Invasão de competência

Juiz não pode arquivar termo circunstanciado de ofício, diz Turma Recursal do RS

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28 de maio de 2020, 8h22

O Ministério Público é o titular da ação penal pública, diz o inciso I do artigo 129 da Constituição. Logo, só ele pode pedir o arquivamento de uma denúncia, arguindo atipicidade do fato, que será homologada ou não pelo Poder Judiciário.

Motivado por este fundamento, a Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais do Rio Grande do Sul desconstituiu decisão judicial que determinou o arquivamento, de ofício, de um termo circunstanciado instaurado contra um homem flagrado na posse de entorpecentes na Comarca de Porto Alegre, em razão da atipicidade da conduta.

Termo circunstanciado
O termo circunstanciado foi instaurado com o objetivo de apurar, em tese, o delito tipificado no artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/06), uma vez que com o réu foram encontradas porções de maconha, pesando aproximadamente 45,6g no total. A descrição desta apreensão constou no Boletim de Ocorrência (B.O.) policial.

Ao analisar o pedido de designação de audiência preliminar, o juiz Léo Pietrowski, do Juizado Especial Criminal do Foro Regional do Sarandi, determinou, de ofício, o arquivamento do expediente criminal. Motivos: atipicidade da conduta e pela incompatibilidade do seu aspecto material (normativo) com os princípios da intervenção mínima e da dignidade da pessoa humana.

"Não ocorrendo lesão ao bem jurídico tutelado no fato imputado ao réu, uma vez que não importou em lesão concreta a direitos de terceiros e, tampouco, à saúde pública, declaro atípica a conduta de posse de entorpecentes", expressou o julgador no despacho.

Recurso criminal provido
Da decisão, o MP-RS interpôs recurso crime. Sustentou a impossibilidade do arquivamento de ofício, bem como a tipicidade penal da conduta e a constitucionalidade da criminalização da posse de drogas para consumo. Pediu a reforma da decisão e o regular prosseguimento da ação penal.

O relator do processo na Turma Recursal Criminal, juiz Luciano André Losekann, cassou a decisão, por entender que o juízo invadiu a esfera de atribuições do Ministério Público – o verdadeiro titular da ação penal. Com o provimento do recurso, ele determinou o prosseguimento da ação.

Na fundamentação, o julgador acenou com precedente do Superior Tribunal de Justiça. Registra a ementa do acórdão do Agravo Regimental no REsp 1578376/SP: "A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que compete ao Ministério Público, na condição de dominus litis, promover a ação penal pública, avaliando se as provas obtidas na fase pré-processual são suficientes para sua propositura, por ser ele o detentor do jus persequendi. Portanto, não cabe ao magistrado assumir o papel constitucionalmente assegurado ao órgão de acusação e, de ofício, determinar o arquivamento do inquérito policial."

Conduta não descriminalizada
Para Losekann, a Turma vem sustentando que a posse de drogas para uso próprio configura a conduta ilícita prevista no artigo 28 da Lei das Drogas, independentemente da quantidade apreendida, por afetar bem jurídico tutelado — a saúde pública. Assim, não configura hipótese de autolesão.

"Pelo mesmo fundamento, afasta-se a aplicação do princípio da insignificância aos delitos da espécie, uma vez que esta não reside na quantidade da substância apreendida, mas na sua potencialidade lesiva, com todas as consequências pessoais e de fomento da macrocriminalidade que a conduta enceta", complementou.

Para o relator, este tipo de infração, por ser de menor potencial ofensivo, comporta a aplicação de penas mais brandas do que a privação da liberdade. No entanto, esta possibilidade não significa a descriminalização da conduta. "No mais, a prova da materialidade e os indícios mínimos de autoria apurados na fase policial mostram-se suficientes para lastrear a pretensão acusatória, ensejando o prosseguimento do feito."

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Processo 2.19.0082118-2 (Comarca de Porto Alegre)

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