Opinião

A suspensão ilegal da contratação de professores por parte do MEC

Autor

  • Gilberto Morbach

    é doutorando e mestre em Direito summa cum laude pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos como bolsista do CNPq editor do Estado da Arte (Estadão) e membro do Dasein — Núcleo de Estudos Hermenêuticos e da Iris Murdoch Society.

3 de março de 2020, 7h02

Nestes nossos tempos, mais interessantes que os da apócrifa maldição chinesa, certas ilegalidades passam despercebidas. Não porque raras ou desimportantes, mas exatamente pelo contrário: pelo excesso. A constante do Brasil de 2020 é exaurir todos os limites do possível e do absurdo. Nesse sentido, por uma questão de responsabilidade — intelectual, política, moral —, a tarefa que a consciência e a lucidez impõem é a de dizer que, afinal, o rei está nu.

Manchete do Portal UOL, ainda ao início do mês, informa que “MEC segura quase 20 mil contratações, e federais temem falta de professores”. A notícia é tão grave quanto simples, tão simples quanto grave: o MEC suspendeu o preenchimento de 19,5 mil vagas de professores e técnicos aprovadas na Lei Orçamentária Anual de 2020.

No início do ano, o Ministério da Educação emitiu comunicado informando que as nomeações seriam suspensas até que a LOA fosse sancionada. A Lei Orçamentária foi sancionada. Mesmo assim, não apenas a suspensão de contratações não foi revertida, o MEC ainda enviou novo ofício às universidades e institutos federais vedando o aumento de despesas com pessoal ativo e inativo.

Basicamente, uma portaria e um ofício do MEC passam por cima das leis e de toda a principiologia e estrutura normativa constitucional, fragilizando as instituições de ensino e colocando em risco o próprio conceito de educação universitária (que, afinal, depende de recursos e professores para que seja algo mais do que uma abstração). Os riscos são óbvios. A questão jurídica também.

Primeiro ponto: o Decreto 7.485/11 dispõe que a contratação de professores independe de autorização específica e é facultada às universidades federais.

Segundo ponto, muito bem lembrado pelo professor Gregório Grisa (autoridade quando o assunto é educação): reitores não têm gerência sobre o pagamento da folha. Despesa de pessoal não é ato discricionário de gestão. O problema que se atribui às instituições federais de ensino não é delas.

Terceiro ponto, e essa é uma questão lógica: primeiro, o MEC diz que há que se aguardar a sanção da LOA; a LOA é sancionada; as contratações seguem suspensas, e o MEC restringe recursos discricionários e gastos obrigatórios de uma forma que impossibilita a concretização daquilo que está previsto na própria Lei Orçamentária Anual já sancionada.

Ou seja, a suspensão das contratações e a restrição orçamentária não se sustentam nem mesmo na lógica articulada pelo próprio Ministério da Educação.

E tudo isso para ficar na esfera ainda mais básica, operando a partir dos argumentos do próprio MEC. Que dizer então do cenário mais amplo? Qual é a situação de um país que busca resolver seus problemas de orçamento tendo a universidade como bode expiatório? E mais, um país que decide atacar o alvo errado por meio de um ofício que reivindica uma força normativa maior que a das leis aprovadas democraticamente pelo Congresso Nacional?

Há quem diga que o império da lei seja uma questão de opinião pública, de respeito dos cidadãos às instituições. Isso é verdadeiro, mas é vago. Há quem diga então que o império da lei seja algo que cabe aos tribunais. O problema é que o Judiciário é o mais frágil dos poderes, o que faz com que também suas decisões dependam do respeito tanto das pessoas quanto dos demais poderes.

O Executivo é uma das chaves. É um reflexo do modo como as autoridades máximas da administração direta pensam e agem.

A educação e o império da lei estão em risco. O excesso de ilegalidades não pode fazer com que cada uma delas pareça menor e acabe ficando perdida em meio a tantos outros absurdos.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!