Teoria inaplicável

Fato do príncipe não deve prosperar como argumento para governo pagar indenizações

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23 de maio de 2020, 8h14

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Argumento que vem sendo usado por empresas durante pandemia da Covid-19 não deve prosperar na Justiça Trabalhista
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Após ser citado pelo presidente Jair Bolsonaro como possível argumento para empresários repassarem parte dos custos das demissões para os governos municipais e estaduais, o artigo 486 da CLT voltou a ganhar destaque.

Prevê o artigo:

No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.

Conforme números do Termômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho, plataforma organizada pela ConJur, em parceria com a instituição de educação Finted e a startup Datalawyer Insight, a teoria do Fato do príncipe aparece em 357 processos trabalhistas. Desse número, sete são ações coletivas. Os números são desde o último dia 20 de março.

As ações coletivas propostas por sindicatos acionaram a Caixa Econômica Federal, a Rota Transportes Rodoviários, Paquetá Calçados, Capital Distribuidora de Veículos, Mais Car Comércio de Veículos, Peças e Serviços e Renome Refeições Coletivas Eireli.

No processo envolvendo a distribuidora de veículos, por exemplo, o juiz substituto Paulo Nunes de Oliveira, do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, homologou o acordo em que deverão as partes comprovarem a anotação de baixa na Carteira de Trabalho do empregado e entregas das guias CD/SD e chave de conectividade.

O magistrado ainda salientou a importância da entrega dos documentos para entrega do FGTS e que os valores devidos a título de contribuição previdenciária serial recalculados pelo juízo.

Recentemente, grandes empresas como rede de churrascarias Fogo de Chão, a pizzaria Parmê do Rio de Janeiro e a construtora catarinense Elevação usaram o artigo 486 para evitar o pagamento total dos funcionários demitidos.

A tendência é que o argumento não prospere nas instâncias superiores da Justiça Trabalhista. O colunista da ConJur e professor de pós-graduação da FMU, Ricardo Calcini, diz acreditar que o Fato do príncipe previsto no artigo em questão só é valido quando gera a completa impossibilidade de execução do contrato de trabalho.

"Assim, a paralisação temporária ou definitiva do trabalho, por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, deve acarretar, necessariamente, na impossibilidade de continuação da atividade empresarial. Somente nesta situação, caso seja comprovada, é que indenização do FGTS ficará a cargo governo responsável", explica.

Em webinário promovido pela TV ConJur, o ministro Alexandre Belmonte (TST) explicou que o Fato do príncipe é um ato unilateral da autoridade pública capaz de alterar ou distinguir relações jurídicas privadas já constituídas para atendimento do interesse público a exemplo de uma desapropriação.

"Os governos estaduais e municipais que determinaram paralisação de atividade diante do risco de contaminação não agiram de forma discricionária com base em critérios de conveniência ou oportunidade para benefício do interesse pública. Fizeram isso por motivos de saúde pública com base em uma ocorrência da natureza que é o vírus. Isso descaracteriza o uso do argumento do fato do príncipe. A meu ver o artigo 486 na CLT é absolutamente inaplicável em relação ao contexto da Covid-19", explica.

Calcini lembra que as empresas que estão adotando tal modalidade de rescisão estão correndo um grande risco. "Seja porque a Justiça do Trabalho tradicionalmente não aceita o argumento do Fato do príncipe. Basta recordar a questão do fechamento dos bingos, em que os proprietários foram obrigados a pagar milhares de reais em indenizações trabalhistas, por não se possível transferir o risco do negócio aos funcionários. Seja porque o não pagamento da multa do FGTS acarreta na incidência da penalidade do art. 477 da CLT — multa equivalente ao salário do empregado", diz.

Artigo 501
Outro artigo que vem sendo usado por empresas para não pagar a integra das rescisões dos funcionários é o 501 da CLT. Ele determina que:

Art. 501 – Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.
§ 1º – A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.
§ 2º – À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substancialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo

Para o caso em questão, o ministro Alexandre Belmonte lembra que o artigo em questão não faz distinção entre o caso fortuito natural ou o fortuito humano quer para manutenção do contrato para paralisação temporária da atividade empresarial ou quer para efeitos indenizatórios do rompimento contratual causado por motivo de extinção do estabelecimento ou da atividade.

"Como o risco da atividade por força do artigo 2ª caput da CLT é do empresário, na ocorrência de paralisação parcial, o contrato fica apenas interrompido. E ocorrendo prejuízos financeiros enseja redução de jornada e salarial em até 25%. No caso de rompimento do contra é o caso de indenização por metade", explica.

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