Segurança na crise

Setor sucroalcooleiro enfrenta epidemia e insegurança jurídica, dizem economistas

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28 de maio de 2020, 17h17

Entre 1933 e 1999, por meio do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), extinto em 1990, e depois por órgãos sucessores, o governo orientava, fomentava e controlava a produção e o preço do setor sucroalcooleiro. Em 1986, com o enfraquecimento do Proálcool, criado 11 anos antes, a maior parte dos produtores começou a tomar prejuízo por conta do controle de preços, indo inúmeros a falência.

ConJur
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No início da década de 1980, o setor foi à Justiça para reaver o prejuízo levado pelo tabelamento entre os anos de 1985 e 1999. Em 2013, o Superior Tribunal de Justiça decidiu a favor das usinas, mas cerca de 28% delas ainda não conseguiram receber os precatórios.

À parte, nos anos 2010, quando o governo Dilma Rousseff retomou o controle artificial de preço dos combustíveis mediante seu poder de controle sobre a Petrobras, o que novamente gerou danos ao setor.

Em 2013, o Superior Tribunal de Justiça decidiu contra as usinas no caso "Matary", exigindo que fosse demonstrado o chamado "prejuízo contábil" como requisito para a concessão da indenização, sem considerar o preço remuneratório que fora apurado pelo governo, à época, por intermédio da Fundação Getulio Vargas, e que não foi seguido na fixação dos preços. Ressalvou, naquela ocasião, os casos que já haviam transitado em julgado com a condenação da União a partir do critério da FGV.

Em função disso, cerca de 20% das usinas ainda não tiveram seus casos definitivamente julgados.

A Usina Matary, então, entrou, em 2015, com um recurso no Supremo Tribunal Federal. Alega ter havido a comprovação do efetivo dano econômico, por perícia, a partir do parâmetro que vinha sendo aceito pelo STF para a concessão das indenizações: o apurado pela FGV e não os custos contábeis individuais. O relator da ação, ministro Luiz Edson Fachin, votou contrariamente. No último mês de abril, o Plenário Virtual do STF suspendeu o julgamento.

Segundo a AGU, o impacto nos cofres públicos seria de cerca de R$ 70 bilhões. As usinas contestam o número. Falam em R$ 8 bilhões.

A discussão se dá em torno de pedidos de indenização de mais de 290 usinas que reclamam de prejuízos decorrentes da política de fixação de preços adotada pelo governo. Muitas delas já têm a seu favor decisões transitadas em julgado seguindo o critério da FGV.

O ministro Alexandre de Moraes pediu vista — mais tempo para análise. E ainda não há data para o processo voltar a julgamento, que estava com três votos favoráveis ao setor e dois para a União.

O relator deu razão ao governo (leia voto abaixo) e foi acompanhado pela ministra Rosa Weber. Para Fachin, é imprescindível uma perícia técnica para comprovar prejuízo em cada caso concreto. Já os ministros Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Marco Aurélio Mello votaram a favor do recurso da Matary.

Em debate na tarde desta quinta-feira na TV ConJur, pela série "Segurança na Crise", os economistas Maílson da Nóbrega (ex-ministro da Fazenda entre 1998 e 1990), Plinio Nastari (presidente da Datagro) e José Roberto Afonso (professor do IDP e doutor em Economia) discutiram o impacto da epidemia e a possível mudança na jurisprudência pelo Supremo no setor sucroalcooleiro.

"É um setor que gera mais de 2 milhões de empregos diretos, que sofre um impacto duplo, da pandemia e do preço internacional do petróleo, que teve uma forte queda, quase que inviabilizando o preço do etanol. Fora que o governo está levando em conta agora pagar só as usinas ineficientes, ao considerar o custo contábil delas. É preciso levar em conta o diferencial de preço praticado na época. Está em jogo aqui a relação econômica em todos os setores, a segurança jurídica. O Judiciário precisa promover um sistema legal crível, confiável," disse Nastari.

Para o ex-ministro Maílson da Nóbrega, a Petrobras, diferentemente dos tempos do governo Temer, não tem praticado as variações internacionais. "Estima-se que haja uma defasagem de 20% no preço da gasolina, que afeta diretamente o preço do etanol."

Segundo Afonso, o país está a um passo de mais uma longa depressão econômica, "e o passado não vai iluminar o futuro". "Mas deixá-lo incerto agora, caso a jurisprudência seja revertida pelo Supremo, seria uma catástrofe. Era o que faltava. Primeiro a insegurança econômica. Agora, a jurídica."

"O setor se engajou na palavra do governo. Da produção de 500 milhões de litros, saltou-se para 35 bilhões hoje", completa Maílson. "Não faz o menor sentido agora que o próprio governo venha causar um dano irreparável ao setor."

ARE 884.325
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