Evangelização na Amazônia

Justiça federal do Pará condena missionário que deu espingarda a indígena

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4 de março de 2020, 19h35

O juiz federal Domingos Daniel Moutinho, da 1ª Vara de Santarém (PA), condenou o missionário evangélico Luiz Carlos Ferreira, ligado à Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), por cessão ilegal de arma de fogo. A decisão, tomada no dia 19 de fevereiro, foi publicada nesta quarta-feira (4/3).

Mário Vilela/Funai
Indígenas Zo'é
Mário Vilela/Funai

A sentença determinou dois anos e oito meses de reclusão. A pena, no entanto, foi convertida em prestação de serviços comunitários e multa de aproximadamente R$ 2 mil reais. O condenado poderá recorrer.

Segundo a denúncia, feita em 2016, Ferreira deu uma espingarda calibre 20 a um indígena pertencente à etnia Zo’é. 

"A introdução do armamento na realidade de etnia trouxe diversos riscos tanto para a integridade física dos indígenas quanto para a sua cultura. A contração de doenças quando do contato para a aquisição de munição e a sedentarização do povo diante do seu uso para a caça são alguns elementos que exasperam a gravidade concreta da conduta", afirmou o magistrado, na decisão. 

Contato recente
O juiz também ressalta que há elementos a serem valorados negativamente. "Isso porque a arma foi cedida a uma população absolutamente vulnerável, já que os Zo’é são um povo de contato relativamente recente", registrou.

O contato com a etnia data de 1987, quando missionários da MNTB construíram uma base no território Zo’é. As terras foram oficialmente reconhecidas pelo Estado brasileiro, que passou a controlar o acesso a ela para minimizar a transmissão de doenças potencialmente fatais, como a gripe e o sarampo. 

Periodicamente as terras são invadidas por garimpeiros castanheiros. As fronteiras de soja e pecuária também estão ficando mais estreitas. Os missionários foram expulsos da região pouco depois do primeiro contato com a etnia.

Proselitismo
Para o Ministério Público do Pará, a prática desempenhada pela MNTB representa proselitismo religioso, "expediente de todo condenável, uma vez que viola frontalmente o princípio da autodeterminação dos povos indígenas e o direito à manutenção de suas culturas próprias, que, por sua vez, encontram inequívoco abrigo normativo da Constituição Federal de 1988, na Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas e Na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho".

Com a retirada da Missão da área, na década de 1990, Carlos passou a recrutar indígenas para o trabalho de extração de castanhas. O crime só foi flagrado pela Funai em outubro de 2010.

Ao lado do castanheiro Manoel de Oliveira, Luiz Carlos Ferreira chegou a ser denunciado por submeter 96 indígenas a trabalho análogo à escravidão. Ele acabou absolvido desta acusação por falta de provas. 

"O denunciado continuou envidando esforços para levar a 'palavra de Deus' aos Zo'é. Entre as muitas formas de atração e sedução dos Zo'é, cedeu a arma descrita acima [a espingarda] ao Indígena Ipó, quando este foi aliciado, junto com outros 95 indígenas, a trabalhar em condições análogas a de escravidão nos Campos Gerais na Colheita de Castanha", relata o MP na denúncia protocolada contra Ferreira em 2016. 

Sétima era
De acordo com informe do MNTB, a instituição acredita que "a humanidade vive a sétima era da história sagrada" e que "está destinada a ver a consumação dos tempos com a segunda vinda de Cristo, o que só será realizado através da 'conquista das últimas fronteiras desse mundo'". 

A "fronteira" diz respeito justamente a alcançar as populações indígenas, aqueles que eles chamam de brown gold, ou "ouro moreno". 

Clique aqui para ler a decisão
0000338-78.2016.4.01.3902

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