Opinião

Os males da pandemia legislativa para as relações de consumo

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30 de maio de 2020, 9h05

A pandemia da Covid-19 tem gerado fortíssimos impactos nas relações jurídicas e uma série de iniciativas legislativas para regulação de tais efeitos estão surgindo. O PL 1.179/2020 é um dos maiores exemplos dessa frente. Submetido à sanção presidencial, o PL já aprovado pelas casas legislativas estabelece o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado.

Quanto às relações de consumo, o PL 1.179/2020 veda a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações entre empresas e traz a suspensão temporária do prazo de arrependimento para compras de produtos perecíveis, realizadas por delivery.

Mas há outras dezenas de projetos de lei, sobre os mais diversos setores da economia, muitas vezes sugerindo a criação de um novo regramento para um tema já razoavelmente regulado e com boa segurança jurídica.

Por exemplo, no Senado Federal tramitam os Projetos de Leis 881/2020 e 768/2020, que versam sobre a regulação dos preços de produtos e serviços durante a pandemia. Na Câmara dos Deputados, tem-se a mesma discussão, via PLs 1.087/2020, 734/2020 e 1.080/2020.

 A tutela financeira do consumidor está igualmente em discussão, com propostas para impedir inscrições de consumidores em cadastros de crédito durante a calamidade (PL 675/2020) e para suspender a cobrança de multas e juros (PL 1.208/2020 e 1.209/2020). Já o PL 2.024/2020 cria o Programa Nacional Emergencial nas Linhas de Crédito do Rotativo do Cartão de Crédito e do Cheque Especial, cuja tramitação poderá ocorrer em conjunto com o PL 1.166, que propõe o estabelecimento de limites para as concessões de crédito

Por sua vez, o PL 2.021/2020 pretende a anulação de multas previstas nas chamadas cláusulas de fidelidade, muito comuns nos serviços de telecomunicações.

No campo da saúde, projetos de lei em tramitação no Senado sugerem índices máximos de reajuste dos planos de saúde, como é o caso dos PL 2.101/2020 e 2.112/2020, e a redução pela metade do valor da mensalidade (PL 1.994)

Outros projetos de lei pretendem assegurar a cobertura de atendimentos pelos planos de saúde, sem exclusão de emergências ou limitações de prazos, como o PL 1.991/2020, pendente no Senado. A matéria é também objeto de projeto de lei similar na Câmara dos Deputados (PL 846/2020).

Em ambas as casas legislativas, há ainda projetos de lei, como os PL 703/2020, 783/2020 e 1.377/2020, que visam a assegurar a continuidade da prestação de serviços essenciais tais como telefonia fixa, luz, água, gás e esgoto mesmo diante da inadimplência do consumidor.

Não bastasse a pandemia legislativa no âmbito federal, há outras dezenas de iniciativas legislativas em cada Estado. A manutenção dos serviços essenciais é um exemplo, via o PL 148/2020, em trâmite na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, e o PL 23.792/2020, da Bahia.

Mensalidades escolares também estão sendo objeto de discussão em nível estadual, notadamente no Maranhão e em Pernambuco.

São inegáveis os efeitos da pandemia sobre o mercado de consumo, mas a cautela e a prudência devem balizar as intervenções propostas sobre as relações jurídicas.

Ainda que diante de difícil e delicado cenário social e econômico, a atuação do Poder Legislativo deve ser cirúrgica e se restringir à regulação de situações que efetivamente necessitem de ajuste neste momento, mantendo-se sempre como norte o resguardo da segurança jurídica.

 A pandemia legislativa em nível estadual preocupa ainda mais e a  constitucionalidade de tais iniciativas é questionável. Por exemplo, o artigo 22, IV, da Constituição Federal estabelece a competência privativa da União para legislar sobre águas, energia e telecomunicações, objetos centrais de muitos mencionados projetos de lei.

O embate já ensejou a propositura de ações diretas de constitucionalidade, como é o caso da demanda proposta em face da Lei nº 8.769/2020, do Estado do Rio de Janeiro, que proibiu cortes na prestação do serviço de energia elétrica.

Mesmo em meio à pandemia, há relações jurídicas estáveis e direitos adquiridos que não apenas não carecem de reparo, mas que, na contramão do que se pretende, podem vir a ser profundamente prejudicados por eventuais inovações normativas, ainda que transitórias. Serenidade e segurança jurídica são sempre bons remédios.

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