Jogo duro

Epidemia da Covid-19 apresenta desafios inéditos ao Direito Esportivo

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30 de maio de 2020, 8h09

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Entrada em campo da Covid-19 trouxe desafios inéditos ao Direito Esportivo

A Covid-19 entrou em campo e obrigou o futebol a fazer um intervalo muito maior do que os 15 minutos habituais. Uma parada inédita que desperta uma série de questões legais e administrativas não só no esporte mais popular do planeta, mas em todas as modalidades profissionais.

O maior impacto com toda certeza foi o adiamento da Olímpiada de 2020 no Japão. A decisão inédita de adiar a competição irá provocar um prejuízo estimado em R$ 14,4 bilhões (na cotação de 26/5). A informação é do jornal japonês especializado em finanças Nikkei, que prevê um custo extra de US$ 2,7 bilhões.

O impacto mais imediato será sentido nos contratos. “Temos que pensar que o ciclo olímpico é de quatro anos e por mais que tenhamos uma alteração, ainda que pequena, muda tudo. Na questão dos contratos também teremos um impacto muito grande. Não sabemos como será daqui a um ano. É natural que patrocinadores busquem renegociar contratos por valores menores para compensar a perda de exposição de marca”, explica o advogado Luiz Marcondes, sócio da área de Direito Esportivo do escritório Benício Advogados Associados.

No Brasil, o maior impacto é no futebol. Marcondes lembra que, apesar das sinalizações do governo e de alguns dirigentes pela retomada dos torneios, a Fifa emitiu um diploma específico para lidar com a pandemia da Covid-19. “O documento dá orientações claras de que nenhuma partida, jogo ou competição valem uma vida. Então, o futebol vai voltar conforme a realidade de cada lugar. E a Fifa é clara ao dizer que isso deve acontecer dentro de critérios científicos”, explica.

Para além da volta ainda incerta das competições esportivas, Eduardo Carlezzo, sócio do Carlezzo Advogados e especialista em direito desportivo, aponta os contratos como o principal desafio do Direito Esportivo em tempos de pandemia. “O impacto é gigantesco na medida que as competições pararam. Os clubes pararam. As receitas caíram e ao mesmo tempo temos contratos que estão em vigência. É preciso interpretar os contratos e buscar soluções para que eles possam ser cumpridos e evitar uma inadimplência generalizada”, diz,

Carlezzo também pontua que a pandemia da Covid-19 irá basicamente mudar todos os contratos futuros. “Estou trabalhado em um contrato específico com cláusulas e caso fortuito e de como isso deve ser interpretado se continuarmos nesse cenário de pandemia”, explica.

Saídas e especificidades
Carlezzo é um defensor ferrenho da transformação dos clubes brasileiros em empresas e acredita que a viabilização disso pelo Congresso Nacional pode ser a tábua de salvação dos times em um cenário pós crise. “É preciso criar mecanismos para dar alguma estabilidade financeira aos clubes. A principal ação é permitir aos clubes interessados se transformar em empresas e ter acesso a benefícios fiscais. Esse será o principal meio para os times alavancarem receitas nos próximos anos”, comenta.

O advogado também defende uma reforma da Lei Pelé. “Apesar da nossa legislação estar alinhada com diversas legislações de outros países, é preciso entender que a sociedade está mudando rapidamente e o futebol vai acompanhar isso. Será preciso repensar alguns aspectos da Lei Pelé”, defende.

Além de todos os efeitos da Covid-19 no esporte, o futebol brasileiro também é centro de um importante debate trabalhista recente. Trata-se da decisão que favoreceu o ex-zagueiro do Corinthians, Paulo André e o meia Maycon (atualmente no Grêmio) contra o seu ex-clube, o São Paulo. Os atletas cobraram de Corinthians e de São Paulo, respectivamente, pagamento de valores referentes a adicionais noturnos, atividades.

No caso de Paulo André, o zagueiro se manifestou publicamente após a divulgação da decisão que condenou o Corinthians a pagar R$ 750 mil ao seu ex-atleta. “O jogo de futebol acontece também aos domingos, qualquer um sabe disso. O pedido de descanso semanal remunerado não tinha nada a ver com jogar às quartas-feiras à noite ou aos domingos. O descanso semanal é um direito de todo trabalhador e pode ser dado em qualquer outro dia da semana — segunda, terça quarta, etc. Mas por causa do calendário de futebol no Brasil, ele é difícil de ser dado, o que não quer dizer que não precisa ser dado, pago ou ajustado dentro da especificidade da função de atleta de futebol. De qualquer forma, repito, fiz o acordo e abri mão de reclamar isso”, disse o ex-atleta ao site Gazeta Esportiva.

Como resposta a decisão, o Corinthians entrou com um pedido junto à Federação Paulista de Futebol e à CBF solicitando que suas partidas não sejam mais marcadas para o período noturno ou aos domingos.

Ao analisar o caso, Carlezzo afirma que o conteúdo dessas duas decisões é preocupante. “As decisões desconsideram completamente as especificidades do futebol. De como funciona uma carreira de um jogador de futebol e a essência do futebol profissional, que é disputar partidas à noite no final de semana. Você não pode simplesmente aplicar aos atletas todas as normas de um trabalhador de uma indústria. Espero que essas decisões sejam revertidas nos tribunais superiores porque elas estão trazendo nesse momento uma grande insegurança jurídica”, explica.

O advogado aponta que, caso não haja uma reversão dessas decisões, pode ocorrer uma enxurrada de ações na justiça trabalhista. “Podemos ter ações contra todos os clubes do país, pois todos os times jogam nesses horários. Isso pode ser revertido por uma decisão do TST ou mesmo por uma modificação da Lei Pelé que inclua claramente que não se paga adicional nessas circunstâncias”, finaliza.

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