Justiça Eleitoral é uma peça-chave da democracia brasileira
27 de maio de 2020, 11h15
No momento em que toma posse o novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, é importante destacar a função da Justiça Eleitoral como peça-chave da democracia brasileira.
Mesmo nessa hora dramática, quando a pandemia se propaga em meio à elevada temperatura política, é preciso manter alguma distância das circunstâncias e, muito especialmente, deixar de lado cálculos eleitorais e oportunismos de toda ordem. Os princípios e as lembranças da história são sempre ótimos conselheiros.
É preciso lembrar, por incrível que pareça, que uma das principais características do regime democrático é a possibilidade de alternância no poder. É condição intrínseca à democracia que cada contendor saiba que é possível que seu adversário vença e que, nesse caso, será necessário aceitar a eventual derrota. Faz parte das regras do jogo, também, que algum tempo depois ocorra nova disputa. E aí, novamente, o perdedor, qualquer que seja, terá que se curvar.
Certo é que a democracia implica em que nem os derrotados, e menos ainda os eleitos que assumiram o poder, possam sequer cogitar em mudar as regras do jogo. O golpe, por qualquer de suas formas, é incompatível com a ideia de democracia, em qualquer lugar do mundo.
A Justiça Eleitoral foi criada no Brasil em 1932 como instituição moralizadora, por inspiração da Revolução de 1930, com o objetivo de organizar eleições livres e eliminar do processo eleitoral as escandalosas fraudes que eram rotineiras.
A instituição desapareceu na Carta de 1937, com o Estado Novo, mas voltou com a Constituição de 1946. O pós-guerra é, no mundo todo, uma tentativa de conciliação entre os direitos individuais clássicos, os novos direitos econômicos e sociais e uma vigorosa reafirmação dos direitos políticos e de restauração dos regimes democráticos.
Os constituintes desse período, aqui como na Europa, têm presente a trágica lembrança do eclipse de liberdade havido sob o fascismo e o nazismo. Mais uma vez, entretanto, a vontade manifestada pelo Poder Constituinte não foi suficiente para garantir a continuidade do processo democrático brasileiro.
Superados os anos de chumbo, que instituíram as vergonhosas "eleições indiretas", eufemismo típico das ditaduras, podemos constatar as importantes conquistas do nosso processo eleitoral.
Após o vigoroso movimento pelas eleições diretas, em 1984, e a promulgação da Constituição de 1988, nosso país convive com o processo democrático, caracterizado pela alternância no poder por meio de eleições diretas e livres.
O Brasil foi o primeiro país do mundo implantar as urnas eletrônicas, e elas têm sobrevivido a todas as críticas, pois nunca se encontrou qualquer fraude ou disfunção em muitos anos.
A Justiça Eleitoral, ao analisar as prestações de contas dos partidos e dos candidatos, procura cada vez mais ir além da mera regularidade formal, verificando se os documentos apresentados correspondem a receitas e despesas reais e legítimas.
Ainda não se encontrou maneira de eliminar as criminosas movimentações financeiras paralelas, o "caixa dois", mas não se admitem mais prestações de faz de conta. Os controles melhoram e cada vez mais as fraudes detectadas geram providências não só criminais, mas de ordem constitucional, com possibilidade de inelegibilidade e cassação de mandato.
É importante lembrar que, até pela natureza de sua missão, a Justiça Eleitoral acabou por se destacar como uma prestadora de serviços ágil e moderna, com as seguintes peculiaridades:
1) Informatização. O processo, iniciado em 1986, chegou a bom termo com o recadastramento do todos os eleitores do país. Ocorreram em perfeita ordem e reconhecido sucesso as eleições gerais desde então. E está em estágio avançado o cadastramento biométrico de todo o eleitorado;
2) Descriminalização. A lei eleitoral diminuiu os comportamentos tipificados como crimes e aumentou as sanções pecuniárias e políticas, indo até à cassação de registro de candidatos e de mandatos. Tal opção acabou por aumentar a efetividade das decisõe;
3) Despenalização. A grande maioria dos crimes eleitorais é constituída de delitos de pequeno potencial ofensivo, que ensejam medidas alternativas. Assim, na prática, a Justiça Eleitoral quase não tem réus presos;
4) Simplificação e desburocratização. Celeridade dos prazos, que chegam a ser contados em horas. Pronta executividade das decisões. Intervenção em tempo real, nas situações graves;
5) Consideração de todos os meios de prova, inclusive fotografias, gravações, vídeos, correio eletrônico etc. O rádio, televisão, os vídeos e as gravações eletrônicas são instrumentos corriqueiros de trabalho;
6) Submissão às formas e ao direito de defesa, sem qualquer apego ao formalismo exagerado. "O formalismo exagerado é moléstia. Já a formalidade liga-se à certeza e à segurança do direito", ensinava o saudoso Sérgio Pitombo;
7) Conexão com a realidade, em seus múltiplos aspectos. Atenção em tempo real à mídia e aos fatos sociais;
8) Antecipação. Já 2004 foram percebidos os efeitos da internet na eleição presidencial americana. Foi a grande mudança desde o debate Nixon—Kennedy, quando a televisão se tornou prioridade. Só que, em vez de colocar ferramentas de poder nas mãos dos cidadãos, a rede se tornou o mais poderoso instrumento de manipulação política, e até hoje não se encontrou maneira de controlá-la adequadamente.
9) Conexão com a dinâmica do processo social e político. A regulamentação das pesquisas eleitorais, por exemplo, garantiu a liberdade de divulgação, tentando evitar todo tipo de manipulação;
10) Informação à comunidade. Transmissão de orientação e informações aos eleitores, também aos candidatos e meios de comunicação. Mais do que reprimir, importa orientar e prevenir, com indicação clara do que é permitido e do que é proibido.
Esperamos que a presidência do ministro Luis Roberto Barroso aumente ainda a reconhecida legitimidade e o prestígio da Justiça Eleitoral. Nossa democracia, mais do que nunca, precisa dela.
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