Opinião

Os crimes contra a honra do STF

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28 de maio de 2020, 6h34

Depois de muita espera e ansiedade, o decano do STF, ministro Celso de Mello, divulgou o vídeo da reunião ministerial ocorrida em 22 de abril, no Palácio do Planalto. O ministro adotou critérios cautelares que garantiram a manutenção do sigilo das partes do vídeo que versavam sobre as relações do Brasil com outros países.

A divulgação desse material, segundo o ex-ministro Sergio Moro, comprovaria que o presidente da República, Jair Bolsonaro, tinha a intenção irrestrita de aparelhar e interferir diretamente na Polícia Federal.

O vídeo divulgado demonstrou de fato que o presidente estava descontente com a situação da Polícia Federal deixando claro em alguns momentos que aquilo precisaria mudar imediatamente. Muito embora as atenções estivessem voltadas ao que poderia ter sido dito pelo presidente da República, nos parece que o ministro Abraham Weintraub roubou para si a atenção, ao menos dos ministros do Supremo Tribunal.

Em dado momento da reunião, visivelmente irritado com a atuação da Suprema Corte, o ministro da Educação atacou o STF, dizendo que desejaria colocar "esses vagabundos todos na cadeia, começando pelo STF".

A frase, em princípio, pode ser capitulada como um crime contra a honra, bem jurídico tutelado pelo Estado, mais precisamente pelo Código Penal brasileiro, que em seu capítulo V define os crimes que atingem a integridade ou incolumidade moral da pessoa humana.

A honra nada mais é do que "o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome e a reputação" [1].

A Constituição Federal de 1988 garantiu em seu artigo 5º, inciso X, a inviolabilidade à honra, sob pena de indenização, quando nos presenteou com o seguinte texto: "X são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

Há no Direito pátrio uma distinção entre a honra como dignidade, que está ligada ao sentimento pessoal de respeito aos atributos morais, como honestidade e bons costumes, da honra como decoro, que de igual importância está ligada à ideia, ou ao sentimento pessoal de qualidade do homem médio, como os atributos físicos, intelectuais e sociais, todas qualidades essenciais à vida e convívio social.

Há uma singela distinção entre a chamada honra subjetiva, aquela ligada ao sentimento próprio e ao juízo que cada um faz de si, e a honra objetiva, que envolve o meio social e o juízo que fazem do indivíduo na sociedade ou no grupo a ele pertence. Todavia, seja honra subjetiva ou objetiva, fato é que o rol de crimes contra a honra no Código Penal visa a resguardar a incolumidade individual de cada cidadão.

A calúnia, capitulada no artigo 138 do Código Penal, visa resguardar a honra objetiva de qualquer pessoa, e para que esse crime ocorra há a necessidade de ter uma "imputação de fato determinado". Esse "fato determinado precisa ser qualificado como crime" e "a imputação precisa ser falsa".

A difamação, capitulada no artigo 139 do Código Penal, é a situação em que alguém propaga um fato que atente contra a reputação de outrem, ou seja, a ofensa precisa estar diretamente ligada à boa reputação da vítima, e nesse caso não importará se a informação é verdadeira ou não, desde que ela tenha força suficiente para ofender a honra e a reputação de quem quer que seja.

E a injúria é o ato de atribuir a alguém uma qualidade negativa, ofensiva a sua dignidade ou ao seu decoro. Diferentemente da calúnia, na injúria não se fala em fato determinado, uma vez que a manifestação deve ser desrespeitosa em relação à vítima, atribuindo-lhe, inclusive, valores demeritórios, que ofendem diretamente sua pessoa ou a sua honra subjetiva.

Parece-nos claro que o ministro Abraham Weintraub afrontou diretamente a honra subjetiva de cada um dos ministros do Supremo Tribunal Federal chamá-los de "vagabundos".

Dessa forma, lembramos que os crimes contra a honra, artigos 138, 139 e 140, calúnia, difamação e injúria, respectivamente, não têm como objetivo expor a honra alheia a perigo, mas, sim, causar uma efetiva lesão à tutela jurídica do Estado. Assim, para a configuração desses crimes não é necessário efetivo dano à reputação da vítima, sendo suficiente macular a honra ou o decoro individual de cada ministro.

Importante lembrar que ministros de Estado não têm as imunidades parlamentares que lhes garantem manifestar opiniões criminosas contra quem quer que seja, possuindo apenas a prerrogativa de foro, o que faz com que possam ser responsabilizados por suas opiniões e manifestações.

O saudoso e então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, referindo-se ao então ministro Romero Jucá, uma vez disse: "Ele não tem imunidade divina pelo fato de ser ministro".

Destaca-se, por sua vez, que a ação penal nos crimes de calúnia, difamação e injúria, como regra geral, é de exclusiva iniciativa privada (artigo 145, do CP), ou seja, o ofendido é que precisa promover a ação judicial, todavia, ela será pública condicionada (artigo 145, parágrafo único) quando: I) praticada contra presidente da República ou contra chefe de governo estrangeiro (com requisição do ministro da Justiça); e II) contra funcionário público, em razão de suas funções (com representação do ofendido), o que nos parece ser o que mais se encaixa para o caso.

Significa dizer que os ministros do STF, individualmente, caso tenham se sentido ofendidos e queiram responsabilizar criminalmente o ministro da Educação, poderão oficializar um termo de representação criminal ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que dará início à persecução penal.

A guerra de ideias e acusações políticas está só começando, ainda que em meio a uma pandemia de Covid-19. Esperamos que ao término de tudo não descubramos que estávamos em uma guerra pírrica e que nada sobrou deste país tão maravilhoso.

 


[1] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

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