Perfil genético

Juiz é impedido de recolher DNA de submetidos a audiência de custódia

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7 de março de 2020, 9h39

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Coleta de DNA de investigado tem previsão legal, mas em situações específicas

Um juiz do interior de São Paulo vinha determinando genericamente — e sem a devida fundamentação — a coleta de material genético de pessoas submetidas a audiência de custódia.

Diante da situação, a Defensoria Pública de São Paulo impetrou Habeas Corpus para anular as decisões que determinaram a extração compulsória de DNA dos custodiados e para que ao magistrado fosse imposta a obrigação de se abster de realizar tal coleta em casos futuros. 

A 9ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP concedeu a ordem. O acórdão foi finalizado no último dia 28, com relatoria da desembargadora Fátima Gomes.

Pela Defensoria, aturaram Leandro de Castro Gomes, que impetrou o writ, e João Felippe Belem de Gouvêa Reis, coordenador auxiliar do Núcleo de Segunda Instância e Tribunais Superiores, que realizou sustentação oral perante o TJ-SP.

Detalhes do caso
Segundo a Defensoria, nas duas ocasiões em que o juiz João Costa Ribeiro Neto atuou como plantonista, presidindo audiências de custódia na 47ª Circunscrição Judiciária (que inclui Taubaté e outras comarcas), ele simplesmente determinou que todas as pessoas submetidas às audiências por ele presididas tivessem material genético coletado.

"Isso foi feito independentemente do crime pelo qual a pessoa tinha sido presa e independentemente de ter havido relaxamento da prisão, concessão de liberdade provisória ou conversão do flagrante em preventiva. Em todos os casos, o juiz usou a mesma fundamentação, mudando no máximo alguns detalhes", afirma o defensor Leandro de Castro Gomes.

Ao todo, foram 12 pessoas nessa situação. Os delitos imputados, os antecedentes e a identificação civil tampouco foram consideradas caso a caso. Ou seja, a determinação era indiscriminada, sem comprovação e sem fundamentação que apontasse a necessidade de prova. Tampouco houve pedido da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa.

Perfil genético
A coleta de material genético de pessoas submetidas a audiência de custódia até é prevista por lei, mas em hipóteses específicas. O artigo 3º, inciso IV, da Lei 12.037/2009 prevê que, quando "a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa".

Além disso, o parágrafo único do artigo 5º do mesmo diploma estipula que, na hipótese do inciso IV do artigo 3º, "a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético".

Tal coleta, no caso concreto, é feita com o uso do "suabe", uma espécie de cotonete que é passado no céu da boca da pessoa submetida à extração. 

O acórdão
Assim, a decisão que concedeu a ordem é expressa ao frisar que "a identificação criminal somente poderá ser aferida, com certos critérios, em especial quando essencial à investigação criminal dos autos em questão, de ofício pelo Magistrado, desde que fundamentada a decisão ou a pedido das partes (Autoridade Policial, Ministério Público ou Defesa), também com pedido fundamentado". 

No entanto, os desembargadores concluíram que, no caso concreto, a conduta do juiz "não se encontra em total consonância com os ditames legais".

Isso porque "as decisões que determinaram a coleta do material genético, foram todas de forma uníssona e indistinta, sem que houvesse o juízo original fundamentado as razões da necessidade de tal extração para os autos, bem como, se pairavam dúvidas a respeito da identidade de cada custodiado ou qual a relevância naquele momento (audiência de custódia) de tal coleta".

Por isso, prossegue o acórdão, "o Estado possui limites a serem respeitados e, a extração desse material genético nessa fase de
investigação deve ser somente nos casos de essencial necessidade, afastando assim qualquer constrangimento ilegal para o agente".

Além disso, os desembargadores consideraram que "a extração e coleta compulsória do material genético para fins de alimentação de banco de dados, sem o devido consentimento do acusado, nessa fase processual, fere de maneira irreversível o direito de não produção de provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere), não podendo obrigar o acusado a fornecer tal material".

Histórico do processo
Inicialmente, foi impetrado um HC coletivo, no ano passado, mas o TJ-SP não conheceu da impetração. Dessa decisão, a Defensoria propôs HC no STJ, para que fosse conhecida a impetração originária ou para que o STJ ele próprio anulasse as decisões da autoridade coatora. A corte concedeu a ordem, determinando o retorno do writ à segunda instância, na qual enfim deveria ser verificado se houve abuso de poder ou outra ilegalidade. 

Outro lado
Nesta quarta-feira (11/3), o juiz João Costa Ribeiro Neto emitiu nota para comentar o caso:

O artigo 9ºA da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) obriga a coleta do DNA para todos os condenados por crimes dolosos violentos e hediondos, não se tratando, portanto, de uma opção para o magistrado. O mesmo ocorre quando presentes os requisitos de concessão da cautelar probatória no caso de investigados. A lei diz expressamente, inclusive no caso de investigados, que a medida pode e deve ser concedida de ofício pelo juiz, quando preenchidos os requisitos.

A decisão do TJSP foi tomada por 2 votos a 1, tendo o voto divergente defendido em todos os seus termos a decisão do magistrado de primeiro grau. A Defensoria Pública tem contestado esse trecho da Lei, inclusive com ação no Supremo Tribunal Federal.

No entanto, no momento, a lei permanece vigente e goza de presunção de constitucionalidade. O STF nunca suspendeu os efeitos da lei, o que poderia ter feito.

Cabe lembrar ainda que a coleta do DNA é um procedimento passivo e não invasivo. É semelhante a outros processos de identificação, como o da coleta de impressões digitais, em que não se considera que o condenado é obrigado a produzir provas contra si. Não há desrespeito à Constituição Federal.

O DNA é uma ferramenta que tem ajudado a Justiça a solucionar casos pendentes, no sentido de encontrar culpados, mas também de provar a inocência dos injustamente acusados. O famoso caso Israel, por exemplo, permitiu a exoneração de um homem injustamente condenado por um estupro que nunca cometeu. Todavia, Israel passou anos preso. Se o DNA já fosse uma realidade no Brasil, como é em democracias consolidadas, a história teria sido outra.

Texto atualizado às 14h15 de 11/3, para inclusão da nota do juiz João Costa Ribeiro Neto.

Clique aqui para ler a decisão
HC 2057654-47.2019.8.26.0000

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