Opinião

Impactos do PL 11.079/2020 nos contratos de locação em tempos de pandemia

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29 de maio de 2020, 22h05

Buscando um adequado equilíbrio em áreas extremamente complexas e de difícil ponderação entre interesses, como a das locações urbanas, o Projeto de Lei 11.079/2020 teve sua tramitação encerrada no Senado no último dia 19, aguardando a qualquer momento a sanção do presidente da República.

Conforme o artigo 9º da novata legislação, até 31 de dezembro de 2020 ficará vedada a concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo referentes ao artigo 59 da Lei nº 8.245/1991, aplicando-se a regra a partir da sua entrada em vigor apenas às ações ajuizadas a partir de 20 de março.

Essa previsão legal tão esperada visa a efetivar o princípio da dignidade humana, evitando a perda do direito basilar de moradia de milhares de locatários em tempos de grave dificuldade financeira, sem a remissão do débito do aluguel que permanece devido em face do locador.

Cumpre chamar a atenção, entretanto, para o fato de que nas locações residenciais ajustadas com o prazo inferior a 30 meses, findo o prazo estabelecido (o que provoca a sua prorrogação automática por prazo indeterminado), permanece assegurado o direito de retomada do imóvel nas hipóteses previstas no artigo 47, incisos I, II, III e IV, da Lei nº 8.245/91, não se aplicando a tais hipóteses às restrições para liminar de despejo consubstanciadas na PL.

Assim é que, desde que atestadas as características/circunstâncias da locação residencial, conforme supradescritas, fica mantida a possibilidade de retomada do imóvel nos seguintes casos: extinção do contrato de trabalho se a ocupação do imóvel pelo locatário relacionada com o seu emprego; pedido para uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, ou para uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio; pedido para demolição e edificação licenciada ou para a realização de obras aprovadas pelo poder público, que aumentem a área construída, em, no mínimo, 20% ou, se o imóvel for destinado a exploração de hotel ou pensão, em 50%.

Acrescentam-se também as hipóteses ordinárias de desfazimento da locação urbana, quais sejam: mútuo acordo, prática de infração legal ou contratual, falta de pagamento do aluguel e demais encargos e realização de reparações urgentes determinadas pelo poder público que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti-las.

Dessa forma, apenas se atendidas todas as características e circunstâncias da locação residencial urbana, bem como preenchidas quaisquer das hipóteses do artigo 47, I, II, III e IV, da Lei nº 8.245/91, poderemos falar em exceção à vedação da concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano, oportunidade em que não seria o caso de aplicação da inovação legislativa de urgência.

Vale salientar que o Senado Federal decidiu suprimir o artigo 10º da PL que previa a suspensão total ou parcial do pagamento de aluguéis vencíveis a partir de 20 de março até 30 de outubro para os locatários residenciais que sofrerem alteração econômico-financeira.

O entendimento entre parte dos senadores foi de que o projeto transferia o problema dos locatários para os locadores, além de que a previsão de pagamento de parcelas atrasadas somente a partir de novembro (juntamente com o vencimento dos aluguéis dos meses correntes) causaria maiores problemas financeiros, posto que os locatários não conseguiriam pagar o acúmulo dos valores vencidos e do aluguel mensal.

Em que pese a retirada do artigo, já se tem notícia de ações ajuizadas em tribunais de todo o país com deferimento de suspensão ou simples redução do pagamento do aluguel mensal para os locatários que tiveram sua vida financeira desequilibrada. O fato é que caberá a análise de cada caso concreto pelo julgador, sendo de extrema importância a tentativa de acordo entre as partes a fim de evitar o abarrotamento do Judiciário, principalmente em tempos frágeis de pandemia.

Assim, uma vez mais que evidente a configuração do conflito de interesses opostos no contrato de locação diante do caos instaurado, faz-se necessário conter os excessos em nome da ocorrência do caso fortuito e da força maior. Por outro lado, urge também a observância na fragilidade econômica do momento para que segmentos vulneráveis como os locatários não sofram restrições ao direito à moradia, sendo esse o escopo maior da criação das normas transitórias atinentes à locação urbana no Brasil.

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