Democracia em vertigem

"Dicionário da Escuridão à beira do abismo": Bob Fernandes relê os últimos 15 anos

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30 de maio de 2020, 10h13

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Vídeo de Bob Fernandes constrói "crônica de uma morte anunciada"
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Recessão democrática. Essa é uma das expressões usadas por cientistas políticos contemporâneos para descrever o processo de crises democráticas experimentados atualmente por vários países. O roteiro é conhecido. Basta folhear livros de história para encontrá-lo: para conter crises de variadas ordens, elites políticas fazem vista grossa aos arroubos tirânicos de um candidato a líder nacional, mesmo que isso implique em também desprezar, em prol de um suposto bem maior, o estado democrático de direito. Quando o tal líder chega ao poder, percebem que é tarde demais.

No Brasil, o roteiro tem sido seguido à risca. É o que nos mostra outro roteiro, feito pelo jornalista Bob Fernandes, no centésimo vídeo de seu canal no youtube. Trata-se do episódio "Dicionário da Escuridão à beira do abismo. Coletânea de palavras, frases, signos dos últimos 15 anos", no qual Fernandes justapõe os conceitos que permearam o imaginário social do período, criando uma narrativa que explicita como chegamos a este maio de 2020.

O primeiro ato começa com o "Mensalão", seguido pela reação dos que queriam apear o governo da época. Numa difusa tentativa de combater o que seria a corrupção do sistema político, os reacionários logo empunharam suas outras bandeiras: "Bolsa família é esmola", "meritocracia", "o Brasil não tem racismo". O tom foi subindo: "bandido bom é bandido morto", "humanos direitos" etc. E trataram de rotular seus adversários políticos: "petralha", "esquerda caviar", "kit gay".

No segundo ato, vieram "Petrolão" e "lava jato": "Não temos prova, mas temos convicção". O objetivo inicial — tornado claro na narrativa de Fernandes — é alcançado: "impeachment". Política e Direito — ou falta dele — amalgamam-se para construir as pontes para o futuro (que hoje é nosso presente em forma de pinguela em ruínas). Sergio Moro e Globo, aliás, são personagens centrais no enredo desenhado por Fernandes.

O terceiro ato é precedido dos caminhos para a eleição do atual presidente: "Facada", "mamadeira de piroca", "Moro vaza Palocci", "Fechar o STF", "Um soldado e um cabo". "BolsoDoria", "BolsoWitzel".

Após a eleição de 2018, um vírus intensifica a crise. O racha das elites se cristaliza: "Moro vaza Bolsonaro", "Moro vaza". "Moro é comunista". "O general Heleno ameaça o STF e a democracia", "Militares da reserva ameaçam com guerra civil".

O fim da história ainda não está dado. Mas Fernandes, que não é engenheiro de obra pronta, escancara que qualquer um poderia ter vislumbrado a construção de pilares de areia.

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