Opinião

Celso Pinto, o repórter, um esteta fora de contexto 

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4 de março de 2020, 11h06

É comum no Brasil, dada à influência da cultura católica, endeusar os mortos, tratados como seres atemporais e invisíveis. O jornalista Celso de Campos Pinto mereceria  também todas as honras que seriam conferidas a um obituário redigido por um anglo saxão, pautado pelo rigor. Não tanto pelo enorme feito de ter construído cada tijolo do Valor Econômico, aos 47 anos, depois de uma vitoriosa passagem pela extinta Gazeta Mercantil.

Ele foi o melhor repórter de Economia no século XX e teve uma importância decisiva para decifrar falsas ortodoxias, que beneficiaram os rentistas brasileiros. Foi como Carlos Castello Branco, que traduziu  o regime civil militar e jogou luz na nova oligarquia gestada na democracia. Os novos donos do poder, parafraseando Raymundo Faoro. 

Ambos eram repórteres na essência, apuravam informações com um vasto número de fontes e não apreciavam o título de articulistas, alguns hoje no papel de reprodutores de ideias do establishment quando for do agrado de seus patrões ou das fontes narcisistas. Pinto e Castelinho eram independentes. Havia outro traço em comum entre ambos: o bom humor só acessível a um seleto grupo de amigos. 

Castelinho fora mais sábio: depois de sofrer um infarto, abandona o longo tempo de chefia do velho JB, anos 1970, em Brasília, e se dedica à sua coluna. Pinto, ao contrário, brigou com o corpo. Após o primeiro infarto, emagreceu 20 quilos, e se manteve à frente do jornal econômico até a sua morte profissional em 2003. 

Antes disso, era  um  bonachão, barba aparada e a barriga protuberante. As colunas da Folha e do JB traduziam a complexa economia dos anos 1990. Sem qualquer viés ideológico. Castelinho deixou livros seminais sobre crônicas políticas, como os quatro volumes de “Os Militares no Poder”. Pinto forjou redações de repórteres de Economia e mesmo de Política com a sua onipresença nas redações.

O jornalista, durante jantar em setembro de 2002, com o empresário Benjamim Steinbruch, no recém criado Hotel Hyatt, em São Paulo, era um homem muito tenso, atento às últimas pesquisas da disputa presidencial, vencida com folga por Lula. Nem lembrava do estilo relaxado. Riu somente quando falou da fascinante Londres, onde fora correspondente da Gazeta, cidade em que Benjamin pretendia morar caso o seu projeto de comprar a siderúrgica Corus fosse bem-sucedido (para sorte do empresário, o negócio fracassou e a empresa estrangeira derreteu).

O editor chefe não morreu jogando tênis em razão de uma parada cardiorrespiratória. 

Celso, homem sábio e o melhor de todas as gerações, morreu por não ouvir o seu corpo fatigado por uma pressão de uma redação de 160 jornalistas e na busca permanente por resultados exigidos pelo mercado a quem tanto criticava com a sutileza de um esteta em suas colunas de terça-feiras e quinta-feiras. 

Não teve a sabedoria de Castelinho, que morreu ativo aos 72 anos. 

Era um garimpeiro da informação, um homem inteligente. Tinha uma pequena dose de Mario Henrique Simonsen: um esteta fora de contexto. Sabia que aquele esforço descomunal para um homem saudável já seria o assassinato profissional. Imagina para um recém-infartado. Prematuro e previsível aos 50 anos o fim da sua trajetória de repórter e editor. Viveu em casa até os 67 anos no convívio da família.

Observação: MHS fumou 300 mil cigarros ao longo da vida e, como o pai, morreu de câncer de pulmão. Às vésperas de completar 62 anos. Começou com o Lincoln, um estoura peito, como ele dizia aos risos, já nas fase das sessões de quimioterapia e de radioterapia. Mário Henrique, às vezes, debochava do seu próprio destino.

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