Reflexões trabalhistas

Adequação do meio ambiente do trabalho em tempos de Covid-19

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é consultor Jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e autor de livros jurídicos.

29 de maio de 2020, 8h00

Spacca
Meio ambiente do trabalho é "o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores".

Essa definição é das mais abrangentes, pois não se limita a tratar do assunto apenas em relação ao trabalhador classicamente conhecido, como aquele que ostenta uma carteira de trabalho assinada. Isto é importante e está dentro do contexto maior assecuratório do meio ambiente equilibrado para todos, como estabelece a Constituição (art. 225, caput), uma vez que a definição geral de meio ambiente abarca todo cidadão, e a de meio ambiente do trabalho, todo trabalhador que desempenha alguma atividade, remunerada ou não, homem ou mulher, celetista, autônomo ou servidor público de qualquer espécie, porque todos receberam a proteção constitucional de um ambiente de trabalho adequado e seguro, necessário à sadia qualidade de vida.

O meio ambiente do trabalho não se restringe ao local de trabalho estrito do trabalhador, o qual abrange o local de trabalho, os instrumentos de trabalho, o modo da execução das tarefas e a maneira como o trabalhador é tratado pelo tomador de serviços e pelos próprios colegas de trabalho. Para que haja um meio ambiente de trabalho seguro, adequado e livre de riscos, é necessário que os tomadores de serviços assegurem "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" (inc. XXII do art. 7º da CF). Quer dizer, cabe aos tomadores de serviços, em primeiro lugar, orientar e informar os trabalhadores sobre os riscos a que estes estão expostos na execução do seu trabalho e proporcionar as medidas individuais e coletivas adequadas para cada situação, de acordo com as normas legais atinentes e orientações das autoridades competentes.

Neste momento de pandemia do novo coronavírus há quem indague se é possível flexibilizar o conceito de meio-ambiente equilibrado e da consequente Covid-19. Sobre esta questão cabe ponderar que o meio ambiente do trabalho sadio e adequado é um direito fundamental inerente à própria condição humana, porque com ele se visa proteger a saúde e a vida das pessoas. Desta forma, não é possível flexibilizar o conceito de meio ambiente e muito sua aplicação em tempos de pandemia. Ao contrário, é necessário enfatizar mais ainda a sua importância e a adoção de medidas de proteção aos trabalhadores, porque o vírus da Covid-19 proporciona risco grave e iminente não somente para os trabalhadores, mas para todas as pessoas do planeta.

A contaminação dos trabalhadores não é um problema apenas deles. É dele, mas é sobretudo um problema de todos: dos empregados, dos empregadores e da sociedade. Um trabalhador contaminado no local de trabalho pode contaminar muitos outros e formar uma grande cadeia de contaminação, incluindo o próprio empregador. A questão é de ordem pública e embora não sejam os empregadores causadores da contaminação pelo coronavírus, o trabalhador poderá se contaminar nos locais de trabalho em razão de seu patrão não adotar medidas sanitárias básicas, como, por exemplo, um protocolo de segurança e o fornecimento de equipamentos de proteção individual e coletiva, orientando e informando os trabalhadores sobre os riscos a que estes estão expostos.

Em outras palavras, os empregadores podem não ter como evitar a contaminação pelo coronavírus, mas poderão e deverão contribuir para evitar essa contaminação.

Vejamos, por exemplo, algumas orientações simples para prevenir a Covid-19 nos ambientes de trabalho (Cf. a OMS): manter o ambiente de trabalho higienizado e desinfetado (superfícies, mesas, objetos, telefones, teclado etc.), incentivar os funcionários a lavarem as mãos regularmente, manter abastecidos recipientes de higienização das mãos (sabão, álcool gel etc.), colocar pôsteres e avisos incentivando a lavagem das mãos, promover workshops de segurança e prevenção, manter boas condições de higiene respiratória nos ambientes de trabalho, garantir que máscaras faciais ou lenços estejam disponíveis nos ambientes de trabalho, assim como lixeiras fechadas para o seu descarte, comunicar os funcionários que qualquer um que apresente febre (mesmo que pouca) fique em casa, manter distância mínima segura entre as pessoas e, onde não for possível utilizar barreira física ou protetor mais potente, promover o Home Office sempre que possível, garantir cuidados sobre a saúde mental dos funcionários e dos impactos sociais que a pandemia pode causar, seguir as orientações das autoridades locais, regionais e nacionais, revisar lay outs e métodos de produção, ajustando-os para atender às necessidades sociais de distanciamento.

Caso os empregadores e tomadores de serviços não adotem as medidas cabíveis para adequar os ambientes de trabalho em face do coronavírus, especialmente na volta ao trabalho, ou boa parte dele, que em breve acontecerá, eles poderão ter que responder por eventuais reparações buscadas por trabalhadores contaminados.

Não estamos dizendo que os empregadores são responsáveis pela contaminação dos seus empregados pelo coronavírus, como regra. Não é isso. O que se está a dizer é que se eles não cumprirem a parte que lhes cabe: adotar protocolo de prevenção, fornecer equipamentos de proteção individuais e coletivos e informar e bem orientar seus empregados, poderão, amanhã, ser chamados a responder por pedidos de reparação civil.

Em tais situações será examinado pelo Poder Judiciário cada caso, levando em conta as peculiaridades que o cercam.

Neste caso, será analisado o inc. XXVIII do art. 7º da Constituição Federal, que garante aos trabalhadores "seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa".

Assim, o empregador que agir com culpa ou dolo poderá ter que responder pelo pagamento de indenização de natureza civil.

Caberá ainda analisar a aplicação do art. 927 do Código Civil, que diz que "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187 ), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo" e seu parágrafo único, que estabelece que "haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem"

Quer dizer que nas atividades de risco (risco acentuado), a responsabilidade do empregador é objetiva, ou seja, independe de culpa.

Sabe-se que hoje são muitos os trabalhadores em atividade, trabalhando para salvar as vidas das outras pessoas, os quais estão expostos a riscos acentuados nas atividades que desenvolvem.

Assim, seja qual for a atividade desenvolvida pelo trabalhador, devem os tomadores de serviços tomar todas as precauções possíveis e adotar as medidas de prevenção cabíveis para evitar o agravamento da contaminação com o coronavírus. Essa obrigação patronal não é apenas legal, mas, social e, sobretudo, humanitária, na busca da salvação de vidas humanas. Este é o maior objetivo da prevenção.

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    é consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado, doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e professor titular do Centro Universitário UDF e da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP), além de membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros, Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador e Ações acidentárias na Justiça do Trabalho.

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