Prática Trabalhista nos Tribunais

Como superar a ineficácia do Bacenjud e entregar resultados na execução trabalhista

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Rafael Guimarães

    é juiz do Trabalho coordenador do Programa SOS EXECUÇÃO no TRT da 2ª Região professor convidado em Escolas Judiciais e em cursos jurídicos especialista em Direito e Processo do Trabalho e coautor da obra Execução Trabalhista na Prática.

6 de março de 2020, 11h49

O Bacenjud é um sistema que interliga o Judiciário ao Banco Central e às instituição bancárias para agilizar a solicitação de informações e o envio de ordens judiciais ao Sistema Financeiro Nacional, via internet[1]. Portanto, trata-se de instrumento de comunicação entre o Poder Judiciário e as instituições participantes que permite o bloqueio de valores e a requisição de informações.

Através deste sistema eletrônico, implementa-se a penhora online de dinheiro em depósito bancário e de outros ativos financeiros do devedor, conforme inclusive dispõe o caput do artigo 854 do CPC[2]. Segundo a doutrina especializada, constitui-se “na principal modalidade executiva destinada à execução pecuniária”[3].

Desde 12 de dezembro de 2018, está em vigor a sua versão 2.0, por meio da qual houve ampliação da capacidade de constrição de ativos financeiros do devedor, passando do rastreamento de valores mantidos em contas-correntes e poupanças, para ter como alvo também contas de investimento. Com isso, atualmente, o Bacenjud abrange os ativos de renda fixa e de renda variável (ex. das ações negociadas na B3 – Bolsa de Valores).

Neste contexto, muito se tem dito sobre a importância do sistema Bacenjud para efetividade da execução trabalhista[4], o qual seria uma ferramenta primaz de constrição patrimonial, vocacionada à penhora eletrônica de ativos financeiros do devedor e consequente resgate do crédito exequendo[5].

Em igual diapasão, assinala a jurisprudência trabalhista que “sabidamente, um dos principais entraves do processo é a dificuldade em se encontrar bens suficientes para a garantia da execução e a penhora online representa um efetivo e importante meio para amenizar tal problema”[6].

Contudo, os dados estatísticos do relatório gerencial do Bacenjud revelam outro cenário, bem menos otimista.

Com efeito, somente no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, especificamente no ano de 2018, a quantidade de contas de executados sem valores bloqueados chegou no espantoso percentual de 74,45%.

Isso mesmo, 74,45% de “bacens” negativos. Na prática, a cada 10 ordens judiciais de bloqueio, apenas três voltam positivas (parcial ou integralmente), aproximadamente. Ainda de acordo com o referido relatório gerencial, do total de 25,55% de ordens judiciais positivas, somente 4,9% referem-se a valor integralmente bloqueado, ou seja, com o juízo da execução garantido.

Diante de tal informação, o caro leitor poderia redarguir: “ah, ao menos com a versão 2.0 do Bacenjud, que entrou em vigor no dia 12 de dezembro de 2018, ampliando-se consideravelmente o rol de ativos financeiros penhoráveis, certamente os índices de efetividade de 2019 melhoraram!”. Infelizmente, não é este o cenário que se apresenta.

Voltando para o relatório gerencial do Bacenjud, referente ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em 2019 simplesmente os índices tiveram uma leve piora. Exatamente, estimado leitor. A quantidade de ordens judiciais com resultado totalmente negativo (sem valor bloqueado) saltou de 74,45% em 2018, para 77,02% em 2019. Neste compasso, ainda, as ordens judiciais com resposta de bloqueio integral (com o juízo da execução garantido) recuaram de 4,9% em 2018, para 4,4% em 2019.

A inefetividade do sistema Bacenjud reflete (direta ou indiretamente) nos indicadores do anuário Justiça em Números 2019 do Conselho Nacional de Justiça[7], que apontam taxa de congestionamento na execução no âmbito, por exemplo, da 1ª instância do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em 86%, equivalente à média nacional em 85%, conforme gráfico abaixo:

Da análise desses dados estatísticos, infere-se que o sistema Bacenjud, mesmo em sua versão 2.0 mais robusta, não é a panaceia para a execução trabalhista.

Além, é claro, da existência de parcela da jurisprudência regional que se apresenta restritiva acerca de quais ativos financeiros do devedor são passíveis de constrição judicial[8], pode-se atribuir a inefetividade do Bacenjud ao alto grau de sofisticação do devedor trabalhista para ocultar seu patrimônio e, com isso, fugir do alcance da referida ferramenta, citando-se, como exemplo, o uso de pessoas interpostas (exemplos: familiares, “laranjas”, empresas de fachada), ou, ainda, por meio de operações bancárias ou financeiras aparentemente lícitas, porém com capacidade de burlar o sistema.

Tudo isso deságua na triste constatação de que a execução trabalhista encontra-se em profunda crise de efetividade, a provocar no credor trabalhista reflexão sobre a necessidade não só de abrir novos horizontes e depositar suas esperanças no resgate do seu crédito para além do sistema Bacenjud, mas também da necessidade de aperfeiçoamento contínuo do conhecimento sobre os mecanismos de ocultação patrimonial profissionalmente utilizados pelos executados e, consequentemente, de adoção de meios para neutralizá-los.

Nesse contexto, pensando para além do Bacenjud, o credor trabalhista precisa estar atento sobre a existência de outras formas de se conduzir a persecução patrimonial trabalhista, tal como a identificação de cônjuge, que é legalmente corresponsável patrimonial do devedor[9], na forma dos artigos 1.658, 1.660, 1.663 e 1.667, todos do Código Civil com correspondência com artigo 790, IV, do CPC, e que, por vezes, concentra o patrimônio do casal passível de penhora. Sua localização pode ser efetuada por meio dos convênios Infojud[10], Censec[11] e CRCJud[12], por exemplo.

Ademais, conforme já mencionado em linhas transatas, não raro o devedor utiliza-se de empresas de fachada constituídas para ocultação patrimonial, burlando consequentemente o Bacenjud. A respeito, cite-se a criação de holding patrimonial, a qual pode ser rastreada pelo convênio Infoseg[13].

Ainda por meio dos convênios Infoseg, Infojud e CCS[14] é possível desvelar eventuais cadeias societárias e/ou empresariais potencialmente corresponsáveis patrimoniais na execução trabalhista.

Para não nos alongarmos em demasia nestas breves reflexões, por fim, mencionamos outro convênio ainda não muito utilizado na Justiça do Trabalho: a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB), que se destina a integrar todas as indisponibilidades de bens imóveis decretadas pelos magistrados em todo território nacional.

Esta ferramenta supera sobremaneira o alcance territorial do conhecido convênio Arisp[15], que se limita, atualmente, aos cartórios de Registro de Imóveis do estado de São Paulo e alguns cartórios dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Rondônia, Pará e Amapá.

Pelos exemplos apresentados, resta evidente que a capacidade de persecução patrimonial do devedor na Justiça do Trabalho é subutilizada, dentre inúmeros outros fatores, pela excessiva crença no Bacenjud. Assim, faz-se necessário que o credor trabalhista atue com maior protagonismo na condução da execução trabalhista.

Por derradeiro, preocupada com a necessidade de superação da crise de efetividade que solapa a execução trabalhista, a Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho criou, recentemente, o Portal de Pesquisa Patrimonial[16], que visa divulgar quais ferramentas eletrônicas de pesquisa e constrição patrimonial estão à disposição do Judiciário Trabalhista, com respectivas funcionalidades.

Em suma, atualmente, a Justiça do Trabalho possui mais de uma dezena de convênios eletrônicos de pesquisa patrimonial. Sabendo utilizá-los com perspicácia, explorando toda a sua potencialidade, é possível entregar o resultado tão desejado na execução, qual seja, o adimplemento do crédito trabalhista de forma célere.

[1] https://www.cnj.jus.br/sistemas/bacenjud/

[2] CPC. Art. 854. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução.

[3] MARINONI, Luiz Guilherme / ARENHART, Sérgio Cruz / MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado, 4ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.

[4] Trecho de matéria veiculada no ConJur (https://www.conjur.com.br/2018-out-24/execucao-dividas-via-bacenjud-alcanca-13-bi-2018): “Segundo o ministro [Dias Toffoli], os números provam o sucesso do funcionamento do sistema. “Imaginem fazer a execução desse valor em um número tão grande de processos sem um sistema tão inteligente, sem um sistema de cooperação. Sem dúvida nenhuma, seria impossível”, afirmou. Dias Toffoli ressaltou a importância do sistema automatizado para a execução de dívidas, especialmente na Justiça do Trabalho, que responde por 56% das execuções feitas via Bacenjud. (…)”.

[5] “Uma providência efetiva que vem dando bons resultados na Justiça do Trabalho é a penhora online no sistema Bacenjud, por meio do qual o juiz do Trabalho, mediante senha personalizada, consegue ter acesso aos dados de contas bancárias do executado no âmbito do território nacional e determinar o bloqueio de numerário até o valor da execução”. (SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho, 10ª ed. São Paulo, LTr, 2016, p. 1206).

[6] TRT-9 – 57442009965907 PR – Relator: Archimedes Castro Campos Júnior – Data de Publicação: 11/11/2011.

[7] https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf

[8] EMENTA: IMPENHORABILIDADE DE CONTA SALÁRIO DE EX-SÓCIO DA EXECUTADA E O ARTIGO 833, IV, DO DIPLOMA PROCESSUAL CIVIL. O artigo 833, VI do subsidiário CPC, contém norma imperativa autorizante, aplicada no processo do trabalho por força do artigo 769 do texto consolidado. Assim, demonstrada que a constrição judicial se deu sobre valores percebidos pelo executado (ex-sócio da reclamada) em virtude de seu labor, percebido através de contrato de trabalho, estes são absolutamente impenhoráveis para pagamento de dívidas provenientes de antigos trabalhadores da empresa reclamada. Agravo de petição do exequente que se dá parcial provimento pelo Colegiado Julgador. (TRT2 – AP 10015264520165020421 SP – 11ª Turma -Relator: RICARDO VERTA LUDUVICE, – Data de Publicação: 22/10/2019).

[9] EMENTA: AGRAVO DE PETIÇÃO DA TERCEIRA EMBARGANTE. PENHORA SOBRE IMÓVEL. MEAÇÃO. A dívida trabalhista, decorrente da prestação de trabalho do exequente, presume-se contraída em benefício da Terceira embargante, que foi casada com o sócio da executada, motivo pelo qual é mantida a penhora efetivada. Agravo de petição desprovido. (TRT da 4ª Região/RS – AP nº 0000831-40.2013.5.04.0201 – Seção Especializada em Execução – Rel. Luiz Alberto de Vargas – j. 08.04.2014, unânime).

[10] Infojud – Informações ao Poder Judiciário (Secretaria da Receita Federal) é o sistema que tem por objetivo atender digitalmente às requisições feitas pelo Poder Judiciário à Receita Federal.

[11] Censec – Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados é um sistema administrado pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal – CNB-CF, cuja finalidade é gerenciar banco de dados com informações sobre existência de atos notariais em todos os cartórios do Brasil.

[12] CRCJud – Central de Informações do Registro Civil é um sistema que se destina a interligar eletronicamente os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais de todo o país, permitindo o intercâmbio de documentos eletrônicos e o tráfego de informações e dados, bem como possibilitando o acesso direto de órgãos do Poder Público, mediante requisição eletrônica às informações do registro civil das pessoas naturais.

[13] Infoseg é uma Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública e Justiça, organizada pelo Ministério da Justiça, que congrega informações de âmbito nacional, entre outras, de dados de indivíduos criminalmente identificados, de armas de fogo, de veículos, de condutores e de empresas nas bases da Receita Federal do Brasil.

[14] CCS – Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional é um registro centralizado pelo Banco Central do Brasil, que forma o cadastro geral de correntistas e clientes de instituições financeiras, bem como de seus procuradores.

[15] Arisp é o convênio que interliga o Poder Judiciário à base de dados dos Cartórios integrantes da Associação dos Registradores de Imóveis de São Paulo.

[16] http://www.tst.jus.br/web/corregedoria/pesquisa-patrimonial

Autores

  • é professor de Direito do Trabalho em cursos jurídicos e de pós-graduação (ESA, FADI, EPD, Damásio, Kroton e FMU). Especialista nos cursos da “Advocacia Trabalhista nos TRTs” e no “Recurso de Revista”. Palestrante e instrutor de treinamentos corporativos e “in company” pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos. Autor de obras e artigos jurídicos.

  • é juiz do Trabalho substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp e palestrante em cursos jurídicos sobre execução trabalhista.

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