-se buscar em legislação esparsa as normas aplicáveis a cada situação.

No que tange à prescrição e à decadência, existiram diversas regras de regência da matéria que regulam no tempo cada relação jurídica existente. Registre-se que a análise intertemporal não é o objeto deste texto, que se limitará a tratar das regras que estão atualmente vigentes.

A norma que hoje rege a matéria é a Lei n. 9.636 de 15 de maio de 1998, com diversas alterações. Em face de sua peculiaridade, impõe-se a transcrição:

Art. 47. O crédito originado de receita patrimonial será submetido aos seguintes prazos:

I – decadencial de dez anos para sua constituição, mediante lançamento; e

II – prescricional de cinco anos para sua exigência, contados do lançamento.

§1o –    O prazo de decadência de que trata o caput conta-se do instante em que o respectivo crédito poderia ser constituído, a partir do conhecimento por iniciativa da União ou por solicitação do interessado das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da receita patrimonial, ficando limitada a cinco anos a cobrança de créditos relativos a período anterior ao conhecimento.

Uma primeira e desatenta leitura pode centrar nossa atenção nos dois incisos, e nos fazer crer que os prazos serão de (I) 10 anos para a decadência e (II) de 05 anos para a prescrição.

Nessa mesma primeira leitura pode-se acreditar que o §1o trata apenas do instante a partir do qual o prazo decadencial deve ser computado.

Porém, uma segunda leitura, mais atenta, nos levará a observar a frase final do §1o, que determina: “ficando limitada a cinco anos a cobrança de créditos relativos a período anterior ao conhecimento”. Observe-se que tal frase, contida no referido parágrafo, muda por completo a compreensão do prazo decadencial, pois os 10 anos estabelecidos no inciso I do art. 47 são limitados a uma retroação de apenas 05 anos, o que nos leva a afirmar que os efeitos do prazo decadencial para a cobrança dos créditos é de 05 anos, e não de 10 anos.

Sendo assim, qual a função do inciso I da referida norma? Por qual razão nele consta um prazo decadencial de 10 anos, que se torna limitado a 05 anos pelo §1o?

A resposta nos é dada pelo §2o do mesmo artigo, que diz:

§2o –    Os débitos cujos créditos foram alcançados pela prescrição serão considerados apenas para o efeito da caracterização da ocorrência de caducidade de que trata o parágrafo único do art. 101 do Decreto-Lei no 9.760, de 1946, com a redação dada pelo art. 32 desta Lei.

Esta remissão nos leva à seguinte norma da Lei 9.760/46, que dispõe sobre os bens imóveis da União e dá outras providências:

Art. 101 – Os terrenos aforados pela União ficam sujeitos ao foro de 0,6% (seis décimos por cento) do valor do respectivo domínio pleno, que será anualmente atualizado.

Parágrafo único. O não-pagamento do foro durante três anos consecutivos, ou quatro anos intercalados, importará a caducidade do aforamento.

Ou seja, os 10 anos se referem apenas aos efeitos da caducidade do aforamento, matéria que possui outra natureza e alcance distinto da que está sendo tratada neste texto, e se contextualiza como a perda do domínio direto sobre o bem aforado, caso não ocorra o pagamento do foro anual por 3 anos consecutivos, ou quatro alternados. Observe-se que esta norma não trata de cobrança de créditos, mas de perda de direitos – do direito de usar e gozar do bem aforado.

Logo, os 10 anos estabelecidos pelo inciso I do art. 47 da Lei n. 9.636/98 só trata dos efeitos jurídicos da caducidade do aforamento, não dizendo respeito à caducidade da cobrança de valores patrimoniais, a qual está limitada a 05 anos, na forma da parte final do §1o do mesmo artigo.

Assim, pode-se afirmar que, para fins de cobrança de valores patrimoniais – leia-se: cobrança de CFEM, royalties do petróleo e da energia hidrelétrica (CFURH) – o prazo decadencial é de 05 anos, por força do §1o do art. 47 da Lei 9.636/98.

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    é Professor Titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados.

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