Opinião

Considerações sobre a MP nº 930/20

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23 de maio de 2020, 9h06

Foi publicada em 30 de março deste ano a Medida Provisória nº 930/20, que, entre outras regras, modificou o tratamento tributário aplicável à variação cambial das operações de hedge (transação compensatória que visa proteger o operador financeiro contra prejuízos na oscilação de preçossobre investimentos realizados por instituição financeira autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil em sociedades controladas domiciliadas no exterior.

Recentemente, o tema ganhou notoriedade por conta da enorme desvalorização da moeda brasileira nos últimos meses. De acordo com as normas contábeis aplicáveis às sociedades brasileiras, a instituição financeira que controla a sociedade domiciliada no exterior deve contabilizar a variação cambial relativa à respectiva participação societária diretamente em seu patrimônio líquido (PL) — mais especificamente, em conta de ajustes acumulados de conversão. Nesse sentido, é fácil observar que a grande volatilidade do câmbio brasileiro pode, por vezes, ocasionar distorções relevantes nas demonstrações financeiras destas entidades.

De modo a mitigar tais distorções, é prática comum às instituições financeiras a contratação de operações com derivativos para fins de proteção o chamado hedge. Consideram-se hedges as operações destinadas, exclusivamente, à proteção contra riscos inerentes às oscilações de preços ou de taxas, quando o objeto do contrato negociado estiver relacionado com as atividades operacionais da pessoa jurídica, ou, ainda, quando se destinar à proteção de direitos ou obrigações da pessoa jurídica, conforme determinado pelo artigo 77, § 1º, da Lei nº 8.981/95. Nesses casos, são usualmente utilizados como instrumento de hedge: I) contratos futuros em dólar; ou II) o chamado cupom cambial.

Do ponto de vista fiscal, nos termos do artigo 77 da Lei nº 12.973/14, a variação cambial do investimento no exterior não compõe a base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Entretanto, ganhos auferidos com instrumentos derivativos que superem o valor do investimento, em operações de cobertura transitam pelo resultado operacional da empresa, sendo, em regra, tributados pelas pessoas jurídicas, como determina o artigo 39, inciso II da Instrução Normativa RFB nº 1.700/17.

Em decorrência da discrepância gerada pela diferença no tratamento tributário, é prática reiterada dos bancos realizar o hedge por um valor maior que o total do investimento na controlada prática denominada overhedge  para que quando os tributos devidos forem descontados, a proteção contratada seja capaz de efetivamente cobrir eventuais prejuízos financeiros. Não é difícil imaginar que o overhedge acarreta alguns efeitos indesejados, como, por exemplo, o aumento relevante nos custos das referidas operações financeiras.

Com o objetivo de eliminar tal distorção e conter os efeitos da prática do overhedge, a Medida Provisória nº 930/20 apresentou novo tratamento tributário à variação cambial do hedge de investimento realizado pelas instituições financeiras: tanto a variação cambial incidente sobre o investimento em controlada no exterior quanto a variação cambial do próprio hedge que lhe dá cobertura deverão ser computadas na determinação do lucro real e na base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido da pessoa jurídica controladora domiciliada no país.

Na prática, a variação cambial passiva, adicionada ao lucro real, será anulada pelo correspondente resultado positivo da operação de hedge, enquanto eventual variação cambial ativa será neutralizada pelo resultado negativo da operação de hedge.

Além disso, a nova disposição introduzida pela MP 930/20 resultará na redução dos custos operacionais e o risco de liquidez nas operações de hedge, visto que usualmente as instituições financeiras as realizam através da contratação de derivativos em bolsas de valores, cuja operacionalização necessita de depósito de margem de garantia para suporte do risco, depositada em espécie. A eliminação do overhedge, portanto, reduz significativamente tais custos pois operações de hedge, além da complexidade, possuem elevados custos operacionais.

Neste sentido, vale observar que o princípio da anterioridade consagrado pelo artigo 150, inciso III, da Constituição Federal/88 e pela Súmula STF nº 584, e aplicável em casos de alteração na base de cálculo dos tributos incidentes sobre a renda não foi deixado de lado. Assim, as alterações propostas pela norma serão válidas tão somente a partir do exercício financeiro de 2021, à proporção de 50%, e integralmente a partir do exercício financeiro do ano de 2022.

A ideia é boa, mas sua execução, no entanto, aparenta certo desleixo por parte do legislador. Nesse sentido, é importante destacar que a nova norma não alterou o artigo 77 da Lei nº 12.973, que dispõe sobre a não tributação da variação cambial dos investimentos em sociedades domiciliadas no exterior. Além disso, o texto da medida provisória endereçou tão somente o caso das sociedades controladas, não esclarecendo se o tratamento abrange também coligadas, filiais e sucursais.

A expectativa geral dos contribuintes, agora, é pela tramitação da Medida Provisória nº 930/20 pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, oportunidade em que a MP poderá ser alterada/ajustada antes de sua conversão em lei. Caberá, ainda, à Receita Federal disciplinar, por meio de ato normativo próprio, a aplicação das regras expressas pela norma.

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